Redes sociais, um espelho de imagens distorcidas
Nayara Batista de Araújo – nayaraaraujo976@gmail.com
Fonte: Imagem de HtcHnm no Pixabay
Ao postar uma foto nas redes sociais, temos intenção de ganhar “likes” e isso faz com que automaticamente seja gerada uma expectativa, que se associa muito frequentemente com a sensação de ansiedade. É bastante comum para quem posta passar horas contabilizando curtidas e comentários, além de comparar o número de interações recebidas com as de outras pessoas, gerando percepção de inferioridade. Nesse cenário, surgem questões: de onde “por que gostam mais dele?”, “o que tem de errado comigo?”, dentre tantas outras inseguranças despertadas por apenas uma postagem do indivíduo ou de uma terceira pessoa desconhecida ou que não faz parte do meu convívio.
O uso de aplicativos de “photoshop” tem se tornado cada vez mais comuns em postagens feitas nas redes sociais. Algumas pesquisas afirmam que cerca de 90% dos usuários usam essa ferramenta (SOUZA, 2019), criando a ilusão de corpos perfeitos, gerando obsessão, distúrbios alimentares e uma grande competição pelo corpo mais bonito ou por atenção. Tornando-se um poderoso gatilho mental, além de ser uma grande pressão em pessoas de tão pouca idade, que normalmente se inspiram em corpos que não existem, estão apenas alterados no computador. Outro fator são falsas postagens, contexto em que influenciadores postam fotos tiradas de páginas da internet ou forjam momentos em mostram lugares incríveis, carros, viagens e entre outros. Assim, passam a impressão de vidas badaladas e movimentadas, gerando comparações com quem observa tudo do outro lado da tela.
Um notório fenômeno oriundo das redes sociais é o “cancelamento”, um termo novo que consiste em excluir pessoas ou grupos da sociedade que tiveram posicionamentos e comportamentos incompatíveis com o aceito socialmente. Inicialmente a ideia era “cancelar” piadas de mau tom, racismo, machismo, entre tantos outros, porém, muitos usuários nas redes sociais sociais acabam cancelando qualquer opinião, comportamento e estilo de vida que não pareça válido, dentro de uma perspectiva fechada.
A política do cancelamento ajudou muito a mudar padrões de comportamento, entretanto, tem sido implacável, algumas vezes não permitindo ao “cancelado” a chance de errar e se redimir. É como se não houvesse mais espaço para a margem do erro. O certo é acertar sempre! Os jovens têm cada vez mais receio de errar e ter que lidar com a rejeição e todos esses sentimentos negativos. É fato que as pessoas precisam entender que diversos comportamentos não mais são aceitos, todavia, estamos sujeitos ao erro, pois faz parte da condição humana.
Seguindo esse contexto, temos o ambiente do cyberbullying, onde jovens e adolescentes são perseguidos, humilhados, massacrados, intimidados, difamados e agredidos mentalmente diariamente. Tem sido cada vez mais comum a presença de pessoas que disseminam o ódio em redes sociais e provocam o efeito manada, que consiste em um comportamento humano comum diante de atitudes coletivas, uma tendência apresentada pelas pessoas de replicarem as ações de um determinado grupo, escolhe-se o alvo e a mesma é destruída no mundo virtual. A vítima, por sua vez, desenvolve insegurança, ansiedade, vergonha, além de nutrir sentimentos negativos e por vezes afastamento de familiares e amigos.
Para quem não usa ou se importa com redes sociais pode parecer fútil e insignificante, a solução pode ser simples o ato de apenas deixar de usar essas redes, mas em um mundo cada vez mais tecnológico, afastar-se desse meio é cada vez mais complexo, estando presente diariamente em nossas vidas. Quando falamos de jovens, estes estão cada vez mais conectados e são influenciados diariamente nessas redes, algumas vezes condicionando inclusive sua própria felicidade na validação e aceitação de quem está lá apenas como telespectador.
Marcello Casal jr/Agência Brasil
Para ficar mais claro, é como se a cada postagem fosse necessário curtidas, comentários e reações validando o ambiente, a roupa, a música, as pessoas e tudo que faz parte do contexto, se ninguém gostar ou reagir tudo aquilo foi em vão, invalidando toda a alegria sentida e memória criada naquele momento. É um mundo de ostentação altamente relacionado ao desejo de autoafirmação e, quase sempre, ao medo de rejeição, onde a falta de maturidade emocional dos jovens contribui para o aumento de crises depressivas e de ansiedade.
Você pode estar se questionando “isso não acontece assim”, “está sendo muito radical” ou “ninguém faz isso”, será mesmo que isso não acontece? Quem nunca postou algo e apagou porque não teve tantas curtidas e comentários, ou postou algo que parecia ser um máximo e ficou um pouco frustrado por não ter chamado a atenção de outras pessoas, parece pequeno, mas é a partir de ações insignificantes que nascem expectativas, inseguranças e aos poucos perde-se a liberdade e autenticidade. Assim, chega um determinado momento em que paramos de postar o que realmente gostamos ou que nos interessa e passamos a postar o que as outras pessoas gostariam de ver.
O professor e pesquisador brasileiro Cristiano Nabuco (ABREU, 2020), que estuda sobre redes sociais, fala que as pesquisas existentes não têm nenhuma prova de que redes sociais são benéficas para a autoestima, a maioria dos resultados tem conclusão ambígua ou deletérias. Muitas vezes tendo um efeito contrário, dentro das redes sociais as pessoas têm corpos perfeitos, casas incríveis, emprego dos sonhos, viagens mensais, famílias de comercial de televisão, é como se todo mundo fosse feliz e quem está acompanhando tudo isso tivesse a pior vida do mundo, talvez esse seja o mais grave dos gatilhos mentais, porque no fundo nós sabemos que não existe vida perfeita, mas de tanto ver fotos e vídeos passamos a acreditar em uma realidade que não existe, o nosso cérebro passa a desejar algo impossível.
Quando se tem um pouco mais de idade e experiência de vida, consegue-se discernir melhor essas realidades dentro de redes sociais, apesar de algumas vezes ainda assim sermos afetados, mas a pessoa jovem que ainda não viveu muito e não passou por tantas situações, não tem essa capacidade de discernimento, esse jovem é facilmente conduzido a acreditar na vida perfeita de desconhecidos em redes sociais, tendo a ilusão de que tudo precisa acontecer “agora” no tempo presente, passando a comparar a própria vida e os acontecimentos, fazendo com que tudo pareça tão monótono e pacato, uma vida que por vezes não tem nada de errado, mas parece não ser interessante quanto a das outras pessoas.
Essa sensação de monotonia gera frustrações e decepções, por vezes jovens se veem infelizes e insatisfeitos, enxergando a realidade de forma distorcida, a partir daí surgem as doenças mentais, desde ansiedade, estresse, depressão até distúrbios alimentares e comportamentais. A busca pela perfeição leva milhares de jovens a se invalidarem, muitos passam a viver de forma falsa, a fingir gostar de algo por estar na moda, frequentar lugares que não o cabe, cercam-se de pessoas sem vínculo afetivo, tudo para ter uma vida aparentemente mais interessante ou chamativa dentro das redes sociais e se igualar as pessoas que parecem ser perfeitas e tão felizes nesse meio.
A felicidade momentânea provocada por estar fazendo parte desse meio nas redes sociais alivia a sensação de ansiedade e promove a autoafirmação, mas apenas temporariamente, em casa sozinho, o jovem na sua intimidade não se reconhece, se questiona sobre o que ele realmente gosta, a sensação de vazio por não saber o que é real e o que é apenas fingimento para as redes sociais passa a estar presente em seus pensamentos, levando mais uma vez a frustração e às vezes ao isolamento.
Aos poucos o indivíduo não tem mais autenticidade, abrindo espaço para a criação de pensamentos, crenças e pressupostos disfuncionais, o jovem passa a ter uma visão negativa e pessimista sobre si mesmo. O jovem passa a não dar mais importância para os acontecimentos da sua vida, tudo fica condicionado a vida de um desconhecido, quem nem se conhece, mas acompanha em redes sociais, por exemplo “só vou ser feliz se eu fizer uma viagem igual à que meu amigo postou”, ou “só vou me sentir bonita se eu tiver o corpo da blogueira musa fitness”. O poder das redes sociais sobre os jovens em geral tem invalidado a individualidade de cada um, é como se fosse proibido ser você mesmo, ser quem te faz bem.
Ansiedade, depressão, crises de pânico, isolamento, dentre tantas outras doenças psicológicas podem ser causadas pelas redes sociais, a internet passou a ser impiedosa. Os jovens estão cada vez mais expostos, olhar para si mesmo no espelho tem sido cada vez mais doloroso e vazio. Assim, é necessário que pessoas próximas saibam identificar esses sintomas, seja no núcleo familiar, no escolar ou no de convívio direto, é fundamental identificar esses distúrbios no início para que possam ser tratados e danos irreversíveis sejam evitados ainda na juventude.
Por outro lado, as redes sociais também têm se tornado importantes redes de apoio, páginas de pessoas que defendem o amor próprio têm crescido cada vez mais, diversos grupos buscam postar e propagar a vida real, isso tem sido fundamental, não só para os jovens, mas para toda a sociedade que precisa se familiarizar novamente com o cotidiano comum. Precisa ser normalizado, não estar bem todos os dias, que está tudo bem em ter um dia chato, um dia sem fortes emoções, só uma vida comum.
Encontrar esse tipo apoio em redes sociais que buscam melhorar a saúde mental das pessoas é um alívio, ver pessoas comuns, com vidas comuns, com problemas e perceber que tudo isso está dentro da normalidade e entender que isso faz parte da vida, que toda e qualquer experiência boa ou ruim forma quem eu sou. Ao aceitar quem somos de verdade, olhar-se no espelho passa a ser prazeroso, assim conseguimos viver melhor, amar verdadeiramente e ter compreensão com o próximo (ABREU, 2020).
Se não soubermos como é a tristeza, jamais vamos saber como é a alegria, se todos os dias vivemos, fortes emoções isso vai se tornar monótono com o passar do tempo. Tudo precisa de equilíbrio, precisamos sentir um pouco de tudo o que a vida tem a nos proporcionar. Ter gratidão por cada experiência, cada oportunidade de viver o novo independente do que for.
É necessário aprender a administrar o tempo dentro das redes sociais, escolher o que se vê dentro desses meios, visualizar apenas o que realmente vai me acrescentar e excluir de vez tudo o que pode me deixar doente mentalmente, se necessário buscar ajuda de um profissional, todo esforço é válido para buscar a liberdade da perfeição postada nas redes sociais.
Do ponto de vista profissional, a terapia nos dias de hoje deveria estar presente na vida de todos, principalmente dos jovens, em um mundo onde as redes sociais pregam perfeição, é necessário cuidar da saúde mental, por mais fortes que as pessoas pareçam ser, ter uma rede de segurança emocional é fundamental, em um mundo onde as pessoas dizem o tempo todo como eu devo ser, buscar a minha auto aceitação é garantir a sanidade, quando sabemos quem somos e temos conhecimento da nossa capacidade conseguimos nos blindar de realidades distorcidas (SOUSA; CUNHA, 2019)
Os jovens hoje precisam conhecer e ter consciência do seu valor, porque os conflitos internos sempre vão estar presentes, as inseguranças e o medo da rejeição não vão sumir, eles fazem parte do ser humano, porém, quando conhecemos o nosso valor deixamos de ser influenciados. Porque a partir do momento em que nos conhecemos verdadeiramente e sabemos do que realmente gostamos, fica fácil saber quais ambientes queremos frequentar, quais são os hobbies e atividades preferidos. Assim, finalmente passamos a ter a vida interessante que tanto desejamos, neste momento a vida que as outras pessoas postam nas redes sociais não irá interessar mais, porque temos a certeza de quem somos e o que realmente agrada.
Quando aceitamos a vida real e que as adversidades fazem parte do processo, passamos a saber que as postagens tão perfeitas das redes sociais são falsas e as mesmas deixam de ser gatilhos para ansiedade, depressão e tantos outros problemas. Os jovens que têm sido tão afetados podem viver melhor e evoluir sem medo do julgamento. Porém, é necessário desconstruir as redes sociais, esse ambiente e tudo que nele é postado, postagens e vídeos tóxicos precisam ser vistos como problemas, só assim é possível mudar a percepção sobre a influência das redes sociais na vida dos jovens e o quanto isso tem sido prejudicial em suas vidas (SOUSA; CUNHA, 2019)
Precisamos promover a aceitação positiva. Deve-se pensar sobre o tempo gasto em redes sociais e o impacto dela em nossas vidas, a prioridade deve ser o tempo de qualidade que temos com nós mesmos, o primeiro passo para mudanças sempre vai ser o mais difícil, mas a partir da primeira ação a jornada fica mais fácil. As redes sociais reforçam o nosso comportamento de comparação. Contudo, sempre que nos comparamos com outro sujeito, nós perdemos. Todos temos nossa singularidade, e isso é o que nos torna diferentes e também, únicos.
REFERÊNCIAS
ABREU, C. N.. Psicologia do Cotidiano 2: Como a ciência explica o comportamento humano. Artmed Editora, 2020.
SOUZA, K.; CUNHA, M. X. C. Impactos do uso das redes sociais virtuais na saúde mental dos adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Revista Educação, Psicologia e Interfaces, v. 3, n. 3, p. 204-2017, 2019.