Os contos como ferramentas de organização do ego

Histórias atraem, conectam, nos apontam possibilidades de vida e aumentam nosso repertório.

Andréa Nobre – psiandreanobre@gmail.com

Os contos são ferramentas fundamentais no processo de descoberta de nossa verdadeira essência, carregando em si uma função que nos leva ao que chamamos de despertar da consciência. Através dos contos também somos levados ao mergulho nas camadas mais profundas da psique e tornamos conscientes alguns aspectos fundamentais que estavam imersos em nosso inconsciente pessoal e coletivo.

Isto se dá porque a linguagem simbólica é um valioso recurso que se esconde por trás da simplicidade das histórias e que é usada para explicar problemas, etapas ou fatos por meio de símbolos ou imagens direcionadas ao inconsciente humano.

Usamos termos simbólicos constantemente para representar conceitos que não podemos definir ou compreender de forma alguma. Esta é uma das razões pelas quais todas as  religiões usam linguagem ou imagens simbólicas. Mas esse uso consciente de símbolos é apenas um aspecto de um fato psicológico de grande importância: o homem também produz símbolos inconsciente e espontaneamente na forma de sonhos. (Jung, 1995)

Segundo Bruno Bettelheim (2013), os contos de fadas têm um efeito terapêutico, pois o indivíduo pode encontrar uma solução para as suas incertezas, por meio da contemplação do que a história parece implicar acerca dos seus conflitos pessoais nesse momento da sua vida.Os contos de fadas não falam apenas das questões do mundo exterior, mas sim sobre processos internos que ocorrem no cerne do sentimento e do pensamento.

Além de estimular a imaginação, o lúdico, os contos também tem uma função terapêutica que auxilia a encontrar nos personagens e situações referências para a nossa vida. Encontrar também orientação para compreender o nosso mundo interior e nossos conflitos. A metáfora é uma figura de linguagem utilizada por meio de frases, histórias e parábolas, que podem servir à terapia traduzindo uma situação, problema ou sentimento do paciente/cliente.

Frequentemente, durante situações difíceis em nossas vidas, uma música ou uma história carregadas de simbolismos nos toca e nos marca por promover um entendimento diferente e uma paz interior. Algo que nos ajuda a perceber e ver a nossa situação de uma maneira diferente, menos problemática. Isso acontece porque tanto em contos, como poemas e canções são usadas frases metafóricas que servem como instrumento terapêutico. E, para que cada história cumpra seu efeito terapêutico ele deve conectar-se espontaneamente com o ouvinte, a partir dos seus recursos internos para que cresçam em compreensão e conhecimento de modo que assim transformem em ferramenta de mudança de pensamento e conduta.

Outra faceta que torna a metáfora um instrumento particularmente eficaz é o fato de permitir ao narrador selecionar conceitos complexos, difíceis de explicar e recriá-los de maneira muito mais concreta. Tanto as metáforas como os símbolos contidos nos contos transportam informação que se conecta com os símbolos internos de cada pessoa, despertando nelas o conhecimento de algo que necessita aprender.

Olhando para nós mesmos através do conto de fadas – que nos apresenta dilemas humanos típicos e nos permite imaginar caminhos para sairmos deles –, percebemos que somos confrontados pela ansiedade em todo os passos do nosso caminho.

Fonte: Pixabay

É muito mais fácil e compreensível transmitir uma mensagem quando ela está ancorada em uma história.

Ainda assim, com vastos e antigos estudos que comprovam a importância e o poder dos contos, metáforas e histórias como ferramentas terapêuticas, há os que subestimam a sua eficácia. Limitadas pelo avanço da ciência e da validação de novas ferramentas de manejo dos conflitos, psicopatologias e sofrimentos humanos, algumas pessoas acabam diminuindo o valor desta ferramenta clássica que é a contação de histórias terapêuticas. Talvez ainda não tenha se dado conta que no cenário contemporâneo, temos nomenclaturas diferentes que dizem a mesma coisa, como por exemplo, o termo em inglês, storytelling que tem sido utilizado como forma de captar a atenção, facilitar o entendimento, e se aproximar dos clientes nos mais variados saberes, como no marketing, na política, na educação, no entretenimento, dentre outros.

O princípio norteador é o mesmo: uma história bem contada desperta o interesse, prende a atenção, facilita a aceitação de mensagens. Podemos confirmar isso ao silenciar o celular para entrar no cinema, esquecemos dos problemas da vida ao abrir um livro, perdemos a noção da hora ao ouvir as histórias de um amigo. Quando estamos diante de uma boa história ficamos atentos, lembramos do roteiro, dos personagens, nos impressionamos. Afinal, as metáforas são permeadas por emoções, podem ser utilizadas em várias demandas, além de ser de fácil memorização.

O profissional (psicólogo ou não), utiliza deste recurso questionando, gerando reflexões, sem mostrar similaridades diretas com o paciente, essa identificação deve partir da própria pessoa. Por se tratar de um método seguro e inofensivo de lidar com assuntos que as pessoas têm dificuldades em abordar , as metáforas podem ser extremamente eficazes em problemas cuja solução é difícil através de outras técnicas.

Fonte: Pixabay

É mais fácil falar do outro e identificar semelhanças em nós mesmo do que falar diretamente de nós.

Alves, a propósito do uso de metáforas em terapia, considera que as metáforas “São ferramentas  que  contém  mensagens poderosas  para  auxiliar  o  paciente  a encontrar  novas  perspectivas  e  alternativas para sua vida” (Alves, 1999, p.64).  A autora explica que um significado  pode  ser  transmitido  de  maneira mais fácil pelo uso de metáforas, do que pela comunicação direta. É mais fácil falar do outro e identificar semelhanças em nós mesmo do que falar diretamente de nós.

Contar histórias também geram identificação e despertam emoções, seja por evocar alguma memória do leitor, seja por fazê-lo se imaginar na pele do personagem. Por tudo isso os contos são muito utilizados como peça essencial no trabalho terapêutico e curativo dos pacientes, que ao contar ou ouvir histórias, verbalizam seus sentimentos, que de outra forma poderiam não ser tão bem definidos, seja pela falta de vocabulário preciso para dar nome aos seus sentimentos ou mesmo pela desorganização de ideias que impedem que os conflitos venham à tona e sejam elaborados e acabam aparecendo por meio de desordens mentais ou físicas.

Quando falamos de contos de fadas, ou contos em geral, acabamos limitando sua utilidade como forma de entreter e divertir. Porém, os contos são mais do que um instrumento de diversão. A comunicação humana é feita por histórias desde sempre. Muitas são rememoradas, adaptadas. Por isso, a grande maioria dos textos, contos, mitos, parábolas, storytelling, por exemplo, costumam abrir falando sobre os tempos das cavernas e sobre como histórias eram contadas em pedras antes mesmo de existirem idiomas. Provando que, até os dias de hoje é muito mais fácil e compreensível transmitir uma mensagem quando ela está ancorada em uma história.

 

REFERÊNCIAS

Alves, L. (1999). Metáforas como ferramenta  terapêutica. Pensando  Famílias, 1, 62-68.

BETTELHEIM, Bruno. Psicanálise dos contos de fadas. Lisboa: Bertrand Editora, 2013.

GRIMM, Jacob e Wilhelm. Contos de Grimm. Belo Horizonte / Rio de Janeiro: Villa Rica, 1994.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 2.ed. Petrópolis:Editora Vozes, 2000.

Conto Terapêutico para trabalhar escolhas, perdas e mudanças significativas na vida.