“O cuidado mais que uma técnica ou uma virtude entre outras,
representa uma arte e um paradigma novo de relação
para com a natureza e com as relações humanas,
amoroso, diligente e participativo.”
Leonardo Boff (2012)
Foto: Paulo André Borges
Falar de saúde sempre foi um problema, não só pela gama de concepções do tema, mas pela dificuldade em se definir o que é doença. A discussão é ampla, e abre um horizonte de possibilidades e de aspectos (filosóficos, éticos, técnicos, religiosos etc) pelos quais o assunto pode ser tratado/concebido/empregado. Prevendo não me alongar, já que não seria difícil me perder em meio às muitas ideias, me proponho a abordar saúde pelo viés do Cuidado. Mas um tipo específico de cuidado, um peculiar, e que teve um papel de protagonismo durante as atividades da IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica – Saúde da Família.
O cuidado a que me refiro – deixando bem claro que em nenhum momento ele se distanciou ou perverteu-se das literaturas – do contrário, encontrou no território do evento um lugar de credibilidade, e tornou-se verdade na fala de cada um.
Estou falando de um cuidado real que é praticado e exercido, para além de uma técnica respaldada por uma teoria, um cuidado relacional que emergia em que cada sorriso, cada olhar, cada fala, e foi ganhando forma pela pluralidade de experiências disseminadas num espaço real.
No território da amostra as experiências encontravam lugar comum e seguro para serem compartilhadas, e somavam-se, uma a uma. Dada as diversidades que lá convergiam, vindas das mais diversas regiões do país, o ponto de encontro, e precisamos frisar que era um encontro respeitoso, pautado numa ética e inebriado por uma afetividade que inundava as cenas.
As palavras ganhavam significado e se tornavam significantes que se confirmavam a cada nova experiência relatada/apresentada. Mas preciso fazer uma ressalva para a atmosfera que circundava o Centro Internacional de Convenções do Brasil (CICB) de Brasília/DF, local do evento. A publico, em grande maioria técnicos dos serviços (agentes de saúde, técnicos de enfermagem, assistentes sociais, psicólogos, dentistas, fisioterapeutas, médicos, enfermeiros, secretários municipais e estaduais de saúde etc), estavam mais que abertos a receber informações, o que, acredito eu, fez toda diferença.
Foto: Paulo André Borges
Pelo viés de receptividade e reciprocidade, os relatos eram ouvidos/recebidos/percebidos/sentidos/significados a partir da realidade do outro, e contrapondo a realidade social/política/econômica/espiritual/cultural do eu, ganhavam uma verdade individual – de acordo com cada realidade de prática em promoção de saúde/cuidado – e que se traduzia no nós.
Esse Cuidado era captado não apenas nas falas, mas também nas relações interpessoais e subjetivas de trocas e afetos que se davam compulsoriamente dentro daquele espaço.
Dos encontros, emergiam novos olhares. E por mais que os projetos traziam ações distintas advindas de realidades diversas – o que é também uma característica geografia, social e política do nosso país – elas proporcionavam, pelos encontros coletivos, um contraponto de ideias que resultavam em novas ideais/possibilidades/ambições tecnológicas, que emergiam ali nos espaços relacionais e nas rodas de conversa/sentido/significância.
Toda voz era ouvida. Não porque o cuidado esteja embebido num saber único e de superioridade, mas porque ele nasce da necessidade do outro e da possibilidade do eu em oferecer o que é desejado.Estou falando de um cuidado guiado por uma práxis ética e centrada no sujeito, que em suma, parece estar ligado a uma teoria “X” ou “Y”, mas que no fundo diz de Respeito, que é saber ouvir.
As experiências eram diferentes e se destacavam pelo fato de intervirem exatamente na necessidade específica de determinada comunidade – necessidade esta que partia deles (sujeitos desejantes) – e não da imposição/aplicação de políticas (Pré)determinadas. Desse modo garantia-se uma gestão participativa e colaborativa, como aquela prevista na instituição SUS, e que está cada vez mais escassa em nossas comunidades. E para você que pensa que estou errado (e eu espero mesmo estar) me responda; por quem é formado o Conselho Municipal de Saúde de sua cidade?
Foto: Paulo André Borges
Esse cuidado, que é relacional e respaldado por trocas afetivas, é aplicado por numa metodologia humanizada e igualitária, dentro de cada saber cientifico, por uma equipe (pluri)profissional que deixa de ser técnica/perita, para – quando agindo por este viés – tronarem-se sujeitos investidos de um saber que institui/aplica/gera saúde/direitos.
Se pensarmos na saúde como a possibilidade de
(…) ultrapassara norma que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à norma habitual e de instituir normas novas em situações novas (CANGUILHEM, 1995).
A práxis do profissional deve perpassar “o promover” e “o assegurar” as condições necessárias para que o sujeito, a quem se oferece saúde – muito mais que um usuário, um Ser atuante e participativo no seu processo de reabilitação – tenha um ambiente (externo e interno) no qual ele tenha condições de gastar de consumir sua própria existência (CANGUILHEM, 1995). Desse modo o profissional em saúde se torna muito mais que um técnico, mas sim, um agente/promotor/facilitador de acesso à saúde.
O cuidado que emergia nos discursos, inundavam os espaços e as múltiplas territorialidades que configuravam a IV Mostra, gerando novo olhares, novas verdades, novos conceitos, mostrando/criando novas tecnologias de asseguração e promoção desse cuidado que surge da necessidade do outro, mas que parte uma resposta concisa/consciente/ética/humanizada do eu.