Conceito de Psicologia Social
A Psicologia Social pode ser entendida como o estudo das relações humanas a partir de um viés individual até uma perspectiva mais ampla, ou social, sendo que este ramo enfoca mais o indivíduo. Como escreve Sousa (2011), trata-se de uma ponte entre a Psicologia e a Sociologia, agregando valores dessas duas áreas científicas. Assim sendo, este ramo considera o indivíduo como influenciado pelo meio que o forma e também o sujeito como elemento que altera o ambiente em que vive.
A necessidade da atuação desse ramo está no fato de que as relações sociais influenciam a conduta e os estados mentais dos indivíduos. Por outro lado, a consciência coletiva de uma sociedade é um campo fértil para estudos, como assinala Regader (2015). Portanto, Cherry (2016) ressalta que a Psicologia Social não observa apenas as influências do meio, mas também estuda as percepções desse meio, tratando-o como uma entidade, visando compreender o comportamento social; e analisa as interações que compreendem a sociedade.
Cherry (2016) escreve que é comum o fato de que a Psicologia Social seja confundida com a sabedoria popular, Psicologia da personalidade e a Sociologia, e expõe as diferenças entre elas. Enquanto a sabedoria popular, que também pode ser chamada de senso comum, é baseada em observações anedóticas e interpretações subjetivas, a Psicologia Social emprega métodos científicos e estudos empíricos sobre os fenômenos sociais. Os pesquisadores não apenas fazem suposições sobre como as pessoas se comportam, eles planejam e fazem experimentos que permitem destacar a relação entre diferentes variáveis.
Ao contrário da Psicologia da personalidade, que estuda os traços individuais, características e pensamentos, a Psicologia Social estuda situações cotidianas, estando interessada sobre o impacto dos ambientes sociais e interações sobre atitudes e comportamentos.
Em relação à Sociologia, que se interessa pelo impacto de instituições e cultura sobre o comportamento dos indivíduos, a Psicologia Social considera variáveis situacionais que afetam o comportamento social. Portanto, percebe-se que estas duas áreas têm tópicos similares, mas analisam essas questões a partir de perspectivas diferentes.
Há quem veja psicologia social em todos as áreas dos estudos do comportamento humano. Sobre isso, a psicóloga Lauriane dos Santos ressalta: “é possível dizer que qualquer psicologia que se preocupe com a influência social sobre indivíduos e grupos é também Psicologia Social. Do mesmo modo, perceber que o social, muitas vezes colocado como um conceito quase abstrato, é constituído por pessoas que podem modificá-lo a partir dos seus interesses”.
Lane (1984, p. 19) apud Jacques et al (2013, p. 16) escreve:
Toda a psicologia é social. Esta afirmação não significa reduzir as áreas específicas da Psicologia à Psicologia Social, mas sim cada uma assumir dentro de sua especificidade a natureza histórico-social do ser humano. Desde o desenvolvimento infantil até as patologias e as técnicas de intervenção, características do psicólogo, devem ser analisadas criticamente à luz dessa concepção do ser humano – é a clareza de que não se pode conhecer qualquer comportamento humano, isolando-o ou fragmentando-o, como existisse em si e por si. Também com essa afirmativa não negamos a especificidade da Psicologia Social – ela continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo que lhe é específico como naquilo em que ele é manifestação grupal e social. Porém, agora a Psicologia Social poderá responder à questão de como o homem é sujeito da história e transformador de sua própria vida e da sua sociedade, assim como qualquer outra área da Psicologia.
História da Psicologia Social
Lane (1981) escreve que o início da Psicologia Social remonta ao século XIX, sendo o filósofo francês Augusto Conte considerado o pai desta ciência. Para Conte, a Psicologia Social seria subproduto da Sociologia e da Moral, sendo encarregada em dizer como o indivíduo poderia ser, ao mesmo tempo, causa e consequência da sociedade. No entanto, só após a Primeira Guerra Mundial, por volta de 1920, é que esse ramo se desenvolveria como estudo científico e sistemático. Num mundo abalado por crises e conflitos, os pesquisadores encontraram um campo a ser amplamente estudado, visando descobrir uma maneira de preservar os valores de liberdade e os direitos humanos numa sociedade tensa e arregimentada.
Os cientistas buscavam entender diversos fenômenos sociais como a liderança, preconceito, propaganda, conflitos de valores e como os indivíduos se comportavam frente a estes. Nos EUA, essas pesquisas tinham o intuito de procurar formas de melhorar a vida do homem no contexto social, utilizando para isso os dados e conceitos de anos de pesquisas na psicologia. A sociedade era o grande objeto de estudo nessa época, suas motivações, atitudes frente á determinadas situações, padrões de comportamento, enfim, tudo que demonstrasse a dicotomia existente entre o ser e a sociedade. Por mais que um não exista sem o outro, são dois fenômenos diferentes.
Houve um clima de otimismo sobre o resultado das pesquisas da Psicologia Social durante algumas décadas, mas frente a resultados de pesquisa contraditórios e à crise mundial, que á cada dia se agravava mais, esta ciência entrou em declínio e passou por um momento chamado de “crise da psicologia social” (LANE, 1981). Esta crise se deu principalmente pela falta de conhecimento prático das pesquisas, muitos resultados que se contradiziam e nenhuma solução concreta para os problemas enfrentados pelos países.
Críticas foram feitas aos psicólogos norte-americanos devido ao caráter ideológico dos seus trabalhos que eram reproduzidos em países da América Latina sem levar em conta as características próprias desses países. Conhecimentos dos Estados Unidos eram reproduzidos noutros lugares, usavam técnicas e conceitos que não se aplicavam plenamente aos locais em questão. Como escreveu a psicóloga entrevistada neste presente trabalho, a psicologia tradicional era descontextualizada e limitada. Obviamente os resultados seriam duvidosos e inúteis.
Foi então que pesquisadores latinos prepararam um simpósio para trazer as principais dificuldades enfrentadas nas investigações e possíveis soluções para os problemas que caiam sobre eles. Então, cientistas de países como México, Peru e Brasil perceberam pontos similares em suas visões, que apesar de serem semelhantes, tinham a mesma perspectiva devido todos terem as mesmas condições de trabalho. Desde o simpósio entre países latino-americanos, que os participantes decidiram dar um novo rumo para as pesquisas, onde o foco de cada uma seria a necessidade do país onde seria realizada e não mais o indivíduo, ou seja, agora as buscas focariam nas reais necessidades de cada país, independente da dinâmica econômica e geopolítica, sem influência de contextos próprios de outras nacionalidades.
Jacques et al (2013, p. 39) discorre sobre os resultados desta crise:
[…] originam-se múltiplos efeitos, sendo possível detectar, no contexto da psicologia social atual, pluralizações diversas que apontam para um quadro de fragmentação antes do que para a unidade. Novos espaços se constituem pelas conjunções e disjunções realizadas. Implicações antigas são questionadas e descentramentos são propostos. Tornam-se vigorosos os discursos da interdisciplinaridade e das conjunções, bem como o da ecologia social e cognitiva que lhe é consequente, revelando um contexto propício à análise cujos componentes se amalgamam, não se comportando como configurações isoladas. Redes de saberes se propõem a interconexões, possibilitando uma infindável trama de possibilidades de conhecer.
Psicologia Social no Brasil
A Psicologia no Brasil recebeu maior influência dos norte-americanos. Era para centro de estudos na América que nossos cientistas e professores iam para aperfeiçoarem seus conhecimentos, além disso, desses centros vinham professores dos Estados Unidos para lecionarem em nossas universidades. Por exemplo, o professor Otto Klineberg, da Universidade de Columbia, introduziu a Psicologia Social na Universidade de São Paulo na década de 50. Lane (1981, p. 80) acrescenta
E, por sinal, o primeiro livro de Psicologia Social publicado no Brasil foi a tradução da obra de Klineberg, em 1959, contendo tópicos como Cultura e Personalidade, Diferenças Individuais e Grupais, Atitudes e Opiniões, Interação Social e Dinâmica de Grupo, Patologia Social e Política Interna e Internacional.
Em 1980, é fundada a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO) que visava o intercâmbio entre cientistas de diversas regiões para discorrerem sobre problemas comuns. A fundação da ABRAPSO é importante no processo de consolidação desse campo de estudo no Brasil.
Houveram grandes nomes nacionais que representaram a Psicologia Social, eles influenciaram novas gerações de psicólogos e contribuíram com estudos importantes acerca da sociedade brasileira e dos problemas que esta enfrentava. Podemos citar 3 nomes que influenciaram grandemente esse campo, o percussor Eliezer Schneider, Aroldo Rodrigues e Sílvia Lane. Todos trouxeram contribuições que firmaram a Psicologia Social como uma ciência bem embasada no nosso País.
Eliezer Schneider entra para o ramo da psicologia antes mesmo desta ser reconhecida como profissão, exercendo o cargo “Técnico em assuntos educacionais” como um “psicologista”, termo este que era utilizado para o profissionais desta ciência. Trazendo uma visão crítica à Psicologia Experimental, em seus mais de 100 artigos e um livro, Eliezer afirma que existe uma psicologia cultural e histórica que não destoa das demais e pode ser usada para compreender os fenômenos sociais, este seria a primeira manifestação de estudos relacionados à Psicologia Social.
Crítico também da forma que os estudos eram conduzidos nos EUA, ele traz uma visão que se atenta para a problemática humana, tendo como foco os problemas enfrentados pelos brasileiros e se abrindo para visões de outros cientistas que não tinham como objeto principal o indivíduo, como os Americanos, mas sim as influências socioculturais que todos recebem (LIMA, 2009).
Aroldo Rodrigues foi o maior porta-voz da psicologia social norte americana, além de se tornar mestre em psicologia na universidade do Kansas, trouxe consigo a visão e o método dos cientistas de lá para aplica-las nas universidades brasileiras. Ele também foi professor da PUC no Rio de Janeiro e constantemente criticava os métodos utilizados pelos que se encontravam no movimento da “crise da psicologia social, pois a grande maioria eram críticos ferrenhos das pesquisas e estudos vindos dos Estados Unidos.
Aroldo foi reconhecido por suas contribuições e foi convidado para ser presidente Associação Latino-americana de psicologia social, porém á partir das discordâncias entre os novos métodos, houve um rompimento e Silvia Lane funda a Associação Brasileira de Psicologia que tinha uma visão de embate contra as propostas de Aroldo Rodrigues (LIMA, 2009).
A brasileira Sílvia Lane começou sua vida profissional na docência e, segundo relatos de seus alunos, sempre teve a preocupação de procurar diferentes formas de pensar a psicologia, envolvendo eles em aprendizados que serviriam não só para a vida profissional, mas também para a vida pessoal. Instigava-os, trazendo vários jeitos de pesquisar, investigar e atuar com os conhecimentos teóricos, como a introdução do teatro, música, histórias em quadrinhos e outras expressões artísticas.
Por esses e outros motivos, Silvia Foi tida como uma grande referência entre seus alunos. Lane era marxista e fazia crítica á forma que o sistema socioeconômico capitalista moldava as identidades e como isso contribui para as injustiças tão escancaradas em nossa sociedade. Em “O que é psicologia social”, ela traz algumas dessas críticas, sendo a obra uma referência em vários cursos de psicologia no Brasil (SOUSA, 2009).
Psicologia Social: Importância e atuação no contexto brasileiro atual
Cherry (2016) mostra que uma simples conferida nas notícias jornalísticas diárias é suficiente para termos a dimensão de quão profundos são os impactos dos problemas sociais sobre as pessoas. Portanto, um psicólogo social, a fim de entender tais questões, estuda e procura prevenir, identificar e remediar os problemas que não só atingem um indivíduo como também afetam a saúde da sociedade como um todo.
Assim sendo, de acordo com a psicóloga Lauriane dos Santos, a Psicologia Social atua desde a adaptação social, indo de um modelo supostamente ideal de cidadão, até uma psicologia crítica, em prol dos movimentos sociais e da garantia de direito. As atuações se dão conforme as necessidades de um local e os interesses de psicólogos e instituições.
A entrevistada relata que, no Brasil, a profissão alcança desde a clínica, passando pela área organizacional até chegar aos campos vinculados a políticas públicas. Ela citou como exemplos: Centros de Referência da Assistência Social (CRAS); Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS); organizações não governamentais e movimentos sociais diversos.
No entanto, segundo a psicóloga em questão, há desafios que a profissão precisa vencer. Ela explica dizendo o seguinte
Apesar do entendimento da Psicologia Social crítica ser sabido – teoricamente – por boa parte dos psicólogos, a aplicabilidade desse entendimento nem sempre ocorre, uma vez que perpassa criticar muitas “verdades” instituídas, sendo um “nadar contra a maré”. A constituição de 1988 e as políticas públicas desenvolvidas a partir dela, especialmente o SUS e o SUAS, defendem esse modo crítico de atuar. Mas essa tentativa de crítica esbarra com os valores institucionais tradicionais, que ainda tem forte caráter individualista, biologicista, rotulador e culpabilizante.
O salário depende do campo de atuação. Ainda de acordo com a psicóloga entrevistada, em Palmas (TO), os profissionais recém-ingressados via concurso público recebem um salário de 3.500,00 reais para atuar 40 horas semanais, isso em termos de atuação nos CRAS E CREAS.
Tão diretamente ligado aos dilemas de populações carentes, os ambientes nos quais um psicólogo social trabalha pode lhe tornar muito desgastante, o que muitas vezes é usado para embasar concepções preconceituosas sobre a área. Zaith (2012) mostra que a atuação do profissional é negativamente afetada quando não há um eficiente trabalho interdisciplinar e troca de experiências. Além disso, é necessário que o psicólogo social, em sua formação, tenha adquirido os pré-requisitos necessários que o tornem capaz na luta pela melhora de realidades.
É necessário que o psicólogo social consiga romper várias barreiras para atingir seu objetivo de contribuir para uma sociedade melhor no Brasil, pois o meio social se encontra cheio de entraves para que se alcance um serviço público igualitário, integral e universal. Uma dessas dificuldades é a visão superficial e errônea de que nos bairros pobres e favelas existe um ambiente caótico, envolto por drogas e violência. Tal visão deixa muitos profissionais desmotivados para atuarem nesses setores, sendo que essas áreas tem tanta necessidade de pesquisa-ação quanto qualquer outra, independente do nível socioeconômico.
O CRAS, como já exemplificado, é um local de notória atuação dos psicólogos sociais, lá são recebidos casos emergenciais dos mais variados tipos e em sua grande maioria, pessoas com baixa ou nenhuma renda. O objetivo central dos profissionais que atuam nessa área é fortalecer seus usuários como sujeitos de direitos, promovendo terapias grupais, acompanhamento junto ás famílias e auxílio em momentos de dificuldade. Lamentavelmente há inúmeras dificuldades nessa honrada atuação, quase todas vindo do desinteresse e omissão do poder público.
Sobre esta política pública e suas dificuldades, Zaith (2012) escreve:
[…] Criado para aliviar as reflexões da pobreza imediata, […] para proteger seus usuários de maiores riscos relacionados à qualidade de vida, uma vez que já se encontram em situação de vulnerabilidade, passa a ser considerado o espaço o qual torna o trabalho do psicólogo social comunitário acessível ao seu objeto de estudo: a comunidade. Por isso suscita que estudos sejam realizados sobre as práticas envolvidas nessas unidades. O trabalho no CRAS é constituído por serviços burocráticos, visitas domiciliares, atendimentos descontínuos, dificuldade em obter recursos e verbas e intervenções em locais inusitados que convocam os psicólogos para fora do setting tradicional. Dessa forma, o foco se baseia em práticas grupais e a intervenção grupal se torna necessária para o desenvolvimento da consciência, no qual o componente do grupo se descobre no outro.
Portanto, ante os dados supracitados, percebe-se a importância da Psicologia Social não somente como produtora de conhecimentos a respeito dos indivíduos e suas interações, como também atuante determinante na própria sociedade, devendo tratar-se de uma atuação que ajude pessoas e diminua o impacto das desigualdades ou, quem sabe, reduza as próprias desigualdades sociais.
REFERÊNCIAS:
CHERRY, Kendra. Basics of Social Psychology. Verywell. Disponível em: <http://www.verywell.com/>. Acesso em 21 abril 2017.
JACQUES, Maria da Graça Corrêa et al. Psicologia Social Contemporânea: Livro-texto. Edição digital. Petrópolis: Vozes, 2013. 226 p.
LANE, Silvia T. Maurer. O que é Psicologia Social. 1 ed. São Paulo: Brasiliense, 1981,
88 p.
LIMA, Renato Sampaio. História da Psicologia Social no Rio de Janeiro: Dois grandes personagens. Fractal: Revista de Psicologia. Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, mai/ago 2009. Disponível em: <http://www.scielo.com.br/>. Acesso em 26 maio 2017.
REGADER, Bertrand. ¿Qué es la Psicología Social? Psicología y Mente. Disponível em: <http://psicologíaymente.net>. Acesso em 21 abril 2017.
SOUSA, Esther Alves de. Silvia Lane: Uma contribuição aos estudos sobre a Psicologia Social no Brasil. Temas em Psicologia. Ribeirão Preto, v. 17, n. 1, 2009. Disponível em: <http://www.pepsic.bvsalud.org/>. Acesso em 26 maio 2017.
SOUSA, Felipe de. O que é Psicologia Social? Psicologia MSN. Disponível em: <http://www.psicologiamsn.com/>. Acesso em 21 abril 2017.
ZAITH, Michele Cristina. Os Principais Desafios Enfrentados Pelos Psicólogos no CRAS. Disponível em: <http://www.psicologia.pt/>. Acesso em 02 junho 2017.