Para quem já sentiu a desterritorialização em seu espírito, em suas entranhas, lamento, me compadeço e me solidarizo profundamente. Talvez não haja sentimento mais avassalador que este de se perder nas gélidas e obscuras terras de não se reconhecer mais como sujeito. O conceito de território, muito longe daquele meramente geográfico que conhecemos e que apenas define de forma muito precária o ‘território do espírito humano’, diz respeito a reconhecer-se e existir em algo ou alguém, num fluxo e refluxo de significados e registros permanentes. Temos um território no colo da pessoa amada, no olhar materno que nos embala desde cedo, ao chegarmos em casa depois de uma viagem e vermos nossos filhos brincando, na cidade em que vivemos, em nossos amigos, nas ruas, esquinas, em pessoas conhecidas, em cheiros, cores, texturas… É onde temos a certeza de que existimos como donos de uma identidade e fazemos parte de algo; uma sensação de ‘pertencença’…
Ao contrário, entretanto, quando perdemos tais referências tudo se esfacela e o véu da angústia, da insanidade, do desalento paira com seu abraço mortal nos enlouquecendo, ensurdecendo e cegando. Não há dor maior que aquela de não pertencer à coisa alguma ou a lugar nenhum. É a dor pálida da solidão que arranca a pele aos poucos e provoca o vômito da própria alma. É o sentimento de banzo dos negros escravizados trazidos da África ao Brasil, que lentamente morriam de saudade da terra natal naquele novo lugar que lhes era estranho e onde não se achavam em nada nem em ninguém. Eis, portanto, a noção de desterritorialização: quando se perde todas as referências internas e externas e aos poucos não se reconhece sequer a própria existência…
Como se evita sentimento tão cruel? Jamais deixando as origens ou tudo aquilo que se constituem em registros primários? Essa, de fato, é uma postura bem típica de culturas e tradições enraizadas em torno do núcleo familiar. Não creio que seja um caminho necessariamente saudável, pois conviver fusionado às matrizes pode se tornar uma dependência recíproca tão doentia que empobrece os seres. Penso haver uma força maior que nos move em busca do território almejado, onde quer que estejamos. E sobre isso me vem à mente uma cena marcante de um filme chamado “Amor além da vida” com Robbin Williams. É quando ele vai ao inferno em busca da amada que tinha perdido totalmente a identidade. Ela já não sabia quem era, pois havia se demenciado naquele umbral. Lá chegando, seu mentor lhe diz que teria poucos minutos pra resgatá-la, do contrário também perderia a razão e não saberia mais quem era, não podendo, inclusive, retornar. Ele diz ao mentor: “Irei resgatá-la, mas se tiver que me perder, me perco junto dela…” Este é o verdadeiro lugar e território: o do encontro com o ser amado, onde nos reconhecemos, sentimos familiaridade, nos consolamos, além de sermos capazes de irmos juntos com ele ao inferno e nos resignarmos em atitude de doação e espera.
Seja em sua cidade ou numa terra distante, em casa com a família, com o ser amado, filhos, amigos, eu digo – como veterano cansado das proximidades do abismo: cuide muito, mas muito mesmo daquilo e de quem você ama. Todos trabalhamos muito, por vezes demais; lutamos com garras almejando isso e aquilo, mas no final o que precisamos mesmo é amar e sermos amados, cuidar e sermos cuidados. É o que dá sentido à caminhada e faz com que dinheiro, poder e ganância sejam apenas subterfúgios à dor de existir. Nos cuidados mais simples e mais cotidianos está a grande fórmula para se cultivar um grande amor, onde existiremos em nossa plenitude e enfrentaremos todos os temporais, pois, no final é ele quem nos brindará com fartura o espírito sedento. Feliz daquele que pode ter alguém que siga junto a jornada enchendo a vida de sentido. O resto, acreditem, vem e vai com as épocas, com as culturas, com os modismos. O amor jamais saiu ou sairá de moda. Preserve e valorize se tem um, pois ele é o maior e mais verdadeiro dos territórios humanos.