O futuro é hoje: desafios e possibilidades na interação entre a Psicologia e a Inteligência Artificial

De acordo com a Associação de Psicologia Americana (APA, 2023), a Inteligência Artificial está mudando todos os aspectos da Psicologia. Os profissionais desta área e suas competências são insubstituíveis, mas a implementação cuidadosa e  estratégia é crucial, aponta a corporação.

A IA pode afetar o mercado de trabalho a depender de duas características: as habilidades do trabalhador e a natureza das atividades que exerce.

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 40% de todas as ocupações do mundo vão ficar expostas aos efeitos da inteligência artificial (IA). No cenário nacional, um levantamento da Page Interim, unidade de negócio do PageGroup especializada em recrutamento, seleção e administração de profissionais terceirizados e temporários, mostra que três a cada quatro profissionais brasileiros acreditam que a IA vai substituir os empregos. Outros dados, desta vez da edição de 2024 da Pesquisa Game Brasil (PGB), mostraram que mais da metade dos 3.340 respondentes – 58% – disseram acreditar que o uso da inteligência artificial vai substituir empregos e acentuar desigualdades. Por outro lado, um número ainda maior de pessoas (67,8%) acredita que a IA pode melhorar o trabalho e tornar as pessoas mais criativas e produtivas. Quais são as áreas mais afetadas pela IA? Há setores que não serão impactados? Como se adaptar a essa tecnologia?  Esse foi o conteúdo de um dos episódios mais recentes do podcast Dois Pontos do Estadão, que recebeu Adriano Mussa, reitor e diretor de Inteligência Artificial da Saint Paul, e Priscilla Tavares, professora da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV/EESP). O episódio teve a apresentação da colunista do Estadão, Roseann Kennedy e do editor de Link, Bruno Romani.

Ao assistir o videocast fica claro que para os especialistas da área, a IA pode afetar o mercado de trabalho a depender de duas características: as habilidades do trabalhador e a natureza das atividades que exerce. Para eles as atividades extremamente mecânicas e repetitivas que podem ser automatizadas, têm grande probabilidade de sofrer com a chegada da IA. No entanto, as atividades que exigem habilidades cognitivas de ordem superior têm pouca probabilidade quanto a serem extinguidas ou substituídas. 

Para eles, a IA é boa quanto a execução e otimização de tarefas e não substitui cargos ou funções. Para ilustrar, citam o professor Geoffrey Hinton, psicólogo cognitivo e cientista da computação anglo-canadense que é conhecido como o pai do deep learning (aprendizado de máquina com base em um conjunto de algoritmos) e que há 7 anos falou o seguinte: parem de estudar radiologia pois a IA é muito melhor que qualquer ser humano para diagnosticar doenças com base nas imagens. No entanto, o que aconteceu foi que a demanda por radiologistas no planeta subiu e chegamos a duas conclusões: primeira, o professor é um gênio da IA mas ele não sabe nada de radiologia; e a segunda é que a IA faz apenas 01 das 33 tarefas de um radiologista que é diagnosticar. Além do diagnóstico é necessário que o profissional dialogue com médicos e médicas para discutir os melhores caminhos de tratamento e os pacientes querem dialogar e discutir suas possibilidades de tratamento com pessoas e não com a IA. 

Com base no exemplo acima, temos o entendimento de que a grande pergunta é: quais dessas tarefas a IA pode fazer melhor do que nós em nossas profissões e como isso nos beneficia para que possamos otimizar processos e eliminar atividades mais mecânicas ou automatizáveis no dia a dia, liberando mais tempo para o que realmente importa?

No caso da área de psicologia podemos aproveitar do conhecimento da IA quanto ao refinamento de dados para o critério diagnóstico, mas será necessária toda a expertise do nosso contato com os pacientes, bem como o vínculo bem estabelecido para que com o nosso conhecimento possamos personalizar e direcionar o paciente para o melhor tratamento, por vezes refinando o próprio diagnóstico. Para os especialistas em IA, o fundamental é estar atento às mudanças e buscar capacitação e adaptação às novas tecnologias. Para eles, o que acontece ao longo dos anos, na maioria das vezes não é a extinção dos cargos e funções, mas o aprimoramento destes com a exigência de novas habilidades do trabalhador como por exemplo: o pensamento crítico, habilidade de comunicação, interações sociais relevantes, liderança, etc.

Existem ferramentas de triagem e diagnóstico, permitindo uma detecção precoce de problemas de saúde mental. Chatbots e assistentes virtuais baseados em IA também estão se tornando cada vez mais populares como ferramentas de educação emocional, instrução do uso de técnicas de meditação guiada, respiração diafragmática, dentre outras, para pessoas que não têm acesso imediato a um profissional de saúde mental.  Sobre esta questão, resolvi testar a IA e usei o ChatGPT. Fiz a seguinte pergunta:” Você pode me ajudar? Estou com uma crise de ansiedade”. A resposta do ChatGPT: “Claro, estou aqui para ajudar. Se você está enfrentando uma crise de ansiedade, é importante lembrar que você não está sozinho e que existem maneiras de lidar com isso. Aqui estão algumas estratégias que podem ajudar a acalmar sua ansiedade: Respiração profunda: Experimente técnicas de respiração profunda para acalmar seu corpo e mente. Respire lenta e profundamente, concentrando-se em cada respiração. Prática de mindfulness: envolve focar sua atenção no momento presente. Isso pode ajudar a reduzir a preocupação com o futuro e a ruminação sobre o passado. Exercícios de relaxamento muscular: Faça exercícios de relaxamento muscular progressivo, onde você tensiona e relaxa os diferentes grupos musculares do seu corpo. Isso pode ajudar a aliviar a tensão física causada pela ansiedade. Distração saudável: Envolver-se em atividades que você gosta e que o distraiam da ansiedade, como ouvir música, praticar um hobby ou sair para uma caminhada. Fale com alguém: Compartilhe seus sentimentos com alguém em quem confia, seja um amigo, um membro da família ou um profissional de saúde mental. Falar sobre o que você está passando pode ajudar a aliviar a carga emocional. Se você sentir que está perdendo o controle da situação ou se a ansiedade estiver interferindo significativamente em sua vida diária, é importante buscar ajuda profissional. Um psicólogo, terapeuta ou outro profissional de saúde mental qualificado pode oferecer apoio e orientação personalizados para ajudá-lo a lidar com sua ansiedade de maneira eficaz. Lembre-se de que é normal sentir ansiedade de vez em quando, mas é importante aprender a gerenciá-la de forma saudável. Estou aqui para fornecer apoio e orientação sempre que precisar.” 

Nesta situação, observei que a IA ofereceu um apoio primário e forneceu informações importantes para que o usuário da tecnologia desse um primeiro passo para o controle da ansiedade, indicando possíveis caminhos para um maior bem-estar. No entanto, mesmo diante destas sugestões, vemos a necessidade de uma explicação minuciosa e detalhada de um profissional para que a técnica seja compreendida e realizada de forma correta, bem como a análise de contexto para o entendimento da situação estressora e os componentes desencadeantes da ansiedade para a compreensão do quadro. 

Os especialistas ainda destacam que à medida que a tecnologia avança, surgem novas maneiras de aplicar a IA para entender e melhorar a saúde mental, o bem-estar e o comportamento humano. No entanto, também surgem preocupações sobre questões éticas, de privacidade e de confiabilidade dos resultados.

Sobre os desafios, um dos principais é garantir que os algoritmos de IA sejam justos e imparciais, evitando vieses que possam prejudicar certos grupos demográficos. Além disso, há preocupações sobre a privacidade dos dados dos pacientes e a segurança das informações confidenciais armazenadas em sistemas de IA. E aqui temos novamente o fator humano, o vínculo terapêutico e o sigilo entre paciente e profissional como algo valioso e insubstituível.

Desta forma, é possível observar que embora a IA possa ser uma ferramenta poderosa para auxiliar no processo terapêutico, é importante reconhecer que o aspecto humano no cuidado mental continua sendo fundamental. Captação de emoções, entendimento de contextos de vida e histórico do desenvolvimento, riscos e vulnerabilidades são questões bem humanas e distantes do entendimento da IA. Prova disto foi mais uma das perguntas que fiz para a IA, desta vez ao Copilot, IA da Microsoft. Perguntei: “Você acredita que pode substituir um psicólogo clínico e me atender virtualmente? A resposta da Copilot foi: “Embora eu possa fornecer informações e ajudar com muitas coisas, eu não sou um substituto para um psicólogo clínico. Eu sou uma inteligência artificial e não tenho a capacidade de entender completamente as emoções humanas ou fornecer aconselhamento terapêutico. É importante procurar a ajuda de profissionais de saúde mental qualificados para questões de saúde mental. Eles têm o treinamento e a experiência necessários para ajudar de maneira eficaz. Se você estiver passando por um momento difícil, recomendo que entre em contato com um profissional de saúde mental. Lembre-se, é importante cuidar de sua saúde mental”.

Fica claro que a IA oferece um vasto potencial para revolucionar o mercado de trabalho da psicologia e não para extingui-lo, proporcionando novas maneiras de entender e tratar os desafios de saúde mental. No entanto, para aproveitar ao máximo essas oportunidades, é essencial abordar os desafios éticos, técnicos e sociais que acompanham essa transformação, garantindo que a IA seja utilizada de maneira responsável e inclusiva para o benefício de todos.

Referências:

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. AI is changing every aspect of psychology. Here’s what to watch for. Monitor on Psychology2023. Disponível em:<https://www.apa.org/monitor/2023/07/psychology-embracing-ai>. Acesso em 21 maio de 2024

A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL VAI ROUBAR O SEU EMPREGO? Dois Pontos. Estadão, 01 de maio de 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=PFy0WzYTp88.  Acesso em 06 de maio de 2024.

COMO A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AFETA O MERCADO DE TRABALHO E SEUS TRABALHADORES. Andréa Greco. Linkedin, 23 de fevereiro de  2023. Disponível em: https://pt.linkedin.com/pulse/como-intelig%C3%AAncia-artificial-afeta-o-mercado-de-trabalho-andr%C3%A9a-greco. Acesso em 02 de maio de 2023.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL AFETARÁ ATÉ 40% DOS EMPREGOS EM TODO O MUNDO, ESTIMA FMI. Infomoney, 16 de Janeiro de 2024. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/carreira/inteligencia-artificial-afetara-40-dos-empregos-em-todo-o-mundo-estima-fmi/ . Acesso em 02 de maio de 2024.

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL PODE DAR SUPORTE PARA PSICÓLOGO. Gustavo Basso. DW.com, 21 de março de 2024. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/intelig%C3%AAncia-artificial-pode-dar-suporte-para-psic%C3%B3logo/a-68634325#:~:text=Rob%C3%B4s%20de%20conversa%2C%20jornadas%20instru%C3%ADdas,psic%C3%B3loga%20e%20pesquisadora%20Karen%20Sacavacini. Acesso em 02 de maio de 2024.

MUSSA, Adriano. (2020) Inteligência Artificial – Mitos e Verdades: as reais oportunidades de criação de valor nos negócios e os impactos no futuro do trabalho. São Paulo. Editora Saint Paul.