Mulheres trans e mercado de trabalho, como é essa relação?

Todos os anos comemora-se o dia do trabalhador. Uma data que surgiu em decorrência da greve operária que ocorreu em Chicago, nos Estados Unidos, em 1º de maio de 1886, contra o sistema vigente à época, à favor de melhores condições de trabalho. Mas será que essa luta por dignidade humana e justiça ainda existe? Como esse sentimento de injustiça se apresenta hodiernamente? Qual será a luta atual?

Atualmente, encontramos discursos de dificuldade e muitos desafios encontrados pelas mulheres ao tentarem se inserir e permanecer no mercado formal de trabalho. Um dos obstáculos é o preconceito e a discriminação em relação à diversidade sexual e de gênero no contexto social e de trabalho, considerado um fenômeno corriqueiro no cotidiano. A luta em favor de melhores condições de trabalho precisa se estender ao combate ao preconceito contra as mulheres trans.

Recentemente, o Centro Universitário Luterano de Palmas, intermediado pelo Professor e psicólogo Sonielson Luciano de Sousa – CRP 23/1853, promoveu o “Psicologia em Debate” (Projeto que envolve comunidade acadêmica e público em geral com os temas mais relevantes da Psicologia), em parceria com o (EN) CENA, Portal aberto ao compartilhamento de produções de narrativas textuais e imagéticas de professores, acadêmicos e usuários dos serviços de saúde que colaboram em diversos pontos (Narrativas, Cinema, TV e Literatura, Personagens, Séries, Comportamento e Galeria) com o debate sobre a violência simbólica contra a população LGBTQIAPN+.

Esse evento contém palestrantes e participantes do Miss Beleza Trans/Tocantins, que puderam contar suas experiências de luta, de frustrações, de medo e de desafios de ser mulher trans. Falou-se como se deu a ideia do concurso e o porquê, além da importância do Miss Trans para a visibilidade da causa, contando-se como ponto de partida as experiências sofridas de violência simbólica, velada, física e verbal. E nessa oportunidade de fala também relataram os obstáculos no campo profissional em decorrência do preconceito.

Tais mazelas sociais de violência sofrida pelo gênero feminino, que desbordam em dificuldades básicas em sobreviver, fazem com que: “muitas de nós não temos escolha, às vezes, a escolha é a prostituição. Eu paguei a minha faculdade com o dinheiro da prostituição, e mesmo formada, já fui demitida porque um pai não quis que o filho estudasse com uma professora Trans. E sem o apoio familiar e sem como poder se autossustentar, o caminho de muitas de nós é prostituição”. Contou uma das participantes do concurso.

E diante desses fenômenos sociais, culturais, políticos, econômico e além das circunstâncias do desemprego provocado pelo preconceito também há outras situações que as colocam em uma agravante situação de vulnerabilidade social diretamente ligada a outras demandas sociais, a exemplo da ausência e carência do acesso à educação, à profissionalização, à saúde, à assistência e à previdência social, assim como os demais direitos humanos, civis, políticos e sociais, que são prejudicados e que reverberam nas diversas dimensões da vida humana, não obstante parte da sociedade vem lutando contra tal sistema opressor.

O trabalho é um ambiente onde se confrontam, simultânea e dialeticamente, a relação consigo e com o outro, porque é o sujeito em seu ser que é convocado, com seus recursos, com suas capacidades e habilidades, mas também com suas motivações, seus desejos conscientes e inconscientes, seus traumas, suas frustrações e suas fantasias subjacentes a seu engajamento no trabalho. Assim, a ciência psicológica considera o trabalho importante, visto que é uma parte necessária da vida. Além da renda financeira, o trabalho tem outro propósito: dar significado à experiência humana. Portanto, a dimensão do trabalho é fundamental para empoderamento do sentimento de dignidade humana e do bem-estar físico, psicológico e social.

É importante ressaltar que um dos papéis da psicologia é contribuir politicamente, socialmente e psicologicamente na defesa das pessoas LGBTQIAPN+. Além disso, a psicologia visa colaborar no processo terapêutico individual por meio de diversas ferramentas e métodos, como a autorreflexão destinada à provocação do autoconhecimento, para que a pessoa possa se conhecer mais profundamente, a se compreender mais, acessar a sua real identidade e entender que faz parte da natureza humana a complexidade, instabilidade (mudança) e a intersubjetividade, considerando que o ser humano é singular e único.

Assim, a psicologia permite que o indivíduo, com a interlocução do psicólogo, organize os próprios pensamentos e ajude a identificar os fatores causadores da angústia e do sofrimento existencial. Em contrapartida, é uma prática reflexiva onde o profissional questiona a si mesmo, com a sua visão de mundo e suas ideologias, para avaliar se suas práticas estão alinhadas com os princípios fundamentais da ciência psicológica que é a promoção do bem-estar psicossocial do ser humano.

Um dos princípios fundamentais do Código de Ética do psicólogo é trabalhar visando a promoção à saúde e à qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuir com a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Dessa forma, as mulheres trans que enfrentam desafios e dificuldades de se inserirem no mercado formal de trabalho sofrem preconceito duplo – relacionado à orientação sexual e a limitação profissional. E o papel da psicologia é trabalhar contra a opressão; a limitação e adoecimento e a favor da autônima, da liberdade e do bem-estar.

Para tanto, o preconceito, a discriminação, assim como a violência perpetrada contra a comunidade LGBTQIAPN+, em razão de sua orientação sexual e/ ou identidade de gênero divergente do modelo heteronormativo, são fenômenos que colaboram para o desafio constante dessa população ao mercado formal de trabalho. Além disso, o preconceito, segundo Sílvio Almeida, filósofo, advogado e professor universitário e o atual Ministro de Estado dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, é consolidado ao longo de décadas na organização da sociedade ao privilegiar alguns em detrimento de outros. Logo, é um fenômeno maléfico e desagregador que desafia a sociedade.

Referências

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO de 2005. Disponível em <https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2012/07/codigo-de-etica-psicologia.pdf> Acesso em 30 de outubro de 2023.

ERIKSON, Erik H. Infância e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

NASCIMENTO, Ana Paula Leite; Menezes, Moisés Santos de; Oliveira; Antônio Carlos de. LGBT E MERCADO DE TRABALHO: UMA TRAJETÓRIA DE PRECONCEITOS E DISCRIMINAÇÕES. 2018. Disponível em < https://editorarealize.com.br/editora/ebooks/conqueer/2018/TRABALHO_EV106_MD1_SA7_ID186_04032018135735.pdf. Acesso 03 de novembro, 2023.

PAPALIA, D. E. e FELDMAN, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano. Porto Alegre, Artmed, 12ª ed.