Os efeitos da inteligência artificial (IA) para os artistas: concorrentes ou parceiros?

Culturalmente, tendemos a ver a IA como uma ameaça potencial, enraizada em nosso imaginário por filmes de Hollywood desde os anos 80, que retratam guerras apocalípticas entre máquinas e humanos e a ideia de uma revolta robótica pela dominação mundial.

A inteligência artificial te permite criar imagens detalhistas em segundos.

O filósofo e ensaísta espanhol Daniel Innerarity, considerado “um dos 25 pensadores mais influentes do mundo” pela revista francesa “Le Nouvel Observateur”, tem explorado intensamente o tema da criação por inteligência artificial. Em seu artigo “O sonho da máquina de criar”, Innerarity aborda a fascinação que a ideia de uma sociedade de criação automatizada provoca em nós.

Os programas de inteligência artificial têm alcançado sucessos espetaculares, não apenas nos domínios do cálculo, previsão analítica ou diagnóstico, mas também na composição musical, na modelagem criativa de processos visuais, em séries de televisão, no design arquitetônico e na escrita de histórias. Esses avanços levaram muitos a especular que, em breve, o ser humano será substituído em muitos campos, incluindo a criatividade. A questão de saber se a inteligência artificial pode produzir arte é fascinante e incerta. A arte gerada por IA poderia tomar conta de nossa criatividade artística, automatizando ou mecanizando a criatividade, como já se prevê para o trabalho ou a democracia. Se a criatividade artística era um dos últimos domínios de distinção entre humanos e computadores, esse bastião parece agora estar sendo demolido, e estaríamos entrando numa era de criações sem autores humanos.

Contudo, há uma diferença fundamental entre produzir algo baseado na digestão de milhares de obras de arte e criar algo original. A criatividade humana não pode ser imitada ou repetida; implica sempre uma certa transgressão que não pode ser reduzida a regras ou algoritmos estatísticos. A criatividade envolve irregularidade. Na computação, o que aparenta ser associações livres é, na verdade, algoritmicamente determinado, sem romper com nada ou trazer novidades radicais. Assim, a criatividade gerada por IA é, no melhor dos casos, uma imitação fraca da criatividade verdadeira.

Fonte: Daniel Innerarity em maio, em Lisboa, durante a conferência internacional “Inteligência Artificial e Cultura — Do Medo à Descoberta”, promovida pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)

As inovações tecnológicas da “arte gerada por inteligência artificial” não constituem necessariamente uma inovação artística. Computadores têm uma forma fraca de criatividade, que lhes permite reproduzir padrões de fala, sons ou formas, mas nada além disso. Não se pode esperar que um computador produza algo radicalmente imprevisível, como fizeram os criadores verdadeiramente disruptivos da história das artes.

A ideia de uma “imitação da criatividade” tem algum sentido? Essa interação entre arte e tecnologia já existia quando pintores utilizavam a fotografia como estudo preliminar. Artistas que trabalham com IA veem esses programas como ferramentas que os libertam de tarefas pouco criativas e abrem novas possibilidades. Esses programas democratizaram a criatividade, tornando-a mais acessível e permitindo que mais pessoas experimentem a arte em suas várias formas. Mesmo aqueles que não são particularmente dotados para a arte podem usar essas ferramentas para gerar resultados criativos.

Essa situação é semelhante ao embate que os pintores do realismo enfrentaram com a invenção da fotografia, temendo que esta extinguiria sua arte. Enquanto as máquinas imitam os criadores, estes últimos podem se dedicar ao que os caracteriza como tal, desafiando as fronteiras do inimitável. Ao contrário do pessimismo que diagnostica a mecanização do ser humano como o fim da criatividade, talvez se possa argumentar o contrário. “Quanto mais os seres humanos se mecanizam, mais reconfortante se torna a ideia de que as máquinas podem compreender alguma coisa de arte” (Rauterberg 2021, 195). A tentativa de gerar arte através das máquinas pode revelar precisamente o que elas não conseguem criar. Assim, a especificidade da criatividade humana é destacada quando as máquinas criam algo que se assemelha à criatividade, mas não o é.

Neste contexto, muitos criativos estão preocupados que a IA possa roubar seus empregos. A questão principal para os profissionais da criatividade não é regular as tecnologias de IA para proteger as formas como costumavam trabalhar. Devemos nos perguntar: “Como podemos usar essas tecnologias de IA para criar novas possibilidades de trabalho que agreguem mais valor ao nosso trabalho?” Profissionais que usam IA para criar no lugar deles terão resultados medíocres e parecidos globalmente. Já aqueles que usarem a IA como ferramenta para aprimorar suas próprias criações se tornarão mais relevantes e valorizados ao alcançarem resultados superiores. Há uma diferença abismal entre as duas abordagens.

É neste momento que a psicologia deve atuar, auxiliando na transição entre eras do trabalho, assim como ocorreu na revolução da internet. Esta trouxe novos cargos, evoluções na educação e saúde, e uma mudança estrutural completa. Inicialmente, a internet trouxe inseguranças para os trabalhadores, com a automação e digitalização substituindo muitos empregos manuais e operacionais. Muitas pequenas empresas lutaram para competir com grandes corporações que adotaram rapidamente novas tecnologias. Portanto, o papel do psicólogo é crucial para ajudar os trabalhadores a lidar com essas transformações, minimizando o sofrimento ou adoecimento possível.

Um psicólogo pode desempenhar um papel crucial no auxílio a indivíduos enfrentando mudanças drásticas no mercado de trabalho geradas pelo surgimento da inteligência artificial (IA). Essas transformações podem causar ansiedade, insegurança e desmotivação, e o psicólogo está bem posicionado para ajudar as pessoas a lidar com essas emoções e a se adaptarem a novas realidades.

Primeiramente, o psicólogo trabalha para identificar e abordar os medos e ansiedades associados às mudanças tecnológicas. Utilizando técnicas como a dialética, ele ajuda a reestruturar pensamentos negativos e a promover uma mentalidade mais positiva e resiliente. Isso é fundamental para que a pessoa veja as mudanças como oportunidades de crescimento e não como ameaças. O psicólogo também pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e adaptação. Isso inclui o fortalecimento da autoestima e da autoconfiança, essenciais para que o indivíduo se sinta capaz de aprender novas competências e se adaptar a novas funções no contexto da IA. O psicólogo também pode ajudar a identificar os pontos fortes e interesses do indivíduo.

Outra área de atuação importante é o suporte no planejamento de carreira, campo ascendente no mercado da psicologia. O psicólogo pode colaborar na elaboração de um plano de ação, estabelecendo metas realistas e passos concretos para alcançá-las. Isso pode incluir a recomendação de cursos de capacitação em habilidades relacionadas à IA, estratégias de networking e métodos eficazes para a busca de emprego em setores emergentes. O psicólogo também oferece suporte emocional durante o processo de transição. As mudanças impulsionadas pela IA podem ser desafiadoras e solitárias, e ter um profissional para fornecer apoio e encorajamento pode fazer uma grande diferença. Além disso, o psicólogo pode mediar grupos de apoio, onde indivíduos em situações semelhantes compartilham experiências e soluções, promovendo um senso de comunidade e solidariedade.

Por fim, o psicólogo pode ajudar a pessoa a desenvolver uma visão de longo prazo sobre o impacto da IA no mercado de trabalho. Isso envolve entender as tendências futuras e preparar-se para elas, o que pode incluir a aprendizagem contínua e a flexibilidade para mudar de carreira ou funções conforme necessário.

 

Referências

União Brasileira de Compositores (UBC). Artigo sobre a inteligencia artificial “O sonho da máquina criativa” Disponível em :< https://www.ubc.org.br/publicacoes/noticia/21771/artigo-sobre-inteligencia-artificial-o-sonho-da-maquina-criativa >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Escola Panamericana de Arte e Design. “Inteligencia artificial e criatividade: adversários ou aliados?” Disponível em :< https://www.escola-panamericana.com.br/inteligencia-artificial-e-criatividade-adversarios-ou-aliados/ >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Disponível em :< https://industriall.ai/blog/a-ia-no-mercado-criativo-quais-os-impactos-dessa-tecnologia >. Acesso em: 14, jun, 2024.

Rauterberg, Hanno (2021), Die Kunst der Zukunft. Über den Traum der kreativen Maschine, Berlin: Suhrkamp.