“O que importa quantos amores você tem
se nenhum deles te dá o universo?”
Jacques Lacan
E o amor nunca esteve tão em alta!
É só o dia dos namorados se aproximar que o movimento começa, é o momento para fazer parte do seleto grupo de quem tem um par romântico para postar uma foto do casal nas mídias sociais. Se não, perde a oportunidade.
Não é raro ver e ouvir, principalmente nessa época do ano, as lamúrias de quem não tem um par para festejar a data, em contraponto, há quem alegue que não faz diferença. Isso para não falar naqueles que, com muito senso de humor, anunciam abertamente estarem dispostos a se alugarem para uma noite de muito amor em troca de companhia para o dia dos namorados.
E a coisa não para aí não… As empresas não perderam tempo e estão promovendo em suas fanpage’s promoções onde o casal de namorados que receber mais likes em sua foto postada na rede será premiado.
Excelente estratégia de marketing!
Mas por que será que o amor vende tanto?
É verdade que o dia dos namorados já perdeu, há muito tempo, a raiz de sua essência. Toda essa campanha midiática em torno da data se dá devido ao interesse puramente comercial e capitalista das empresas em faturar cada vez mais.
Mas, o que de fato faz do amor uma fórmula tão eficaz para as campanhas publicitárias?
As motivações são várias e uma das mais primárias é a apresentada pelo livro de Gênesis: “E disse o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma ajudadora idônea para ele.” (Gênesis 2:18). Noutro versículo: “Portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma só carne.” (Gênesis 2:24). Essa é, afinal de contas, a motivação por trás de cada relacionamento: formar famílias? Pelo menos, costumava ser.
Os perigos em se apegar à bíblia, e a textos como esse, são o de que, atualmente, a conjuntura social que vivemos é outra completamente diferente. A própria configuração dos casais sofreu adaptações, existem relacionamentos abertos e fechados; casais heterossexuais e homossexuais; casamentos formados por dois, três ou mais parceiros; casamentos com filhos e sem filhos etc.
“Os Amantes” (1928). Magritti. Óleo sobre tela.
Poucos sabem, mas a prática monogâmica do homem, historicamente, nasceu pela necessidade que se tinha, em um determinado período da idade média, dos grandes senhores de terras terem certeza de que seus bens seriam herdados por descendentes consanguíneos. Desse modo a mulher era obrigada a casar virgem e ter ao longo da vida um único parceiro, enquanto o homem, não teria seus filhos bastardos reconhecidos, se estes nasciam no pecado, logo não tinham direitos legítimos. Que diferença o teste de DNA faz nos dias atuais não é mesmo? Ele abre um leque de oportunidades.
Não só a estrutura familiar mudou, como o modo que os relacionamentos amorosos mudaram. Hoje em dia, há um fluxo muito maior de início e término de relacionamentos, pautados em modismos e comodismos. É o que o sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama de Amor Liquido.
Investir no relacionamento é inseguro e tende a continuar sendo, mesmo que você deseje o contrário: é uma dor de cabeça, não um remédio. Na medida em que os relacionamentos são vistos como investimentos, como garantias de segurança e solução de seus problemas, eles parecem um jogo de cara-ou-coroa. A solidão produz insegurança — mas o relacionamento não parece fazer outra coisa. Numa relação, você pode sentir-se tão inseguro quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade (BAUMAN, 2004. p. 30).
Para o autor, a real motivação por trás dessa fluidez em que se perderam os relacionamentos está no simples medo que os casais têm de sofrerem com o término dos relacionamentos, caso estes cheguem ao fim. Em outras palavras, amamos menos por medo de perder o ser amado. É ou não uma dose de egoísmo?
Diferentemente dos ‘relacionamentos reais’, é fácil entrar e sair dos ‘relacionamentos virtuais’. Em comparação com a ‘coisa autêntica’, pesada, lenta e confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e manusear (BAUMAN, 2004. p. 12-13).
Na literatura, na música e no cinema o amor sempre foi à motivação principal de grandes artistas. Essa prática vem desde a era mitológica, onde os poetas gregos homenageavam suas musas com muita arte. E só para quem não sabe, eram elas: a eloquência; a história; a poesia lírica; a música; a tragédia; a música cerimonial (sacra); a comédia; a dança; a astronomia e a astrologia.
“O Beijo” (1907-1908), Gustav Klimt. Óleo e folha de ouro sobre tela.
Sigmund Freud, também atribui grande valor a esse sentimento em sua produção bibliográfica, assim como no tratamento psicanalítico. Segundo ele
todo tratamento psicanalítico [JedepsychoanalytischeBehandlung] é uma tentativa [isteinVersuch] para libertar [zubefreien] o amor recalcado [die verdrängteLiebe], que encontrou no sintoma a incômoda solução de um compromisso [die in einemSymptomeinenkümmerlichenKompromissausweggefundenhatte] (FREUD, 1907/1982, p.80).
Isso sem mencionar as histórias épicas que dão um colorido e dramaticidade à nossa vida e ao modo como experimentamos o amor. Casais como Romeu e Julieta; A Bela e a Fera; Capitú e Bentinho; Dom Quixote e Dulcinéia; Shrek e Fiona; Vada e Tom (de Meu Primeiro Amor); estarão eternamente gravados em nosso inconsciente de forma tão concisa, que passam despercebidos, influenciando o modo como nos relacionamos afetivamente.
Fiona e Shrek
É o que o psiquiatra suíço, criador da Psicologia Analítica, Carl Gustav Jung chama de arquétipo.
Segundo Jung, existem aspectos inconscientes de nossa personalidade, opostos à persona, que encontram expressão (vazão) em uma representatividade interior: feminina para os homens (Anima); e masculina para as mulheres (Animus).
Por mais idealizados que sejam os relacionamentos, fato é que eles têm sofrido forte interferência do mundo pós-moderno. As pessoas começam se envolver em relacionamentos cada vez mais jovens por motivações pessoais e de cunho egoístas, os resultados emocionais desses atos impensados são catastróficos.
Em nosso mundo de furiosa ‘individualização’, os relacionamentos são bênçãos ambíguas. Oscilam entre o sonho e o pesadelo, e não há como determinar quando um se transforma no outro. Na maior parte do tempo, esses dois avatares coabitam – embora em diferentes níveis de consciência. No líquido cenário da vida moderna, os relacionamentos talvez sejam os representantes mais comuns, agudos, perturbadores e profundamente sentidos da ambivalência (BAUMAN, 2004. p. 8).
Então, como se preparar para um relacionamento?
Não há resposta pronta, é importante ter claro os valores do renascentista Luiz Vaz de Camões:
Amor é fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer;
É um não querer mais que bem querer;
É solitário andar por entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É cuidar que se ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?
(O Soneto 11 de Luiz Vaz de Camões).
O ideal é trabalhar o autoconhecimento, e ter consciência das razões que a(o) motivam nessa busca incessante por um par romântico. O amor não tem cara, cor, credo, idade e nem sexo. Iniciar um relacionamento por medo de ficar sozinho; para mudar o status de relacionamento do seu perfil no facebook; ou simplesmente para ganhar um presente no próximo dia 12 de junho, é apostar numa união que está claramente fadado ao fracasso.
Referências:
BÍBLIA SAGRADA
BAUMAN, Z. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
FREUD, S. (1907/1982) “Der Wahn und die Träume In W. Jensens ‘Gradiva”.Studienausgabe.Band X. Bildende Kunst und Literatur. Frankfurt am Main: Fischer, TaschenbuchVerlag, s. 9-85. (Disponível em: http://scholar.google.com.br/scholar?q=%20Studienausgabe:%20Band%20X.%20Bildende%20Kunst%20und%20Literatur).