Os estudos ainda são embrionários quanto aos perigos da exposição de telas para as crianças, sejam celular, iPad, televisão, computador, videogame, os denominados nativos digitais.
Estamos na geração dos “nativos digitais”, contudo, a ciência já declinou que nosso cérebro desenvolve-se paulatinamente após nosso nascimento, são as experiências e vivências da vida em curso que o “define”. Não há registros científicos de que crianças nasçam com habilidades digitais. O que ocorre é que os pais, acabam por (des)encaminharem as crianças, cada vez com idades mais tenras, para esse universo. No entanto, quem possui autoridade para conduzir e limitar seu acesso são seus genitores, porém, nota-se que estes buscam respostas frágeis, para justificarem a liberação do uso digital.
Aduzem, ter sido a pandemia da Covid-19, no seu ápice de propagação, a responsável em normatizar o uso de mídias pelos pequenos infantes, pois, na impossibilidade das crianças cumprirem com seus compromissos sociais, ficaram ociosos dentro de casa sendo a liberação de uso de telas, o recurso mais plausível.
Será que antes da pandemia as crianças eram menos expostas às telas? Um diálogo um tanto controvertido, pois bem, não muito raro, os genitores sempre justificaram suas ausências em casa em virtude do trabalho, razão dos filhos serem viciados em telas. Há o pressuposto então que já usavam. Contudo, no período pandêmico mais crítico, para muitas famílias, fora declinado o teletrabalho, oportunizando a permanência dos genitores nos lares, ensejo para estarem mais presentes na vida de seus filhos. Momento oportuno para compensar dias, meses, anos de ausência, nos termos das justificativas das ausências retromencionadas. E, diante dessas justificativas simplistas, ignoram os prejuízos já evidenciados na vida de seus rebentos e ainda dizem, que as crianças nascidas na era digital, são mais espertas, já nascem sabendo manusear um celular.
Irrefutável que para os pais, seja mais cômodo deixar os pequenos terem acesso ao entretenimento digital, pois, eles se distraem de forma quieta. Bem como, embora adultos, os pais também sentem a necessidade de fazerem uso dessa distração.
Neste diapasão, não muito raro, deparamos com famílias juntas, fisicamente, onde cada um dos membros, isola-se, mesmo que aparentemente estejam juntos, com seus aparelhos, individualmente, sem trocarem uma palavra, um afeto ou mesmo um olhar entre si, atitude esta, denominada atualmente de “distração parental”.
No entanto, pode-se dizer que (in)conscientemente esses pais já evidenciam prejuízos causados pela exposição exacerbada e precoce, pois, as queixas desses mesmos pais ocorrem de forma recorrente e avolumam-se nos consultórios médicos e clínicas psicológicas, que seus filhos estão cada dia mais agitados, nervosos, irritados, choro fácil, não dormem bem, possuem sonos agitados, comportamentos idem, estão com retardos na fala, na aprendizagem escolar, deficiência intelectual, estão sedentários e concomitantemente, obesos.
Um fator gravoso, os pais diagnosticando seus filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA)- Segundo o DSM-5 — Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos repetitivos e restritos e Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH)- o qual classifica -se entre os transtornos do neurodesenvolvimento, que são caracterizados por dificuldades no desenvolvimento que se manifestam precocemente e influenciam o funcionamento pessoal, social, acadêmico ou pessoal.
Vale elencar que, a exposição, o excesso e a velocidade de informações geradas pelas mídias digitais, estas ações sofridas, promovem excitações e agitações desnecessárias e prejudiciais ao processo cognitivo de uma criança, uma vez que não conseguem assimilar e/ou processar tantas informações. Haja vista, que seus olhinhos pululam inquietamente quando no uso de telas.
A construção da aprendizagem de uma criança merece atenção e zelo e, os genitores são os engenheiros, arquitetos e decoradores dessa nova construção projetada por eles, sendo que as primeiras experiências de vida afetam a arquitetura estrutural do pequeno infante, definindo-se , se positiva ou negativa.
Ao permitir o uso de telas sem controle, é expor o cérebro da criança a uma dose imensurável diariamente de dopaminas e, estando o organismo, ainda “in natura” e ávido pelo novo, acaba sempre exigindo mais, pois, este neurotransmissor está ligado diretamente ao sistema de recompensa do cérebro, quando na verdade, o custo benefício do contato da criança com novas informações e experiências, para que haja aprendizagem real, necessário sejam elas apresentadas de forma moderada e gradativa, respeitando a velocidade individual. É uma construção diária que ser-lhe-ão o alicerce para as fases subsequentes a cada etapa da vida. Atropelá-las, por certo os prejuízos serão percebidos, quiçá a curtíssimo prazo, como já pode ser observado pela agitação e inquietude de uma criança quando distante de suas telas.
Muitas dessas crianças desconhecem as brincadeiras mais pueris, não conseguem criar brincadeiras a partir do nada nas mãos. Nossas crianças estão perdendo a criatividade do improviso, do criar da infância do pretérito. Crianças necessitam socializar para criarem vínculos e trocarem experiências, interagirem e desenvolverem a comunicação responsiva, fundamental para o desenvolvimento de funções executivas. Eis uma estratégia, exequível para os pais retirarem-nas da rota cibernética.
Percebe-se uma movimentação científica para a situação de risco cibernético para com as crianças. Para alguns estudiosos, classificam-na como saúde pública. A Sociedade Brasileira de Pediatria, não recomenda uso algum, até os 2 anos de idade. E, dos 2 aos 5, com exposição controlada de 1 (uma) hora diária, no máximo.
Para Michel Desmurget, contrariando os pais (que sustentam que as crianças digitais já nascem sabendo usar uma mídia digital), versa que não há dados científicos os quais credencia que crianças nascem com habilidades digitais, os ditos nativos digitais, na verdade são crenças coletivas, onde os pais validam o uso de telas como autojustificativa para a liberação do uso das mesmas. As crianças estão ávidas pelo conhecimento, cheias de interrogações, adaptando-se ao mundo em que estão experienciando seus desejos e vontade, construindo- se.
Alerta sobremaneira, que as crianças expostas a ambiente digital, sofram com prejuízos cognitivos, inclusive, assevera que crianças expostas a uso de telas antes de 1(um) ano , período este em que as sinapse de uma criança, aumentam mais de 10 vezes, têm maior risco de autismo aos 3 ( três) anos de idade.
Ainda prematuro, talvez este fato ocorra em virtude do processo acelerado do próprio cérebro infantil, o qual ocorre entre 2 e 3 anos, quando a criança tem cerca de 15 mil sinapses por neurônio, sendo que nos 3 primeiros anos o cérebro aumenta seu tamanho e desenvolve , em média de 3 vezes seu tamanho, são as sinapses mais altas da vida de um ser humano em “ construção” cognitiva.
Esse alto índice de produção neural nos primeiros anos de vida, pode ser a resposta para o conflito entre a tecnologia e o biológico, podendo ser a causa do “colapso” cognitivo de uma criança exposta às telas digitais.
Contudo, ratificando o que fora dito, alguns pais digitais, não cogitam a hipótese de todos esses problemas de ordem psiconeurológica elencados, estejam vinculados e gerados a partir do mau uso e/ou uso exacerbado e inadequado de mídias digitais. Assim sendo, pode-se aferir que um dos primeiros prejuízos em que os “nativos digitais” estejam experienciando, seja a interação/educação familiar, um vez que a primeira sociedade, a base para um adulto seguro, menos problemático e uma sociedade mais empática, esteja sendo terceirizada às telas e, quando os genitores perceberem, já terão perdido seus filhos para o processo digital.
Referências
CARVALHO, Rafaela e Roberta Ferec- Tela com Cautela. Um guia prático para criar filhos na era digital ( sem perder a sanidade). Editora Matrescência: 2019.
DESMURGET, Michel. A fábrica de cretinos digitais- os perigos das telas para nossas crianças. Editora Vestígio-2021.
DSM-5: autism spectrum disorder diagnosis, 2021. Disponível em: https://raisingchildren.net.au/autism/learning-about-autism/assessment-diagnosis/dsm-5-asd-diagnosis. Acessado em: 25 fev.2023.