Paradigmas da Logoterapia na Intervenção Psicossocial

Intervenção psicossocial se refere a práticas que visam atender pessoas em situações de vulnerabilidade, buscando também o fortalecimento de vínculos sociais e a superação de dificuldades impostas pelos contextos sociais e econômicos. De acordo com Costa (2005), essa intervenção envolve o trabalho em rede,em que a ação psicossocial se insere no cotidiano da comunidade, compreendendo a complexidade das relações sociais e as influências de fatores externos na vida dos sujeitos.

Em contextos de vulnerabilidade, existem determinantes que ampliam a complexidade das intervenções. Essas populações enfrentam desafios que, muitas vezes, não podem ser alterados direto e rapidamente, como pobreza, exclusão social e falta de acesso a serviços básicos – situações que constituem violações de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (ONU, 1948), o que inclui o acesso a condições mínimas de vida digna. No entanto, em suma, essas populações não têm consciência de que essas condições violam seus direitos (Costa, 2005). Nesse cenário, o trabalho do psicólogo se torna desafiador, exigindo intervenções que considerem as condições imutáveis no curto prazo, mas que fortaleçam o coletivo, mostrando que é possível lutar por mudanças estruturais que envolvem direitos humanos. (Santos, 2018).

Neste contexto, a Logoterapia, desenvolvida por Viktor Frankl, oferece uma contribuição valiosa. Trata-se de uma abordagem psicoterápica fenomenológica existencial que trabalha na busca de sentido como elemento central para o ser humano. Segundo Frankl (1946), o ser humano é movido pela “Vontade de Sentido”, ou seja, pela busca de um significado que dê sentido à sua existência, tanto em um nível macro quanto em pequenos aspectos da vida cotidiana. Frankl organiza sua teoria em três pilares: Vontade de Sentido, Liberdade de Sentido e Sentido da Vida.

Um ponto fundamental da Logoterapia é o papel da mudança de perspectiva como princípio central no manejo do psicólogo. O trabalho psicoterápico começa com a ampliação de novas perspectivas diante de suas circunstâncias, ampliando o olhar dentro de cada situação (Nery, 2023). No contexto da intervenção psicossocial, isso se traduz na ideia de que, mesmo em meio a situações de vulnerabilidade, é possível incentivar uma mudança de visão sobre a realidade enfrentada. Essa mudança de perspectiva permite às pessoas em situação de vulnerabilidade reconhecerem novas possibilidades dentro de suas limitações e agirem de forma mais ativa na busca por melhorias.

A Liberdade de Sentido, um dos pilares da logoterapia, refere-se à capacidade humana de encontrar sentido nas situações, mesmo quando se está em um contexto de restrição ou sofrimento. Frankl (1946) exemplifica essa liberdade com sua própria experiência nos campos de concentração nazistas, onde, apesar de ter perdido quase tudo, descobriu que o ser humano mantém a liberdade de escolher sua atitude diante das circunstâncias. Ele afirma que:

 “Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher sua atitude em qualquer circunstância dada” (Frankl, 1946, p. 113).

Ao aplicar essa perspectiva à intervenção psicossocial, percebe-se que, embora as pessoas em situação de vulnerabilidade não possam mudar todas as condições ao seu redor, elas ainda têm a liberdade de se posicionar diante dessas circunstâncias. A intervenção psicossocial busca, então, ajudar essas populações a reconhecer e exercer essa liberdade, auxiliando-as a perceber que o contexto em que vivem não define quem elas são, e que é possível agir para transformar, dentro dos limites impostos, essas condições. O papel do psicólogo é orientar essas possibilidades de mudança (Sawaia, 2001).

A transcendência, outro conceito fundamental da logoterapia, também pode ser visualizado na intervenção psicossocial. Frankl define a transcendência como a capacidade do ser humano superar suas circunstâncias imediatas em busca de um significado maior, muitas vezes relacionado com os outros ou com algo maior do que ele mesmo (Frankl, 1946). Esse princípio é fundamental ao se pensar nas relações humanas em contextos de vulnerabilidade, pois a vinculação coletiva é um exercício de transcendência, em paralelo em intervenção psicossocial não se foca apenas na resolução de problemas individuais, mas também no fortalecimento do coletivo e das redes de apoio social, reconhecendo que o fortalecimento das relações interpessoais é uma forma poderosa de promover mudanças em contextos adversos (Costa, 2005).

Assim, embora as populações em situação de vulnerabilidade enfrentem desafios que muitas vezes não podem ser modificados, a aplicação da logoterapia na intervenção psicossocial reconhece a liberdade que essas pessoas têm de se posicionar diante de suas circunstâncias. Ao promover o fortalecimento das relações e contribuir para a transcendência dos indivíduos, facilita a luta por direitos, o fortalecimento do coletivo e o desenvolvimento de uma nova perspectiva sobre as condições de vida. Mesmo quando um estado de conformação se instala, cabe ao psicólogo lembrar que seu papel é combater injustiças e violências, conforme previsto no Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2005), e auxiliar na construção de novos sentidos, dignos e possíveis para o ser humano. Como exemplificado pela logoterapia, o homem não busca apenas um estado de homeostase, mas sim está sempre propenso a experimentar novas possibilidades e atualizar seus sentidos (Frankl, 1946).

Referências

CFP – Conselho Federal de Psicologia. Código de Ética Profissional do Psicólogo. 2005. 

Costa, L. Abordagem Clínica no contexto comunitário: uma perspectiva integradora. Psicologia & Sociedade; 17 (2): 33-41, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/psoc/a/XCMYYfqY9phRXsBSkJSPfyB/?format=pdf&lang=pt.

Frankl, Viktor Emil. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. Editora Vozes, 1946.

Nery, A. A vida sempre tem um sentido? Como encontrar significado nos altos e baixos da sua jornada. Paidós, 2023.

Santos, B. A difícil construção do social. Cortez, 2018.

Sawaia, B. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Editora Vozes. 2001.