Caroline Pozzobon – Psicóloga Clínica- E-mail: pozzoboncf@gmail.com- Instagram: @carolinepozzobon
Transtornos de ansiedade. A primeira parte desse nome pode assustar a maioria das pessoas que buscam acompanhamento psicológico, como se essa palavra “transtorno” fosse uma sentença. É com esse primeiro e aparente pequeno detalhe que o manejo clínico já precisa dispor de fatores comuns de eficácia: relação terapêutica.
É fato que por questões históricas muito bem apresentadas na construção da psiquiatria, da psicologia e da psicopatologia termos que se relacionam com “doença mental” foram pareados com a ideia de tratamentos desumanos, desrespeitosos e totalmente distantes da ciência e da empatia (Zorzanelli, Bezerra Jr.,Costa, 2014). Aqui começa o desafio que por mais que se exija muito do fator comum já citado, precisa de acréscimos: desconstruir a visão unicamente catastrófica do que é ter um diagnóstico de transtorno mental; fornecer dados de conhecimento concisos que diferenciem a ansiedade emoção normal da ansiedade desregulada nos quadros patológicos e engajar aquele indivíduo que há muito acredita que aqueles sintomas são impossíveis de serem remitidos.
Fonte: imagem retirada do site Freepik
O primeiro “denominador comum” no tratamento dos transtornos de ansiedade na perspectiva da TCC é um dos seus próprios pilares: a TCC é educativa. Esse pilar tem como objetivo tornar o paciente um indivíduo autônomo, capaz de usar as habilidades desenvolvidas em terapia no seu dia a dia (Beck, 2021). Ao especificar um transtorno de ansiedade, esse pilar ganha funções extras, antes das muitas habilidades a serem trabalhadas e desenvolvidas, o paciente precisa conhecer o próprio transtorno: de forma didática e personalizada o indivíduo conhecerá, ao lado do psicólogo, como funciona cognitivamente e fisiologicamente uma resposta de ansiedade, compreenderá o que são emoções (sendo ansiedade uma), poderá visualizar como funciona o transtorno de ansiedade dentro do modelo de funcionamento cognitivo ( situação-pensamento-emoção-comportamento), compreenderá fatores que pioram e que mantém essa condição ativada, assim como conhecerá de forma colaborativa (outro pilar da TCC) e terá acesso de forma realmente clara a como funcionará o tratamento dele. Com essa faceta educativa, também cabe ao psicólogo explicar também, e aí a importância de estar alinhado com o profissional da psiquiatria, o funcionamento e a importância da medicação quando houver prescrição indicada pelo profissional da medicina para o tratamento. Essa característica educativa da TCC exige do profissional uma compreensão completa acerca dos transtornos.
Esse entendimento completo por parte do psicólogo é necessária de forma anterior ao processo educativo, a noção de sinais e sintomas, fatores de personalidade que podem ser risco para o desenvolvimento do transtorno, funções psíquicas e suas alterações mais comuns em transtornos de ansiedade e topografia geral do paciente (Dalgalarrondo,2018; Payne,Ellard, Farchione,Barlow, 2023), além de compreender o Manual Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5-TR). Por mais que a compreensão de todos esses aspectos possa levar a uma interpretação mecânica e fria, a ideia é fazer um uso correto, coerente e verdadeiramente acolhedor de todas essas informações na fase de avaliação.
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É fundamental entender que independente de qual é especificamente o transtorno de ansiedade, é comum que o indivíduo apresente um ou mais sintomas físicos. É também possível a presença de ataques de pânico sem o diagnóstico do Transtorno de Pânico, definido por sintomas físicos relevantes e prejudiciais (APA,2023). Essas observações acerca dos sintomas físicos são necessárias para avaliar quais e em que momentos do tratamento serão necessárias técnicas de relaxamento, técnicas de atenção plena e de regulação, e mesmo quantas vezes será necessário repeti-las em sessão e em planos de ação (outro princípio da TCC) (Beck,2021).
Como por definição os Transtornos de ansiedade se caracterizam pelo excesso de medo, ansiedade, e perturbações do comportamento que se relacionem a essas duas emoções, é usual que aconteça o estado de constante vigilância, prejuízos nos estudos, trabalho e relacionamentos; comportamentos a fim de evitar os estímulos geradores de ansiedade e cansaço constante diante de todo esse cenário; são casos que exigem um cuidado e avaliação contumaz com relação ao risco de suicídio (APA,2023). Com essa avaliação, mesmo que os sintomas de ansiedade gerem muitos prejuízos, é necessário hierarquizar as prioridades do tratamento, uma tomada de decisão clínica pensada independente do referencial teórico da TCC, mas pautada na importância da vida daquele que está em acompanhamento (Ortega,2015).
Mesmo com a necessidade de avaliar risco de suicídio, avaliar a presença de transtornos comórbidos, hierarquizar e montar o plano de tratamento, o fator comum como relação terapêutica continua se fazendo necessário. O princípio da TCC de ser educativa também segue como pilar do tratamento, assim como os princípios de colaboração ativa do paciente e do psicólogo, que também envolve explicar/engajar o paciente sobre a importância disso.
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Outros denominadores comuns nos tratamentos dos transtornos de ansiedade são:
Análise funcional do comportamento: como em cada t. de ansiedade os conteúdos de preocupação, medo e ansiedade são diferentes, cada análise terá a ramificação dessas especificidades, mas em todas há a relevância de descobrir em colaboração com o paciente o que antecede os momentos de pisco de desconforto emocional e quais são suas respostas cognitivas,comportamentais,fisiológicas, para avaliar reforçadores/mantenedores dos comportamentos disfuncionais (Craske,Taylor,Barlow 2023;Aderka,Hoffman,2023;Roemer,Eustis,Orsillo,2023;Payne,Ellard,Farchione,Barlow,2023).
Reestruturação Cognitiva: além de cada transtornos apresentar características especificas, cada paciente também terá sua particularidade com relação às ideias/conceitos e regras que formulou sobre si mesmo, sobre as situações ansiogênicas,sobre enfrentamento, terapia e outros fatores. A base geral é também encontrar de forma colaborativa quais são os estilos de pensamentos e quais são as crenças nucleares e intermediárias que mantém os prejuízos de funcionamento diários relacionados ao transtorno (Beck,2021; Egan, Wade, Shafran, 2011; Leahy, Tirch, Napolitano, 2013).
Relaxamento: não apenas para a regulação dos sintomas físicos, mas como aliado na reestruturação cognitiva, no próprio processo de compreender sobre o transtorno e sobre o tratamento, o paciente pode aprender um arsenal de técnicas de relaxamento como respiração diafragmática, descrição de ambiente, relaxamento muscular progressivo de Jacobson e tantas outras (Craske et al.,2023).
Exposição: são diferentes exposições e diferentes proporções delas para cada transtorno de ansiedade, mas como a principal estratégica comportamental nesses casos é evitar situações de ansiedade, ao longo do tratamento o paciente fará exposições graduais e direcionadas pelos protocolos e pelo psicólogo aos estímulos ansiogênicos (estímulos esses que são compreendidos de forma colaborativa entre paciente e psicólogo e que não são apenas geradores de ansiedade, mas que façam parte do contexto da vida do paciente e quando evitados geram prejuízos reais) (Craske et al.,2023). As exposições, como são graduais, contam com uma hierarquia estabelecida entre paciente e psicólogo.
O manejo clínico para os transtornos de ansiedade exige um processo de avaliação que forneça segurança para o psicólogo, de forma colaborativa com o paciente, estabelecer o plano de tratamento pensando no todo. Dados os prejuízos funcionais gerados por esse grupo de transtornos o zelo e o entendimento das dificuldades do indivíduo são fundamentais, uma boa relação terapêutica é necessária do início ao fim, e esse fim do tratamento é visualizado através de mais um princípio da TCC: o monitoramento de progresso. Com instrumentos psicométricos, diários de sintomas, registros de pensamento ou qualquer outra ferramenta de monitoramento psicólogo e paciente monitoram os avanços e resultados da terapia, para quando atingidas as metas, remitidos os sintomas e feito todo o processo de prevenção de recaída, o paciente possa receber alta e finalizar seu tratamento (Beck,2021).
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Por mais que a descrição do texto seja pautada no tratamento sobre a perspectiva teórica da terapia cognitivo comportamental, é necessário ressaltar que a construção do raciocínio clínico pode se construir através de três pilares: a busca pela melhor evidência disponível para o tratamento, o aprofundamento profissional (estudos, expertise, formações, supervisão e outros), e os valores e contexto do paciente respeitados e aliados ao tratamento (Leonardi, 2015).
Em síntese, é fundamental realizar uma avaliação completa e conhecer de forma colaborativa tudo que envolve o funcionamento do transtorno de ansiedade e o contexto geral do paciente; compreender desde a história de vida até histórico médico. Nutrir de maneira verdadeira a relação terapêutica e desenvolver o raciocínio clínico que realmente fornecerá melhora significativa na qualidade de vida da pessoa que buscou ajuda psicológica.
Referências
Beck, J. S. (2021).Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática. Porto Alegre: Artmed.
Craske, M.G. Taylor, K.W.Barlow,D. (2023). Transtorno de Pânico e agorafobia. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (6ª ed., Cap.1, pp.1-58). Porto Alegre: Artmed.
Dalgalarrondo, P.(2018).Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais.Porto Alegre. Artmed.
Ardeka, I.M.Hoffman,S.G. (2023). Ansiedade Social: uma abordagem de tratamento baseada no processo. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (6ª ed., Cap.3, pp.99-122). Porto Alegre: Artmed.
Roemer,L. Eustis, E.H.Orsillo,S.M. (2023).Transtorno de Ansiedade Generalizada: uma terapia comportamental baseada na aceitação. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos ( 6ª ed., Cap.5, pp.169-200). Porto Alegre: Artmed.
Payne, A.L. Ellard,K.K. Farchione, T.J. Barlow, D.H. (2023).Transtornos emocionais: um protocol unificado para o tratamento transdiagnóstico. In Barlow, D. (org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos ( 6ª ed., Cap.6, pp.201-238). Porto Alegre: Artmed.
Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 TR. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023.
Ortega, N. J. (2015).Crise suicida: avaliação e manejo.Porto Alegre. Artmed.
Leahy, Robert L; Tirch, Dennis; Napolitano, Lisa, A.(2013). Regulação emocional em psicoterapia: um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Porto Alegre: Artmed.
Egan, S. J., Wade, T. D., & Shafran, R. (2011). Perfectionism as a transdiagnostic process: A clinical review. Clinical psychology review, 31(2), 203-212.
Leonardi, J. L., & Meyer, S. B. (2015). Prática baseada em evidências em psicologia e a história da busca pelas provas empíricas da eficácia das psicoterapias. Psicologia: ciência e profissão, 35, 1139-1156.
Banzato, C. E. M., Pereira, M. E. C., Zorzanelli, R., Bezerra Jr, B., & Costa, J. F. (2014). A criação de diagnósticos na psiquiatria contemporânea.