A sociedade, ainda que moderna, traz consigo tabus que parecem enraizados em sua história. Dentre os diversos assuntos que são por vezes evitados ou vistos com desprezo, a sexualidade e a morte parecem ocuparsempre os primeiros lugares. A morte, no entanto, continua sendo a mais discriminada, se assim pode-se dizer, pois falar da finitude humana faz com que o indivíduo recorde a enfermidade da própria vida e todos os esforços estão voltados para a tentativa de contrariar o único fato incontrolável, que é a mortalidade.
Há uma série de artifícios usados para afastar as pessoas da morte. Os enfermos morrem em hospitais, por vezes longe da presença familiar, afastando o confronto essencial que é o de encarar a morte, como acontecia em tempos passados – as pessoas morriam em casa, sendo veladas ao lado dos familiares e amigos – e isso contribui para a dificuldade de aceitação de um fato inevitável. O que acarreta, também, no desenvolvimento de uma sociedade, em alguns aspectos, cada vez mais individualista.
Não se sabe até que ponto o ser humano pode evitar discussões que têm como tema principal a morte. Ainda que tal esquiva seja algo totalmente impossível, pois a vida e a morte andam lado a lado, já que estão presentes no cotidiano de cada ser vivo. À medida que o ser humano caminha pelas várias fases do ciclo da vida, aproxima-se do incontornável destino final, sendo por isso algo cada vez mais presente e ocupando um espaço maior no pensamento humano. Mas, devido a vários acontecimentos, esse momento final pode ser confrontado até mesmo antes da própria morte do indivíduo, sendo esse confronto um dos mais penosos, que é a perda de alguém próximo, obrigando esse indivíduo a ficar diante da dor mais inquietante do seu ser: a certeza da finitude e a dor da ausência (MELO, 2004).
É imensurável a dor que assola o ser humano durante um momento de perda, pois nenhum homem, ainda que ciente do fim, aceita a condição de ser mortal. Sanders (MELO 2004, apud SANDERS, 1999) diz que a dor de uma perda é tão impossivelmente dolorosa que tem que se criar maneiras para se defender contra a investida emocional do sofrimento, além disso, existe o medo da entrega total da pessoal à dor, a ponto dessa entrega ser tão devastadora que o indivíduo dificilmente conseguirá emergir-se para estados emocionais comuns outra vez. Somente o tempo torna-se aliado daquele que sofre pela perda, permitindo a esse ser uma recuperação lenda e gradual.
Porém, esse mesmo indivíduo tem o papel ativo no processo de luto, tendo que efetuar algumas tarefas de “deixar ir”, desapegar-se ao corpo físico do outro e seguir sua vida. Quando tais tarefas não são realizadas, acaba-se por passar a tênue linha que separa luto normal do luto patológico. Nesse caso, o luto patológico possui sintomas severos, características de uma fase inicial que se segue à perda, prolongando-se por um período de tempo superior ao tempo normal adquirido ao luto (MELO, 2004).
O que é o processo de luto? A palavra luto deriva do latim luctu – tristeza. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa, o luto significa a dor e o pesar pelo sentimento de perda de alguém próximo. Bifulco (2005) destacou a importância de compreender o luto não somente após a morte, mas com os acontecimentos anteriores à ela, a posto que, ao descobrir a doença terminal – termo em que ela descreve como sendo utilizado erroneamente, visto que todos os seres-vivos são terminais – o sofrimento está ao longo de sua descoberta, pois tanto o paciente quanto seus familiares passam por um processo de luto.
Klüber-Ross (1998) dedicou-se a análise do processo de luto vivido por pacientes que receberam diagnóstico de doenças terminais e elaborou cinco estágios básicos durante esse processo. O primeiro estágio é o de negação e isolamento, onde pacientes e familiares não aceitam o diagnóstico ou a morte. Este estágio ocorre devido o ser humano não estar preparado para a morte, mesmo sabendo que ela é inevitável. O segundo estágio é caracterizado pela raiva, momento em que o paciente, ou a pessoa enlutada, não compreende porque isso aconteceu justamente com ele, culpando tudo o que lhe cerca.
O terceiro estágio é o de barganha, um estágio curto, porém bastante significativo, pois, se nos dois anteriores momentos o sentimento é de negação e raiva, culpando a Deus e a todos, nesse estágio há um tipo de trato. Assim o paciente usa como argumento de que se a raiva e o fato de não aceitar a situação não o favoreceu, talvez mudando o comportamento e tendo boas atitudes consiga reverter esse caso.
O quarto estágio se caracteriza pelo sentimento de depressão, situação em que o paciente já não pode negar mais sua doença, bem como a família não pode negar a perda. O paciente sente-se triste e frustrado por não conseguir reverter sua situação, sente um misto de sentimentos e aflições, ansiedade e stress desencadeados pela certeza da morte. O último estágio é o de aceitação, sendo um momento de despedida do mundo, de morrer tranquilo. Assim como a família, ele compreende que não há mais nada que se possa fazer.
É importante que o indivíduo passe por estas etapas, visto que isso estimula a compreensão da vida e a aceitação dos fatos. Para Sullivan (1956 apud SANDERS, 1999), o processo de luto oferece ao homem a oportunidade de se desligar dos laços de vinculação. Em condições normais, tal processo elimina vinculações que ameaçam manter as ilusões do amor eterno, no caso o autor defende a ideia de que o luto se trata de um mecanismo extremamente valioso e protetor, sem, no entanto, negligenciar a dor ou evitar os aspectos desagradáveis impostos ao momento.
Segundo estudos de Melo (2004), os sentimentos mais comuns vivenciados durante o processo de luto dos sobreviventes são:
- Tristeza: sentimento mais comum encontrado no enlutado, muitas vezes manifestado através do choro.
- Raiva: um dos sentimentos mais confusos vividos pelo sobrevivente, estando na raiz de muitos problemas vinculados ao processo de luto. A raiva advém de duas fontes: frustração por não haver nada a ser feito ou que pudesse ser feito para evitar, prevenir ou remediar a morte, a pessoa sente-se indefesa, incapaz de existir sem o outro e usa a raiva como companhia, além de outros sentimentos, como ansiedade, culpa (geralmente culpa a si mesmo ou aos outros) e nos casos mais extremos desenvolve comportamentos suicidas.
- Culpa: geralmente ocorre no início do processo de luto, há um sentimento de culpa por não ter sido suficiente na vida da outra pessoa, não ter levado a pessoa ao hospital mais cedo, não saber como evitar o acontecido, não ter agido de outra forma, a culpa é irracional e irá desaparecer através do teste com a realidade.
- Ansiedade: sentimento que pode variar de uma ligeira sensação de insegurança até um forte ataque de pânico. Quanto mais intensa a ansiedade mais sugere uma reação de sofrimento patológico. Surge por duas vias: o sobrevivente passa a se sentir incapaz de tomar conta de si próprio, sem a presença do outro e o indivíduo tem a consciência de mortalidade aumentada.
- Solidão: o sobrevivente frequentemente sente-se sozinho no mundo, principalmente quando a perda se deu com um cônjuge ou que estava habituado com uma relação próxima no dia-a-dia.
- Fadiga: sentimento de apatia ou indiferença. Quando em níveis elevados, a fadiga pode ser surpreendente e angustiante para uma pessoa que normalmente é muito ativa.
- Desamparo: presente geralmente na fase inicial da perda.
- Choque: ocorre com mais frequência quando se trata de uma morte súbita, inesperada, mas também pode surgir quando a morte era algo previsível.
- Anseio: o sobrevivente anseia pela pessoa perdida. Quando essa espera diminui pode-se dizer que o processo de luto está chegando ao fim.
- Emancipação: é a liberação, podendo ser um sentimento positivo após a perda.
- Alívio: é comum principalmente se a pessoa querida sofria de doença prolongada ou dolorosa; contudo, um sentimento de culpa acompanha normalmente esta sensação de alívio.
- Torpor: alguns sobreviventes relatam uma ausência de sentimentos. Sentem-se entorpecidas. Acontece no início do processo de sofrimento, logo após tornar conhecimento da morte. Pode ser uma reação saudável, pois bloqueia as sensações iniciais como uma espécie de defesa contra o que de outra forma seria uma dor esmagadoramente insuportável.
Segundo Worden (MELO 2004, apud WORDEN, 1991) existem quatro tarefas essências que facilitam o processo de luto, sendo elas:
1. Aceitar a realidade da perda: quando alguém morre, ainda que seja uma morte esperada, há sempre um sentimento de aquilo não aconteceu. Dessa forma, a primeira tarefa está em aperceber-se da realidade de que a pessoa morreu e não irá mais voltar. No entanto, chegar a essa conclusão e aceitação de perda leva um tempo, pois envolve uma aceitação intelectual e emocional. Porém os rituais tradicionais (funeral) ajudam os enlutados a avançarem na aceitação da perda.
2. Trabalhar a dor advinda da perda: algumas pessoas experimentam, além da dor emocional, a dor física e comportamental. Uma vez que a pessoa enlutada precisa passar pela dor da perda, tudo que permite a pessoa evitar esse sofrimento prolonga o processo. Essa dor precisa ser vivenciada, pois mesmo que negada, uma hora ou outra ela surge, e o indivíduo pode ter recaídas.
3. Ajustar a um ambiente em que o falecido está ausente: isso possui diferentes significados e difere de pessoa pra pessoa. No entanto, essa tarefa se remete ao acostumar-se com a falta da pessoa, compreender que aquele lugar não será mais frequentado por ela.
4. Transferir emocionalmente o falecido e prosseguir com a vida: os laços, as memórias, os sentimentos para com a pessoa que partiu jamais são esquecidos ou substituídos. Segundo Volkan (apud MELO, 2004, citado por WORDEN, 1991), todo o processo de luto termina quando o enlutado deixa de ter uma necessidade da representação do falecido com uma intensidade exagerada no dia-a-dia. O “deixar ir” aqui se refere a aceitação da morte, e prosseguir com a vida, embora as lembranças sempre irão existir.
O processo de luto se encerra quando todas essas tarefas suprem a necessidade do ente falecido, ou seja, quando a pessoa que sofreu a perda entende o que aconteceu e aceita a morte. Quanto à duração, não se pode responder com objetividade, uma vez que isso varia de pessoa para pessoa. Embora alguns estudos afirmam que dura cerca de um ano, pois a pessoa enlutada precisa enfrentar todas as datas comemorativas sem o ente querido, outros estudos afirmam que dura cerca de seis meses, no caso de prolongamento das datas pode ser que haja um luto patológico. Mas não há, de fato, um tempo de duração confirmado. Como dito no início deste trabalho, cada pessoa vive a perda de uma maneira. Enfrenta sua dor da forma que lhe convém. Não cabe a nenhum profissional ditar as regras de como ela deve superar isso, apenas lhe oferecer suporte emocional e apoio.
Referências:
BIFULCO, V. A. Psicologia da Morte. 2005. Disponível em: <http://www.eventos.med.br/tanatologia/2/textos/psicologiadamorte.pdf>
KLÜBER-ROSS, E. Sobre a Morte e o Morrer. 8a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MELO, R. O Processo de Luto: O inevitável percurso face a inevitabilidade da morte. 2004. Disponível em;http://groups.ist.utl.pt/unidades/tutorado/files/Luto.pdf.
ROCHA, A. C. O. MOREIRA, L. S. Lidar Com a Morte na Infância: Conversando através de livros. Palmas- TO. 2012. Acervo Pessoal.
SANDERS, C. (1999).Grief. The Mourning After: Dealing with Adult Bereavement (2nd ed.). New York: JonhWiley& Sons, Inc.
VICENT, G. (1991). Uma história do segredo? In P. Ariès& G. Duby (Eds.), História da vida privada. Da primeira Guerra Mundial aos nossos dias (Vol. 5; A. Carvalho Homem, trad.). Porto: Círculo de Leitores.
WORDEN, J. (1991). Grief Counseling and Grief Therapy. A Handbook for the Mental Health Practitioner (2nd ed.). London: Routledg.