A própria piada da vida adulta

César, pai de uma criança de quatro anos e casado com Marta, apresenta um perfil significativamente comum e padrão sociável. Pai, casado, assalariado, quita suas dívidas e estão todas em dia, apresenta uma vida de adulto bem típico. Era habitual nos dias rotineiros de César, no trajeto da sua casa até a escola do seu filho João, acontecer diálogos breves, mas complexos entre o filho e o pai, pois a criança gostava de dialogar com ele. A partir disso acabava levantando muitos questionamentos que para a criança eram simples, mas para o pai, geram ponderações intensas. 

Quando isso acontecia, o pai acabava desconversando e distraía a criança com outro assunto ou alguma brincadeira que inventava de última hora. Depois, deixava a criança na escola e tentava refletir sobre, mas terminava os questionamentos angustiados. Muitas vezes, preenchia seus pensamentos com outros conteúdos menos complexos, como o rendimento do seu jogador predileto de futebol preferido no último jogo do seu time. 

Em um desses episódios, a criança começou a falar que na escola, tinha conhecido dois novos amigos e que eles estavam se divertindo bastante nas aulas durante alguns intervalos e no recreio. Seu pai, curioso, perguntou do que brincavam. Ele disse inocentemente: 

-De boneca pai, e de carro, e de salão de beleza, e de futebol…

Seu pai, um pouco assustado com a resposta pois não esperava que seu filho tivesse essa iniciativa, de brincar de boneca ou afazeres sujeitos socialmente a mulheres, perguntou pacientemente:

-Filho, quem te ensinou a brincar dessas coisas? 

Fonte: encurtador.com.br/apzN7

 

A criança espontaneamente respondeu:

-Ué, você papai, me ensinou tudo! Os meus amigos começaram a brincar de vida adulta, imitando os pais, e eu resolvi te imitar. 

O pai, cada vez mais curioso e preocupado com o que as pessoas iriam pensar a seu respeito, já que o meio no qual estava inserido assim como a sua criação eram machistas, perguntou já um pouco alterado:

-Mas desde quando nós brincamos de boneca, de ir ao salão, de fazer comida, filho?!

A criança prontamente respondeu:

-Papai, você faz tudo com a mamãe. Ela pede pra vc ir deixar ela no salão e você me leva e fala que vai brincar de boneca, porque você fica lá com ela. Ela te chama para cozinhar e então você brinca de comidinha comigo e com ela. E no futebol também papai. Eu fiz algo de errado, papai?

A criança já tinha reparado a mudança brusca no humor do seu pai e se intimidou com sua reação, se expressando com uma feição de choro e de arrependimento. Seu pai, que ouviu e ficou perplexo, ao mesmo tempo ficou constrangido pois a resposta da criança a partir da sua concepção infantil fazia total sentido. Reconhecendo isso, abraçou seu filho, o acalentou e falou amorosamente a ele:

-Não meu filho, não fez nada de errado. Pelo contrário, você foi bastante criativo! E gostaram da brincadeira?

Fonte: Google Imagens

 

A criança respondeu que sim e riu com certo alívio, em seguida detalhou cada vez mais as brincadeiras, assim como a participação dos seus coleguinhas. Contudo, seu pai já não estava mais prestando atenção e se concentrou na resposta do filho, que ainda ressoava em seus pensamentos. 

Percebeu, como se fosse uma explosão em seu cérebro, que já não era tão machista assim como era no início do casamento. E que com a chegada do filho, ficou menos ainda. Concluiu que toda sua criação, que a separação de papéis sociais por gênero era uma eterna piada para as crianças e se sentiu um bobo perto do filho. Riu de si mesmo como uma piada ruim e deixou seu filho na escola.