Pois é, vai ter Copa. Isso é algo mais do que óbvio desde que, no dia 30 de outubro de 2007, a FIFA ratificou o Brasil como o país-sede da Copa do Mundo de 2014. Sim, sempre sabíamos disso e, mesmo assim, já não conseguimos torcer pela seleção canarinho como antigamente. Algo estragou nosso sentimento por aquela que era pra ser a nossa copa.
Naquele passado não tão distante ninguém vislumbrava a mínima possibilidade de o Brasil não cumprir com todas as suas obrigações para que a copa acontecesse em 2014, como planejado, aqui.
Bom, até se imaginou que nem tudo sairia como estava sendo prometido, muito se apontou sobre o previsível estouro de orçamentos, algumas ideias megalomaníacas até foram ridicularizadas, mas, em momento algum, levantou-se a possibilidade de não se ter copa não pelo despreparo do Brasil e sim pelo desejo popular. Naquele momento, apesar de toda a presumível trapalhada que viria pela frente com o dinheiro do povo, não nos sentíamos devidamente indignados para ir à rua e dizer não à copa. Ao contrário, guardávamos uma esperança de que, quem sabe dessa vez, tudo daria certo.
Sim, tínhamos esperança. Quem sabe dessa vez teríamos melhorias de mobilidade urbana, afinal, a copa era um bom pretexto para isso, já que a extrema dificuldade de grande parte da população de se locomover no trajeto casa-trabalho ou casa-escola nunca pareceu comover os gestores públicos. Quem sabe dessa vez teríamos aeroportos, até portos, com padrão internacional, ou pelo menos com o mínimo necessário para se demonstrar respeito pelos seus usuários. E, até, quem sabe ainda poderíamos reformar alguns de nossos estádios para torná-los modernos e adequados para receber turistas de todo o mundo. No final, ainda poderíamos aproveitar e mostrar a todos o grande potencial de nosso país em inúmeras áreas, além do futebol, a tão propalada paixão nacional.
Por que então iríamos para as ruas protestar contra a copa que estava tão distante? Afinal, nosso país estava se preparando para mostrar ao mundo a sua capacidade de organização. Era o momento de sermos respeitados como nação. Prova disso teríamos muito em breve, em 2009, quando o presidente dos EUA teve que reconhecer que nosso presidente, Lula, ele sim era “o cara”. Eike Batista caminhava para se tornar o 7º homem mais rico do mundo em 2012. O BNDES financiava a junção de empresas para criarmos aquelas que se apresentavam como as futuras grandes multinacionais brasileiras – AmBev, JBS Friboi, Marfrig, Oi, Brasil Foods, Fibria estão aí para não nos deixar mentir.E Olimpíada ainda seria no Rio de Janeiro em 2016.
A esperança no futuro do Brasil era tamanha que não se limitava a somente uma visão ufano-nacionalista. Até o povo “lá de fora” fazia suas apostas. A afamada revista “The Economist” trouxe, em 2009, uma reportagem de capa intitulada “Brazil Takes Off” (O Brazil Decola) em que mostrava o Cristo Redentor como um jato levantando voo. Muitas eram as promessas e, reconheçamos, nem todas vinham do governo. Mas a maior parte originava-se dali, com toda certeza. Afinal, os juros até caíram a níveis nunca antes vistos.
Enquanto vivia-se um mundo de esperança algumas coisas já começavam a mostrar que aqueles pessimistas de plantão lá de 2007 poderiam estar certos.
E assim, as coisas no Brasil, e na copa, começaram a degringolar, a ponto da mesma revista “The Economist”, em outubro de 2013, perguntar, de novo em matéria de capa, se “O Brasil estragou tudo”. As obras, especialmente das arenas (não eram Estádios?), tiveram, como previsto, seus custos aumentados na mesma medida em que obras essenciais para a população, e que seriam o tal legado da copa, começaram a ser deixadas de lado ou reduzidas de seu planejamento inicial. Enquanto isso nossa economia já não parecia mais tão espetacular como outrora. Medidas erradas nos mais variados graus acabaram por deixar nossa economia convalescente. E o reflexo se deu no bolso e nas condições de vida daqueles que mais tinham esperança de que algo de bom poderia sobrar pra eles após a competição, além do sonhado prazer de ver a seleção jogando no próprio país.
Inflação aumentando (lembra do tomate?), juros também (mas, pera, os juros não sobrem para a inflação cair?), denúncias de corrupção aumentando em todas as esferas e em todos os partidos, tudo contribuindo para o brasileiro entender que a copa não fora pensada pra ele e sim para uma tal FIFA (e seu padrão) e um grupo de políticos e empreiteiros poderem tirar proveito. Daí para passar a exigir hospitais, segurança, rodovias, educação no padrão FIFA foi um pulo. As manifestações de 2013, durante a Copa das Confederações (um “ensaio” para a copa que viria) estão aí para deixar registrada essa insatisfação.
E chegamos a 12 de junho de 2013. A copa vai começar. Sim, #vaitercopa. O brasileiro até quer torcer pela sua seleção (não foi assim em 2010, 2006, 2002, 1998…?). Mas está triste, envergonhado e com medo.
Está triste porque as promessas não foram cumpridas – é, o brasileiro realmente não desiste nunca e continua a acreditar no que os políticos oferecem. Está triste porque não existirá o tal legado tão prometido. Está triste por saber que o dinheiro pago além da conta para as obras poderiam ter sido muito melhor aproveitado em outros aspectos da vida da população.
Está envergonhado porque os sete anos não foram suficientes para superar todo o nível de desorganização, corrupção e má administração da coisa pública e, com isso, o que mostraremos ao mundo não é a nossa sonhada capacidade de organização mas sim um conjunto de obras pela metade, mal acabadas, longe do que se espera de um país que se diz pronto a organizar a copa das copas.
E está com medo. Medo de torcer pela sua seleção e, depois, ver qualquer resultado, vitória ou derrota, ser utilizado pelos políticos de carteirinha para interesse próprio. Medo de ser ridicularizado por torcer pela seleção em uma copa que não lhe pertence, e sim a uma organização internacional que com mandos e desmandos conseguiu tudo o que queria das autoridades brasileiras sem oferecer nada em troca (além da honra de sediar a copa – que honra!). Medo de sofrer as patrulhas daqueles que hoje se orgulham de ser contra a copa, mas que, lá em 2007, ficaram bem quietos e ordeiros enquanto o presidente em questão se ufanava.
De qualquer forma, #vaitercopa. Que possamos nos vestir de verde e amarelo, que possamos torcer pela nossa seleção, que possamos sentir orgulho de ser brasileiros. Não por causa da copa e sim apesar disso. Até porque, acima de tudo o que aconteceu (e de muito mais que ainda vamos descobrir pela frente), sempre poderemos nos orgulhar de sermos um povo alegre e ordeiro e que, a isso, acrescentou uma boa dose de aprendizado que, quiçá, poderá ser útil em momentos futuros de decisões muito importantes. Afinal, esse ano #vaitereleição.