Olá, sou Jéssica Gontijo Nunes, tenho 26 anos e estou no último período de psicologia no CEULP/ULBRA. Vim relatar minha experiência com o COVID-19. Desde que a pandemia começou a ser noticiada, em abril de 2020, eu e minha família (mãe e irmão) tentamos manter os devidos cuidados para não nos contaminarmos.
No dia primeiro de abril, minha mãe começou a apresentar espirros, mas como ela tem alergia não suspeitamos de nada. No final do dia seguinte, senti uma leve dor de cabeça, mas como estava estudando muitas horas seguidas na frente do notebook não achei que poderia ser algo a mais, até mesmo porque essas dores de cabeça, costumo sentir devido ficar muitas horas estudando e lendo. Porém, meu irmão também começou a apresentar dores musculares e no dia seguinte (segundo dia, a contar a cada 24 horas após o início dos sintomas) começou a ter febre.
No domingo, e terceiro dia de sintomas da minha mãe e meu segundo dia de sintomas, assim como, do meu irmão, decidimos procurar uma unidade de saúde. Fomos medicados e orientados por um médico sobre os devidos cuidados e tratamento, o exame de SWAB-nasal foi agendado para o dia seguinte. Foi informado que demoraria em torno de cinco dias para recebermos os resultados dos exames, mas devido minha mãe pertencer ao grupo de risco, pois é cardíaca, hipertensa e idosa, ela procurou fazer o teste rápido na farmácia no dia posterior (quarto dia de sintoma).
No teste rápido da minha mãe foi diagnosticado positivo para COVID-19. Nesse dia ela teve muitos sintomas, dor de cabeça, cansaço, pressão baixa, temperatura corpórea baixa. Estive o tempo todo cuidando dela, pois meus sintomas eram bem leves e eu estava muito preocupada com a sua saúde. Decidimos então, passar por uma avaliação médica particular, uma médica amiga da nossa família. Ela foi muito atenciosa e considerou todas as queixas e dúvidas que tivemos em relação ao estado de saúde da minha mãe e suas comorbidades. Explicou como a doença tem se manifestado em pessoas com comodidades e quais cuidados precisam ser redobrados de acordo com as patologias.
Seguimos ao longo dos quatorze dias sendo medicados e recebendo o apoio de todos os amigos e familiares. Para muitos a chegada dos últimos dias de isolamento é esperada com alegria por vencer a doença, mas para mim foi cercada de muito medo e insegurança. A médica disse que os cuidados ao longo de todo o tratamento eram primordiais, pois algumas medicações precisavam ser tomadas por mais de duas semanas. Ela explicou que alguns pacientes com comorbidades ao longo dos quatorze dias apresentaram piora nos seus quadros clínicos devido a indisciplina no tratamento. Então, no décimo terceiro e décimo quarto dia fiquei bastante atenta a todos os sinais e comportamentos da minha mãe, para que eu tivesse certeza da real melhora dela. E assim, recebemos alta depois do período de isolamento.
Durante e após o período de isolamento, apresentei alguns sintomas neurológicos como falta de concentração, falta de memória, dificuldade em concluir frases verbalizadas, raciocínio lento. Provavelmente, esses sintomas foram intensificados devido às alterações emocionais durante esses dias. Solicitei afastamento por duas semanas das atividades da faculdade e dos grupos de estudos que participava, preferi me ausentar de esforços cognitivos nesse período para que eu pudesse me recuperar mais rápido. Afinal de contas, já estou no último semestre de faculdade, e sou responsável pela avaliação e tratamento psicológicos de pacientes na clínica-escola (com apoio e respaldo técnico de supervisores). Além de estar em processo de finalização do meu trabalho de conclusão de curso. Ao longo dos dias esses sintomas foram desaparecendo quase que por completo.
O apoio familiar e de amigos foi muito importante para manter o equilíbrio emocional e a saúde mental. Diariamente eles me mandavam mensagem para saber da nossa evolução e diziam palavras de carinho e esperança. Com alguns deles, troquei experiências de como foram os quatorze dias de sintomas e sobre situações que poderíamos passar. Isso foi, sem dúvidas, a parte que mais me fortaleceu, entender o que outras pessoas passaram e conseguir controlar o medo de que algo mais grave pudesse acontecer a qualquer instante.
E por falar em medo, como foi assustador estar realmente inserida nessa experiência. A notícia do teste testar positivo foi um dos momentos mais assustadores da minha vida, sentir que você não tem controle sobre essa doença, não saber ao certo como ela reagirá no seu corpo, o que iria sentir, foram pensamentos constantes na minha mente. E ainda, outras pessoas da sua família também testarem positivo e esses mesmos medos se projetarem a eles, foi bem difícil de lidar. Foi um desafio psicológico dia após dia, para que não tivesse nenhum descontrole emocional, fora os sintomas físicos característicos da doença.
Passar por essa experiência de pandemia e estar contaminada, me fez repensar muito sobre os comportamentos humanos e como o ser humano leva a vida. Saber que o mundo está adoecido, muitas pessoas morrendo, famílias sendo devastadas pelo luto de um familiar, pessoas perdendo seus empregos, hospitais lotados e sem vaga de UTI, me fez refletir a respeito do quanto ainda precisamos compreender sobre responsabilidade social. Não dá para continuar sendo a mesma Jéssica de um ano e meio atrás. Não dá para ser indiferente a dor do outro em meio a tanto sofrimento. Empatia foi um dos grandes aprendizados que tive ao longo desses quase dois anos de pandemia.
Mesmo com tanta angústia e sofrimento, também percebi que ainda tem muita gente bacana e solidária nesse mundo. Vi muitas ações sociais sendo realizadas, muitos profissionais realizando assistências gratuitas às vítimas diretas e indiretas do COVID. Pude repensar à minha maneira de me relacionar, e principalmente, a demonstração de afeto com pessoas próximas. O isolamento social proporcionou que, por meio de palavras, vídeo chamadas e ligações, a distância física já não fosse tão distante assim. Perceber que evoluir também é repensar como você pensa, age e interage foi essencial para que eu entendesse os efeitos da pandemia na minha vida.
Além das mudanças pessoais, pude entender melhor a experiência de empatia com as outras pessoas no meio de tanto caos. Sei que serei uma psicóloga ainda mais dedicada a minha profissão e aos meus pacientes. Pois, o mundo precisa entender que a dor da perda, em qualquer área, causa muito sofrimento, e esse sentimento precisa ser respeitado. E eu, enquanto profissional de saúde mental desenvolvi ainda mais habilidades de compreensão e dedicação a técnicas científicas para melhoria da qualidade de vida dos meus pacientes.