Desmistificando a IA como uma ameaça e explorando suas potencialidades para promover avanços na prática clínica do Psicólogo (a).
O início da relação da Psicologia com a Inteligência Artificial
A IA é denominada como um campo da ciência da computação dedicado ao desenvolvimento de sistemas que imitam a capacidade cognitiva humana, visando a análise e hipóteses de respostas para determinados problemas e tomada de decisões. A IA também é conceituada como a concepção de sistemas computacionais inteligentes capazes de executar tarefas sem orientações diretas de agentes humanos, exemplificado pelo funcionamento de autômatos (Lobo, 2017).
Com a aplicação de diversos algoritmos e também com estratégias de tomada de decisão, combinados com o processamento de vastos conjuntos de dados, a IA é apta a sugerir cursos de ação quando é solicitado. É englobada múltiplas competências e fases, como a detecção de padrões em dados e imagens, compreensão de linguagem natural em seus aspectos escritos e orais, identificação de relações e correlações, além da execução de algoritmos de decisão elaborados por especialistas (Lobo, 2017).
A história da Inteligência Artificial se dá início em 1950, quando Alan Turing publicou seu influente artigo “Computing Machinery and Intelligence”, no qual ele propôs um teste para comparar a capacidade de um computador com a de um ser humano na resolução de problemas, hoje conhecido como Teste de Turing em sua homenagem (Lobo, 2017).
Em 2018, a terminologia “Saúde Digital” foi conceituada como o domínio de estudo e aplicação relacionado ao desenvolvimento e implementação de tecnologias digitais, com o objetivo de aprimorar o setor de saúde. Este conceito engloba uma ampla gama de áreas, incluindo o envolvimento de consumidores digitais, a utilização da Internet das Coisas, a aplicação de inteligência artificial, o processamento de grandes volumes de dados (big data) e a integração de sistemas robóticos (Theophilo e Martins,).
Há um consenso em avanço na comunidade global da saúde acerca da ideia de que a utilização estratégica e inovadora das tecnologias digitais da informação e comunicação, desempenhará um papel crucial na expansão universal de saúde para um bilhão adicional de pessoas, bem como na ampliação da proteção contra emergências de saúde, resultando em melhorias significativas na saúde e no bem-estar da sociedade (Theophilo e Martins,).
No contexto brasileiro, o eSaúde foi formalmente estabelecida em 2017 pela Comissão Intergestores Tripartite (CIT), reconhecendo a Saúde Digital como mecanismos contributivos para a integração ao Sistema Único de Saúde (SUS), alinhados diretamente com os princípios e diretrizes do sistema de saúde pública do país. Possibilitando que multiprofissionais tenham acesso aos dados fornecidos pelo SUS daquele paciente.
Entre as diversas ferramentas presentes no âmbito da Saúde Digital, destacam-se os aplicativos móveis, caracterizados como práticas médicas e de saúde pública realizadas através de dispositivos móveis, como telefones celulares, dispositivos de monitoramento, assistentes digitais pessoais e outros dispositivos sem fio (Theophilo e Martins,). Essa estratégia é denominada como Saúde Móvel, sendo sua denominação em inglês mHealth.
A Psicologia utiliza meios tecnológicos como ferramenta para a prática clínica, como por exemplo, o uso de aplicativos para o monitoramento de humor diário do paciente, como é bastante utilizado por psicoterapeutas cognitivos comportamentais. Na pesquisa “Saúde Mental na palma da mão: um olhar sobre os aplicativos de monitoramento de humor e emoções” (Lessa, 2019), apontou que na loja virtual “Google Play”, após buscar pelo termo “saúde mental”, foram identificados 250 aplicativos com uma variedade de funcionalidades.
Entre estes, destacam-se aplicativos que fornecem material de referência abordando explicações detalhadas sobre diferentes transtornos psicológicos; jogos para estimular o cérebro; aplicativos destinados a fornecer informações sobre serviços de atendimento psicológico e psiquiátrico disponíveis tanto no setor público quanto no privado; ferramentas que auxiliam na prática da meditação; e aplicativos que oferecem diariamente frases motivacionais. Mas, de acordo com a pesquisa realizada, os que de fato servem como aplicativo de monitoramento são: Cíngulo, Daylio, Diáriode Humor, Minha Ansiedade e Diário do Psique (Lessa, 2019).
Será que a IA poderá ocupar o lugar de um profissional da saúde mental?
Algo que vem sendo pauta em algumas profissões como a do Psicólogo, é se a IA será capaz de assumir o seu papel. A prática de assumir o papel desse profissional em ambientes virtuais, particularmente em plataformas de inteligência artificial como o Chat GPT, desencadeia uma série de debates. Em primeiro lugar, é importante compreender a complexidade da formação e da atuação de um psicólogo. A Psicologia é uma ciência que demanda um entendimento extenso dos processos cognitivos, emocionais e comportamentais dos indivíduos (Strapasson e Dittrich, 2011).
O primeiro debate a ser feito é em relação a capacidade de uma inteligência artificial de tentar compreender o sujeito. A interação humana é permeada por particularidades emocionais e contextuais que frequentemente escapam às capacidades de um sistema baseado em algoritmos. A empatia e a capacidade de criar um vínculo terapêutico genuíno são aspectos fundamentais do trabalho de um Psicólogo, inclusive do Psicoterapeuta Cognitivo, que uma máquina pode não conseguir replicar (Alves, 2017).
Devemos também dar ênfase na questão da ética. A prática do Psicólogo está regida por um Código de Ética e Resoluções do Conselho Federal de Psicologia que visam proteger a confidencialidade, a dignidade e o bem-estar dos clientes/pacientes. A introdução de inteligências artificiais neste contexto levanta preocupações significativas sobre a privacidade e a segurança dos dados dos pacientes.
Outro ponto a ser levado em consideração é a relação terapêutica, onde o profissional proporciona um espaço seguro para que o paciente se sinta ouvido, acolhido e livre de julgamentos, sendo isso elemento essencial para o tratamento psicológico (Alves, 2017). A presença e a interação humana são componentes críticos dessa relação, aspectos que são ausentes em interações com inteligências artificiais.
Apesar de que as tecnologias de inteligência artificial possam oferecer ferramentas úteis para complementar o trabalho dos Psicólogos, assumirem inteiramente o papel desse profissional, apresenta sérias limitações e preocupações. A complexidade do ser humano, a ética profissional e a eficácia do tratamento psicológico são áreas onde a intervenção humana permanece insubstituível. Portanto, a crítica central é que, embora a tecnologia possa apoiar, até o presente momento, ela pode não conseguir substituir a profundidade e a autenticidade da interação humana que estão envolvidas na prática psicológica.
Referências
ALVES, Diana Lopes. O vínculo terapêutico nas terapias cognitivas. Rev. Bras. Psicoter.(Online), p. 55-71, 2017.
Código de Ética Profissional do Psicólogo. Conselho Federal de Psicologia, Brasília, 2005.
LESSA, Daniela Mendes et al. Saúde mental na palma da mão: um olhar sobre aplicativos de monitoramento de humor e emoções. 2019.
LOBO, Luiz Carlos. Inteligência artificial e medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 41, p. 185-193, 2017.
STRAPASSON, Bruno Angelo; DITTRICH, Alexandre. Notas sobre o determinismo: Implicações para a psicologia como ciência e profissão. Avances en Psicología Latinoamericana, v. 29, n. 2, p. 295-301, 2011.
THEOPHILO, Rebecca Lucena; MARTINS, Ana Carolina Silva. Aplicativos móveis como aliados no acompanhamento e comunicação da dor.