O presente texto busca argumentar, de forma crítica, como é pensando a prevenção ao risco de suicídio de adolescentes e jovens, baseando-se no Código de Ética Profissional do Psicólogo e em alguns textos que discute sobre esse tema.
O suicídio é definido como o ato de atentar contra a própria vida. O suicídio esteve presente durante toda a história da humanidade, entretanto, foi apenas durante a Idade Média que a morte, pela a igreja Católica, foi caracterizada como algo ruim. Ao final da Idade Média, com a separação entre a Coroa e a Igreja, o poder médico passa a ocupar um lugar privilegiado no controle da sociedade, de maneira que, a partir de então, são os “médicos” que definem a negatividade da morte voluntária, deslocando o fenômeno do pecado à patologia e qualificando-o como loucura. (Berenchtein Netto, 2013, p. 16).
Existe uma confusão terminológica no que se refere ao suicídio, haja vista que embora acredita-se que o termo vem do latim e indica a “morte de si”, pois “sui” se referiria à “si”. Todavia, a constituição da palavra suicídio, segundo Berenchtein Netto (2013, p. 16) significa suíno (sus/sui). Contudo, num sentido geral, significa o ato voluntário por meio do qual o indivíduo possui a intenção e provoca a própria morte (Vieira, 2008).
Por vivermos em uma sociedade em que a infinita busca pela saúde é constante, a medicalização muito recorrente, a morte é vista como algo assustador, dessa forma, o suicídio não é “qualquer” morte. O fato de alguém que tente, ou que consiga executar o ato de uma morte voluntária é visto como louco. Por habitarmos em uma comunidade majoritariamente cristã, o suicida é visto como um pecador.
Nesse sentido, os julgamentos feitos em relação ao suicídio são muitos, porém suas causas vão muito mais além do que o senso comum pode nortear. Existem muitos fatores de risco, porém, estes são deixados de lado para dar espaço à visão conservadora e religiosa. Um dos maiores exemplos que as pessoas suicidas ouvem, é que o seu pensamento é falta de Deus. Contudo, quando se vai trabalhar com saúde mental, é importante deixar o senso comum para trás e saber que as pessoas que tentam cometer suicídio, muitas vezes, não
querer de fato morrer, e sim acabar com uma insuportável dor psíquica. Atualmente, os fatores de risco estão sendo muito mais estudados. Entre os principais poderíamos citar certos transtornos mentais (como, por exemplo, depressão, alcoolismo), perdas recentes, perdas de figuras parentais na infância, dinâmica familiar conturbada, personalidade com fortes traços de impulsividade e agressividade, certas situações clínicas (como doenças crônicas incapacitantes, dolorosas, desfigurantes), ter acesso fácil a meios letais (WHO, 2003; Suominen et al., 2004).
Além desses fatores de risco, também existem alguns fatores sociodemográficos que indicam maior probabilidade para a ocorrência do suicídio. Segundo Who (2003), o sexo masculino, pessoas com faixas etárias entre 15 e 35 anos, ou acima de 75 anos, pessoas extremamente ricas ou extremamente pobres, residentes em áreas urbanas, pessoas desempregadas, aposentadas, ateus, pessoas solteiras ou que se separaram recentemente e migrantes estão mais propensos a se suicidarem. Segundo Suominen et al (2004) pessoas que já tentaram cometer suicídio uma vez representam o maior grupo de risco.
O comportamento suicida é dividido em: ideação suicida, tentativa de suicídio e suicídio consumado. O primeiro deles, se refere aos pensamentos, ao planejamento, e o último se refere ao “sucesso” no ato. No Brasil, a taxa de mortalidade oriunda do suicídio é estimada em 4,1 para 100 mil habitantes, sendo 6,6 para o sexo masculino e em 1,8 para sexo feminino. No entanto, por tratar-se de um país populoso, encontra-se entre os dez com números absolutos nesses casos, configurando um total de 7.987 casos em 2004 (Brasil, 2006).
Indubitavelmente, o suicídio, há muito tempo, já deixou de ser um problema pessoal, e se transformou em um problema de saúde pública. Embora não exista uma idade específica para que aconteça um suicídio, o aumento de casos entre jovens e adolescentes cresce mais a cada dia, e torna-se um fenômeno extremamente preocupante tanto para os estudantes de saúde mental, tanto para a sociedade em geral.
A adolescência é uma fase de intensas transformações e desenvolvimentos, sociais, físicas, psicológicas e emocionais. Toda essa carga, muitas vezes acompanhada de sentimentos extremamente intensos de angústia e tristeza. Durante a adolescência todas as emoções são sentidas com maior impetuosidade, por conseguinte, quando são expostos por muito tempo à situações de sofrimento se tornam mais vulneráveis à chegar ao primeiro estágio, que no caso é o de ideação suicida. É nessa fase da vida que começam às cobranças, como por exemplo, a de passar no vestibular e escolher uma profissão para seguir durante o resto de sua vida. Passamos por incontáveis transformações de identidade, dessa forma, toda essa exigência acaba acumulando uma grande carga de sofrimento psíquico quando não há uma visão de corresponder tudo o que é cobrado.
Para os jovens, às cobranças só tendem a aumentar. Chegar aos 20 anos sem entrar na faculdade ou conseguir um emprego, para muitos, se torna um fardo muito grande carregar, pois são pressionados por todos os lados, a família cobra, os amigos cobram. A idealização da “vida perfeita” até os 30 (casa própria, constituição de uma família, carro próprio, bom emprego, ser bem sucedido, etc.) torna-se exaustivo.
Contudo, quando se consegue uma vaga na faculdade a esperança é que tudo acabe melhorando, mas não melhora. Durante toda a nossa vida escolar, somos programados para pensar no ritmo dos vestibulares, a responder questões objetivas e fazer uma redação. Porém, ao chegar no âmbito acadêmico somos bombardeados por provas, seminários e trabalhos, muitas vezes, todos de uma vez. Quando não se consegue cumprir tudo o que foi proposto pelos professor, o sentimento de incapacidade torna-se forte, junto dele vem a ansiedade, a angústia e cada vez mais o esgotamento da saúde mental. Mas não era pra ser diferente? Não era pra faculdade ser um local de construção de indivíduos e não de destruição dos mesmos? Lidar com todas essas cobranças ainda na fase da juventude torna-se complicado. Por essa razão, nos últimos os casos de suicídio de acadêmicos têm aumentado de maneira assustadora.
No entanto, as divergências sociais também culminam nesses fatores, uma vez que um adolescente de baixa renda não vê para a sua vida a mesma perspectiva de um adolescente que detêm maior extrato econômico. Desse modo, as suas cobranças passam a ser de determinado modo maiores, pois eles acabam se vendo em uma situação que precisam passar em um vestibular, estudar, mas também precisam correr atrás de emprego para ajudar no sustento da família, e muitas vezes, por não ser correspondido em todos esses fatores, acabam chegando à ideação suicida. De fato, a desigualdade social é grande fator de risco.
Apesar de que os dados mostram um grande número, as estatísticas sobre os casos de suicídio são falhas, de modo que as contagens são extraídas apenas das causas assinadas nos atestados de óbitos. Por se tratar de uma sociedade cristã e conservadora, muitas vezes, os casos de suicídio são falsificados para não “desonrar” a imagem da família. Isso torna-se mais comum quando trata-se de casos com jovens e adolescentes, pois os pais ou responsáveis acabam utilizando disso para não se culpabilizar.
Pelo senso comum, acredita-se que quem avisa, não chega a tentativa de suicídio, no entanto, isso não passa de um mito. Durante o comportamento da ideação suicida, o adolescente alerta aos seus amigos e parentes sobre os seus pensamentos. Todavia, ele é visto apenas como alguém que quer atenção, ou que deva que procurar ajuda divina e não a ajuda de um profissional.
A prevenção do risco de suicídio se faz por meio de uma série de fatores. Entre, eles pode-se citar bons vínculos afetivos, sensação de estar integrado a um grupo ou comunidade, religiosidade, estar casado ou com companheiro fixo, ter filhos pequenos (Suominen et al., 2004). De acordo com o Art. 9º do Código de Ética Profissional do Psicólogo, é dever do psicólogo manter o sigilo para proteger a intimidade das pessoas, grupos ou organizações que ele atenda. Entretanto, no Art. 10º, nas situações que se configure conflito fica a critério do psicólogo quebrar ou não o sigilo, mas ele tem que agir na busca do menor prejuízo.
Todavia, quando trata-se de um adolescente menor de idade, o art. 8º prevê que para o psicólogo realizar o atendimento deste, é necessário ter a autorização de pelo ou menos um de seus responsáveis. No Art. 13º prevê que o estritamente essencial para o benefício do menor seja comunicados aos seus responsáveis.
Contudo, forma-se uma linha tênue. Em a maioria dos casos os adolescentes menores de idade que possuem alguma ideação suicida não sentem “confiança” nos seus responsáveis, e quando procuram ajuda profissional serão informados que seus pais saberão informações das conversas que terá com o psicólogo, dessa forma podem se sentir coagidos a não contarem todos os seus pensamentos ou até mesmo, a não dar prosseguimento ao processo. Da mesma forma, pode acontecer de que os responsáveis por pagarem pelas sessões queiram ser informados de absolutamente tudo o que o adolescente falará.
O papel do psicólogo é lutar e colaborar para a promoção de saúde mental. Embora em metade dos casos de suicídio o suicida nunca tenha procurado auxílio de um profissional, em muitos houve à procura. É nesse momento em que deve acontecer a quebra de sigilo e procurar a família, amigos ou alguém próximo dessa pessoa. Quando o sujeito já programou o dia, o local e como irá se matar, de fato, ele irá. Nesse momento cabe ao psicólogo quebrar o sigilo e evitar que isso aconteça.
Além disso, têm que haver também uma preocupação com a formação acadêmica dos futuros psicólogos que ingressarão no mercado de trabalho. Uma vez que os profissionais de psicologia que serão procurados para intervir nesse problema, não só com as pessoas que tem ideação, mas também terão que estar preparados para lidar com as pessoas que ficam, ou seja, as que sobrevivem ao suicídio.
Inquestionavelmente, o suicídio é um grande problema de saúde coletiva. Porém, ainda falta muito pros profissionais de saúde mental e a toda a sociedade estarem de fato preparados para combatê-lo.