O relacionar-se na monogamia, poligamia e amor livre

O amor é construído socialmente, sendo produto de cada época vivenciada.

O relacionamento amoroso ainda é enraizado na cultura patriarcal, que é caracterizada por devoção ao comando realizado pelo “pai”, uma figura máxima de autoridade dentre de tal tipo de regime e heteronormativa, já que é característico de normas do comportamento heterossexual. De acordo com o dicionário Aurélio (2010), heterossexual é o indivíduo que manifesta interesse pelo sexo oposto. Ou seja, são homens que têm interesse sexual e afetivo por mulheres, e mulheres que têm interesse sexual e afetivo por homens, padrão social de sexualidade atual, e tem como regra, de se relacionar, o amor romântico. Também de acordo com o dicionário Aurélio, monogâmico é o indivíduo que tem um só parceiro, em uma relação que pode se estender por toda vida ou não. Este modo de se relacionar prega um conjunto de crenças, valores e expectativas de como um determinado individuo, que está envolvido no romance, deve agir em um relacionamento.

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Há uma crença de que este amor é a única forma satisfatória de se relacionar. Há uma idealização seguida de uma projeção do eu na pessoa amada. No entanto, com a convivência diária, com a excessiva intimidade, a idealização não consegue ser sustentada e o inevitável acontece: tédio, sofrimento e enganação. De acordo com Freud (1996), projeção é um mecanismo de defesa do ego com o intuito de reduzir tensões psíquicas internas. Determinado indivíduo lida com sentimentos reais, mas não admite ou não percebe, de modo a identificar no outro algo referente a si próprio e não ao outro.

Parte dos sintomas, ademais, provém da defesa primária – a saber, todas as representações delirantes caracterizadas pela desconfiança e pela suspeita e relacionadas à representação de perseguição por outrem. Na neurose obsessiva, a autoacusação inicial é recalcada pela formação do sintoma primário da defesa: autodesconfiança. Com isso, a autoacusação é reconhecida como justificável; e, para contrabalançá-la, a conscienciosidade que o sujeito adquiriu durante seus intervalos sadios protege-o então de dar crédito às auto-acusações que retornam sob a forma de representações obsessivas. Na paranoia, a auto-acusação é recalcada por um processo que se pode descrever como projeção. É recalcada pela formação do sintoma defensivo de desconfiança nas outras pessoas. Dessa maneira, o sujeito deixa de reconhecer a auto-acusação; e, como que para compensar isso, fica privado de proteção contra as auto-acusações que retornam em suas representações delirantes. (FREUD, 1996, p.182)

Para Freud (1996), os conteúdos projetados são inconscientes e são sempre desconhecidos da pessoa que os projeta, de modo a evitar o desprazer de entrar em contato com tais conteúdos. O amor na sociedade ocidental era permeado de dispositivos sexuais que funcionavam como uma forma de controle. Foucault (2012) declara que o poder disciplinar controla os indivíduos por meio da vigilância de seus comportamentos, manifestando-se implicitamente, não por ação violenta, com cunho reparativo ou vingativo, como no medieval, mas com viés punitivo-educativo, com efeito amplo e invisível. Este poder ressalta a visibilidade do sujeito, aterrorizando-o e garantindo eficácia perene.

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Enquanto nos países árabes a poligamia é aceita e os homens costumam ter várias mulheres, no ocidente a monogamia está instalada como a única maneira aceitável de vínculo conjugal. Entretanto, o amor na sociedade ocidental acaba por ser permeado de dispositivos sexuais que funcionam como uma forma de controle.

[…] a sociedade disciplinar é aquela na qual o comando social é construído mediante uma rede difusa de dispositivos ou aparelhos que produzem e regulam os costumes, os hábitos e as práticas produtivas. [Na sociedade de controle] os mecanismos de comando [são] distribuídos por corpos e cérebros dos cidadãos. Os comportamentos de integração e de exclusão próprios do mando são, assim, cada vez mais interiorizados nos próprios súditos. O poder agora é exercido mediante máquinas que organizam diretamente o cérebro (em sistemas de bem -estar, atividades monitoradas, etc.) no objetivo de um estado de alienação independente do sentido da vida e do desejo de criatividade. (NEGRI E HARDT, 2001, p. 42 –3)

No entanto, o amor é construído socialmente, sendo produto de cada época vivenciada. Na Idade Média, era vigente o Amor Cortês, que é caracterizado por uma relação íntima entre Amor e Morte, o imbricamento entre Nobreza e Sofrimento, bem como o confronto entre o Casamento socialmente condicionado e o Verdadeiro amor, levado até as suas últimas consequências trágicas (NAVARRO, 2017). O amor cortês é ambivalente, já que ao mesmo tempo em que há paz, existe o sofrer; ao mesmo tempo em que lapida, fragiliza. O homem é sempre o mais apaixonado, agindo de maneira irracional, preso ao seu sentimento descontrolado. No entanto se faz presente uma autonomia dos sentimentos, já que a igreja ortodoxa deixa de exercer tanto poder.

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Logo, o Amor Cortês representa uma revolução nos modos de pensar e de sentir, e não deixa de empreender uma velada crítica aos padrões repressores de seu tempo. No entanto se fazia presente um amor cortês e inalcançável. Com o iluminismo, o amor passou a ser associado ao ridículo, já que muitos agiam com o coração ao invés da razão. No século XIX voltou a reinar um ideal de amor romântico, sendo visto como a finalidade da vida, que ainda se permeia nos dia de hoje, mas não é a única forma de amar, se fazendo presente novas formas de uma época vigente (L´INCAO, 2013; LINS, 2012).

O amor romântico nasce sob a influência do romantismo (XVIII), na Europa, com a particularidade de continuar sendo uma das marcas registradas da cultura ocidental, resistindo como uma forte referência para as práticas amorosas nos dias de hoje (COSTA, 1998). É um amor revolucionário, já que contesta padrões culturais e religiosos de comportamento. É visada a autonomia de se expressar, de escolher com quem se relacionar. No entanto, pode ser um ideal inalcançável, já que há uma idealização do eu perfeito no outro. O amor romântico está ligado diretamente à ideia de “amor perfeito”: uma crença medieval de que o amor verdadeiro entre um homem e uma mulher deve ser uma adoração de reverência. Esse ideal amoroso leva à frustração quando o individuo percebe que a fantasia é diferente da realidade do dia-a-dia. Freud afirma que o amor é uma repetição e suas matrizes são os imagos parentais, ou seja, a pessoa está tentando reconhecer no outro as condições infantis de amar.

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A monogamia (“mono” = “um” e “gamia” = “casamento’) é um contrato entre duas pessoas, em que se espera fidelidade e lealdade de ambas. Por muito tempo a monogamia foi considerada o símbolo da felicidade amorosa, (COSTA, 1998), mas com as modificações sociais e os males deste tipo de relação (ciúmes, mentira, traição), o ser humano passou a encontrar novas formas de se relacionar e amar. O relacionamento, então, sai do ideal social (monogâmico e heteronormativo) e passa a debandar para o ideal pessoal e o felizes para sempre passou a ser, então, desconstruído. Isso também remete a uma derrocada do poder soberano do cristianismo, que já não exerce muita influência sobre a vida privada.

De acordo com Regina Navarro (2017), o amor romântico passou a entrar em declínio quando as pessoas começaram a observar que tal tipo de amor não era tão satisfatório o quanto se pregava. Um amor utópico, não correspondia a vida real, resultando em sofrimento – psicanaliticamente falando. Um fator importante foi a desconstrução de unidade em um relacionamento – com eventual perda de individualidade dos integrantes, ou seja, a individualidade começou a ser muito valorizada. Isto se intensificou com o surgimento das pílulas, movimentos sociais (feministas, hippie e gay), aliados com o advento da internet, nos anos 90. Com isto, o amor romântico dá lugar a uma nova forma de amar que não exija mais exclusividade total. De acordo com o site UOL, em 2013 aconteceu em Berkeley a primeira Conferência Acadêmica Internacional sobre o Poliamor. Ainda no mesmo ano, no Brasil, aconteceu o maior poliencontro reunindo 180 pessoas. No Facebook a página Poliamor Estável conta com a participação de 9.5 mil membros.

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É importante destacar em pormenores as formas de amar na contemporaneidade. Tem-se, então, a monogamia, o relacionamento livre e o poliamor. No relacionamento livre há uma autonomia plena para se envolver afetiva e/ou sexualmente com várias pessoas. A pessoa pode estar casada ou estar namorando a distância, não há pré-requisitos para ser praticante. O que é preciso ser construído é uma autonomia emocional para ter diversos parceiros, ter tempo e dedicação para tais (NAVARRO, 2017). No entanto não é algo desordenado, é fundamental que existam acordo e regras mútuas entre os parceiros, nos quais são decididos os limites suportados por cada parte. Diálogo, transparência e honestidade são bases para qualquer relacionamento. Na monogamia tal comportamento é visto como traição, mas no amor livre há um acordo esclarecido entre ambos. É possível viver amor e paixões.

Referências

AMORIM, Ana Nascimento de; STENGEL, Marcia. Relações customizadas e o ideário de amor na contemporaneidade. Estudos de Psicologia, [s.i], v. 3, n. 19, p.157-238, set. 2014. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/epsic/v19n3/03.pdf >. Acesso em: 02 nov. 2018.

ARAUJO, Maria de Fátima. Amor, casamento e sexualidade: velhas e novas configurações. Psicol. cienc. prof.,  Brasília ,  v. 22, n. 2, p. 70-77,  Junho  2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200009&lng=en&nrm=iso>.Acesso em: 04  Nov 2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000200009.

PINHEIRO, Raphael Fernando. A monogamia e seus reflexos no direito de família. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,a-monogamia-e-seus-reflexos-no-direito-de-familia,39706.html>. Acesso em: 23 out. 2018.

SOUZA, Thuany Barbosa de. Amor Romântico. 2007. 36 f. TCC (Graduação) – Curso de Comunicação Social, Centro Universitário de Brasilía, Brasília, 2007. Disponível em: <http://repositorio.uniceub.br/bitstream/123456789/1833/2/20366245.pdf>. Acesso em: 20 Out. 2018.

LINS, Regina Navarro. Novas Formas de Amar – Nada vai ser como antes, grandes transformações nos relacionamentos amorosos. 2017: Ed. Planeta do Brasil.

Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra. Pós-graduanda em Terapia de casal: abordagem psicanalítica (Unyleya). Colaboradora do Portal (En)cena.