Como iniciar este texto sem apelar à pieguice do tema na contemporaneidade, quando vemos propagandas apelativas na televisão, inúmeras produções de Hollywood falando sobre a preservação, cartazes espalhados pelo chão, pessoas gritando a plenos pulmões “Salve o Planeta”, marcas famosas criando produtos biossustentáveis? E, ainda assim, a sustentabilidade parece longe de ser alcançada; todas as ações voltadas para este fim parecem fazer eclipse no ideal que visamos. Zigmunt Bauman outrora discursara sobre a vida líquida, “a vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo” (BAUMAN, 2007, p. 7). Gostaria, portanto, de produzir uma reflexão no leitor ao pensar no conceito de consciência sustentável líquida. Será possível pensarmos em uma consciência ecológica que não se sustenta por muito tempo em decorrência do imediatismo presente na corrida industrial do século XXI?
Em tempos remotos, era possível notar uma postura de respeito e comunhão, e até submissão, do homem com a natureza, quando as explicações para os fenômenos que ocorriam se davam ao poder de uma força maior. Hodiernamente, nota-se uma postura antropocêntrica e, conforme Bonazina et. al. (s/d) “economicista-predatória, em que o ser humano coloca-se como centro do Universo”. Por conseguinte, esta mudança na relação de homem-natureza ocasionou em uma ruptura no processo de subjetividade do ser humano, ao pensarmos na Ecopsicologia como norteador da análise do homem como parte fundamental e ativa na natureza, e esta como unidade constituinte da identidade do homem. Tal como elucida Bonazina et. al. (s/d),
A Ecopsicologia surge como um ramo da Ciência que parte de uma análise da subjetividade humana, das relações que caracterizam o convívio social e das relações do homem com o meio ambiente, para a construção de uma “nova psicologia do meio ambiente, que nos ajude a entender o que devemos fazer e continuar fazendo, individual e coletivamente, de forma que possamos mudar nossa conduta, local e global, para salvarmos a vida do planeta”.
A Ecopsicologia é, pois interdisciplinar e transdisciplinar, na medida em que perpassa por outras ciências – Ecologia, Psicologia, Sustentabilidade e, através do pensamento crítico, vai além da disciplinaridade para compreender os fenômenos culturais, sociais e econômicos criados pelo contexto de onde provêm (CARVALHO, 2013).
Não é possível falar da ruptura homem-natureza, sem citar as rupturas que acometem as relações sociais e do homem com sua subjetividade. Neste ínterim, portanto, vale citar Guatarri quando nos propõe a ecosofia que articula três princípios ecológicos, “do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana” (2001, p. 8) que se produzem e são produzidos em um mesmo processo. Em outra instância, Bonazina et. al. (s/d) nos confere estes três conceitos, pressupondo a re-significação dos atuais valores e percepções que nos permitam alcançar o desenvolvimento sustentável, tal como preconiza Metzner “[…] Nós somos parte da natureza, estamos na Terra, não sobre ela” (apud BONAZINA et. al., s/d, grifo nosso). E se, como apontou Bauman, a sociedade é líquido-moderna e é vivida constantemente em condições de incerteza, “o problema é apegar-se firmemente à única identidade disponível e manter juntos seus pedaços e partes” (BAUMAN, 2007, p. 13).
O outro registro são as relações sociais, as circunstâncias que permitem ao indivíduo desenvolver-se como sujeito. “[…] a sociedade não tem substância própria, precisa dos indivíduos para ser o que é, e estes, precisam da sociedade para existir” (BONAZINA et. al., s/d, p. 4). É no meio social que o indivíduo se constitui, e na constituição das subjetividades são construídos os valores sociais e as relações de poder em um momento de produção capitalística onde as inovações tecnológicas têm apresentado inúmeros impactos no meio ambiente, podendo ser positivos ou negativos, e neste momento mostra-se o registro ecológico frisado por Guatarri, o meio ambiente.
A subjetividade é, portanto, as formas de se produzir enquanto sujeito nas relações do eu com o outro, com as experiências de vida e no contato com o ambiente. Trazendo ao nosso modelo econômico vigente, “o capitalismo redimensionou a esfera da subjetividade, introduzindo novas formas de pensar, agir e ser, padronizando os desejos e ações humanas” (POSSOLLI, s/d, p. 130), na medida em que a subjetividade é moldada segundo a semiótica dominante, neste caso, o capitalismo. É nesta lógica dominante, aliada aos recursos tecnológicos e midiáticos do mundo pós-moderno que se produzem e mantém o status quo das subjetividades capitalísticas. Estas subjetividades dominantes, por sua vez, nos denotam ao conceito explicitado anteriormente de consciência sustentável líquida, aquela que não se mantém, e que se produz na relação com o exterior. Pode-se dizer, então, que sustentabilidade está na moda? É um meio de se atingir um status de solidário e redimir-se de sua culpa quanto aos atos contra a natureza? Poli e Hazan (2013, p. 391) explicitam que,
Essa visão inocente e singela da sustentabilidade serve à superficialidade do homem contemporâneo e apazigua a leve lembrança que carrega dentro de si de que deve ser solidário ao outro, de que deve respeitar o espaço que ocupa e que o rodeia, além de todos os elementos que compõem o seu habitat.
Evidencia-se o discurso midiático que promove a sustentabilidade ideológica como forma de “vender seu produto”. As novas formas de ser e de viver na contemporaneidade produzem e são produzidas pelo consumo desenfreado, desencadeando a dita sociedade líquido-moderna produtora de novas subjetividades que tem como principal objetivo a remoção do lixo que, segundo Bauman (2001, p. 17) “entre as indústrias da sociedade de consumo, a de produção de lixo é a mais sólida e imune a crises”.
NOTA:
O presente texto “Sustentabilidade Líquida na Contemporaneidade” é um recorte do projeto de extensão Sustentabilidade e Resíduos Sólidos que esteve em andamento no ano de 2014 no Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA), coordenado pela professora Esp. Lauriane Moreira, do curso de Psicologia. O projeto, como objetivo geral, visa à conscientização dos acadêmicos através de ações sustentáveis, tal como a coleta seletiva e a reciclagem de resíduos sólidos. O texto é uma ação, dentre várias, que visa atingir a comunidade acadêmica de modo geral, e aos demais públicos visitantes do Portal (En)Cena, através da sensibilização operada pelas ações e abrangência de conhecimentos acerca da sustentabilidade ambiental e reutilização dos resíduos sólidos.