De acordo com alguns dos conceitos mais difundidos nos meios acadêmicos atualmente, dentro do escopo dos Fundamentos da Aprendizagem, o diálogo e a mediação são pontos chaves e se constituem como verdadeiras ferramentas de mudança do panorama educacional e também inter-relacional, com implicações positivas nas “trocas” subjetivas do dia-a-dia. A inobservância destes dois preceitos, acredita-se, e levando-se em conta recente entrevista da filósofa e psicanalista Viviane Mosé, para a revista Poder, estaria no cerne do “apagão” de líderes porque passa o país atualmente, situação que vem sendo debatida há pelo menos 10 anos.
Mestre e doutora em Filosofia, Viviane Mosé é conhecida por defender que, atualmente, o grande desafio das escolas é se adequarem às crianças que já vão para o ambiente formal de aprendizagem com uma ampla gama de conhecimentos, afinal “hoje [muitas delas] aprendem a ler sozinhas com um iPad e sabem coisas que aprenderam pesquisando no Google”. Sendo assim, destaca Mosé, não se pode fazê-las (as crianças) decorarem “um conteúdo que logo se tornará obsoleto. É preciso orientar essas pesquisas e oferecer uma educação crítica e reflexiva”.
Sendo assim, na medida em que um educador ou qualquer pessoa que esteja na condição de mediação diante de um grupo [pode ser, também, um(a) pai/mãe diante do(a) filho(a), por exemplo] amplia sua experiência relacional e procura não se manter no centro da discussão, surge daí uma prática que ganha respaldo nas teorias que defendem atuações interativas, em que todas as demandas apresentadas pelos envolvidos (na conversa, na aula, na reunião) ganham importância e significado. Neste processo, o mediador também está em desenvolvimento. Desta forma, especificamente falando sobre o papel dos professores e/ou pais, além de serem “mediadores”, em vez de meros reprodutores de conteúdos, os professores/pais também têm que se dedicarem à pesquisa, para ter elementos adequados e necessários no processo de mediação/abordagem com o grupo, tendo em vista que uma intervenção aparentemente sem sentido de um dos integrantes (filhos/alunos) pode, na verdade, representar novos significados – não menos importantes – para o objeto de estudo em questão.
Essa postura, longe de diminuir o papel do professor e do pai/mãe, os coloca numa posição de observadores de mecanismos de abordagens que estão em constante mutação, o que é bem típico nesta era da Informação. Agir desta forma também é importante para perceber que “as pessoas atuam sobre o mundo”, como defende Bakhtin (1992) e, assim, há a necessidade de o mediador reconhecer-se a si mesmo e ao outro “como seres em transição, em processo de ‘tornarem-se’”.
Como bem explicitado na matéria com Viviane Mosé, se não observado parâmetros que coloquem todos os envolvidos em um diálogo (e mais especificamente o aluno) como agentes partícipes do processo educacional, e não como meros receptores de conteúdos e de normas morais, há a possibilidade de não se desenvolver as características de líderes destas pessoas, o que acaba por colaborar com a temida e propalada falta de gestores no país.
“O excessivo poder dado ao professor [no decorrer da história] em sala de aula faz com que o aluno se transforme em repetidor. Se ele ler mais que o professor e der uma resposta mais elaborada, é eliminado – tanto quanto aquele que deu uma resposta errada. A escola brasileira elimina o fraco e o forte e sustenta o medíocre”, diz a filósofa, ao apontar que quem questiona, no atual modelo educacional, está fadado a ser “sufocado” pela dinâmica da aula. Isso também pode estar relacionado às vivências parentais, afinal a escola é, em alguma medida, o próprio reflexo da sociedade.
Interessante exortar que há um esforço em curso para que os atuais e futuros profissionais de educação não apenas direcionem as aulas, mas também se deixem direcionar. Isso ocorre quando se observa que “nossos atos são particulares e desenvolvidos com nossa vida, a partir de nossa história pessoal e experiência vivida. O mesmo ocorre com o aluno: suas respostas, suas formas de agir e reagir nessa ou naquela situação são expressões de sua vida até aquele momento” (UEA – Fundamentos da Aprendizagem, aula 6). Notar estas vozes, portanto, é abrir espaço para a mediação, para as interações que “podem ser transformadoras, ensinando novas formas de ver o mundo, de explicá-lo, de agir sobre ele”.
Especificamente sobre o mecanismo dialógico, Bakhtin (1992) sugere que o professor fique atento a como “um de nossos interlocutores está construindo seu conhecimento, posicionando-o em relação ao que estamos tratando e enfocando. Assim, podemos responder com um posicionamento mais claro, uma explicação, uma retomada, o que permitirá que todos os alunos sejam incluídos na aprendizagem” (idem).
Desta forma, há uma exortação à “negociação”, em que alunos e professor (pais e filhos) direcionam os conteúdos de forma a adequa-lo às suas vivências e, desta forma, constroem um grau de empatia que, de fato, possibilita uma adesão dos estudantes. “Esse direcionamento é ideológico e emocional, ou seja, adquire sentidos iniciais vivenciais, relacionados às vivências que cada um teve até o momento sobre o assunto” (idem). Como bem pontua Mosé na matéria, “a memória só guarda duas coisas: as úteis e as que dão prazer”.
Interessante observar que, por este mecanismo, a intersubjetividade decorrente das trocas (entre alunos e professor, entre pais e filhos) acaba por resultar num tipo de conhecimento em comum, conhecimento que não vem “do alto para baixo”, mas que é partilhado, costurado, (re)significado.
Em outro trecho de sua entrevista, Viviane Mosé diz que “pensar é colocar em questão e a escola precisa se abrir para esses questionamentos”. Há, neste e em todo o percurso da matéria, um viés com perspectiva progressista, e forte tom crítico a um suposto posicionamento conservador nas abordagens educativas. Mosé, no entanto, não deixa de apontar a corresponsabilidade dos pais neste processo: “hoje em dia, os pais acham que pagar uma boa escola é suficiente para garantir a educação de seus filhos, mas ela é só uma parte da desse processo, porque são eles [os pais] que devem assumir essa responsabilidade”. A educação, portanto, começa no cotidiano, no modo como os pais se alimentam, conversam, se são preconceituosos, se gritam… enfim, “o jeito de ser dos pais vai de alguma forma aparecer nos filhos”, diz Mosé.
Em súmula, um educador dialogista (e aqui se incluem professores e pais) não é aquela pessoa denunciada por Mosé, que oprime e que vê sua autoridade ameaçada caso os alunos/filhos tenham o hábito de questionar. Antes de tudo, o dialogista “busca oportunizar o engajamento na discussão e encoraja a curiosidade, a descoberta por meio de perguntas, considerando as contribuições dos alunos no planejamento, desenvolvimento e avaliação pedagógica” (UEA – Fundamentos da Aprendizagem, aula 7). Isso é perfeitamente coerente com o preceito de que o que se aprende é decorrente da compreensão, e não da simples reprodução (mecânica). Sendo assim, numa sala de aula com vários alunos ou num núcleo familiar, o professor/pai deve cultivar uma relação de aproximação com cada um, incentivando, inclusive, que cada estudante observe o que o colega tem a acrescentar sobre os temas abordados. A partir daí, construir um “discurso” que é decorrente das interações, mas que nem por isso deixa de está alinhado ao conteúdo que se deve trabalhar em sala, prescrito no Plano de Ensino. Na verdade, o que ocorre, é uma “interpenetração” de saberes, em que o saber cotidiano (prático) dialoga o tempo inteiro com o saber técnico (de cunho sistematizado e acadêmico). Está aí, neste esforço, um dos caminhos possíveis para a formação de jovens altivos e talentosos, futuros líderes do país.
Capa da Revista Poder número 66, de onde foram tiradas as assertivas apresentadas neste artigo
Páginas 68 e 69, da Revista Poder número 66: escola oprime o aluno questionador, diz Viviane Mosé