Minha história com o SUS era igual a maioria das histórias dos brasileiros, até o ano de 2016. Eu recorria ao serviço quando necessário, principalmente em caso de urgência. Não tinha preocupações a respeito do funcionamento, estrutura ou políticas que constituem o Sistema. Raras foram as vezes que frequentei o CSC e geralmente recorria ao hospital, salvo os últimos anos, quando a primeira UPA foi instalada na minha cidade, Porto Nacional – TO.
Mesmo sem saber sobre o funcionamento e composição do Sistema Único de Saúde, me interessei e escolhi uma profissão da área da saúde. Em 2014 ingressei na faculdade de psicologia, profissão que tive contato através de atendimentos por meio do plano de saúde. A universidade é particular, com grande parte dos estágios e serviços integrados configurados às margens do SUS, no serviço-escola. Logo, o contato com o SUS é muito limitado, por diversas razões.
Para uma faculdade que precisa cumprir prazos e formar grandes turmas é preciso ter um fluxo fixo e certo para atividades práticas. Por questões sistemáticas e burocráticas, o SUS apresenta-se um campo muito limitado e fluxo muito variado, o que não atende à demanda do curso. Com o conflito dos sistemas, cada serviço busca alcançar suas metas sem priorizar a integração recomendada, fazendo com que o discente construa uma formação baseada em conhecimento teórico raso e raro contato com o Sistema de Saúde, mesmo sendo este uma das maiores portas de admissão de psicólogos recém-formados.
As pessoas que fazem cursos da área da saúde em instituições privadas se formam em uma bolha e chegam ao SUS sem saber como trabalhar, onde se encaixam, quais são as suas atribuições e variações na prática do profissional de acordo com sua função e ambiente inserido. Vastos são os prejuízos devido a essa distância entre formação teórica e a prática na saúde.
Tudo mudou quando, em 2016, fiz uma matéria institucional que falava de maneira mais clara sobre o SUS. Nesta época, surgiu o processo seletivo para participar do PETSaúde/Gradua-SUS, programa do Ministério da Saúde em parceria com a Prefeitura de Palmas, que busca promover estudos a respeito do Sistema, suas demandas e desafios. O tema deste PET está voltado para a alteração da grade curricular de cursos da saúde, estratégia pensada para diminuir o abismo existente entre a graduação e o serviço. Funciona a partir de grupos formados a partir das divisões de curso, de variedade de modalidades e com reuniões mensais, tendo como base a pró-atividade e funciona a partir da metodologia ativa.
Os chamados Grupos Tutoriais são compostos por docentes (tutores), discentes e profissionais da saúde (preceptores) de uma mesma ciência, que discutem questões e realizam atividades voltadas para a área do saber específica. Neste contexto eu pude me realizar, uma vez que a equipe de psicologia é formada por profissionais dispostos, acessíveis e compromissados, articulado pela coordenadora de atividades do curso e muito bem construído, resultando em rico aprendizado.
Os Grupos Ampliados são compostos por discentes, docentes (tutores) e profissionais da saúde (preceptores) das mais variadas áreas, como o objetivo de trabalhar com uma realidade multidisciplinar. Esta experiência se mostrou reveladora, uma vez que possibilitou o contato direto com os muitos desafios de uma equipe multidisciplinar, desde a integração dos saberes (interdisciplinaridade) à dificuldade de organização de horários para encontros proveitosos, bem como as riquezas de diferentes perspectivas sob um mesmo fenômeno.
Neste programa tive a oportunidade de acessar serviços e experiências que a universidade não tem condições de proporcionar sozinha. Visitei unidades, coletei relatos, assisti oficinas, participei de rodas de conversas e debates, realizei intervenções e vi de perto uma realidade que até então eu não tinha me apropriado, nem como usuária e nem como futura profissional.
Vi na prática a divisão dos níveis de atenção, o fluxo de atendimentos, encaminhamentos e tratamentos. Ouvi opiniões das mais diversas perspectivas a respeito da prática na divisão de territórios. Passei por diversas áreas do conhecimento e pude compreender melhor a forma que uma equipe multiprofissional trabalha, sabendo o que cabe a um psicólogo e aos demais profissionais, bem como seus desafios.
Aprendi muito sobre o funcionamento do SUS, objetivos e desenho das redes e talvez a maior lição que o tive ao participar do PET-Saúde é que a falta de informação e conhecimento a respeito do sistema é uma das maiores dificuldades que enfrentadas para o seu bom funcionamento.
Por não saber o que fazer, muitos profissionais trabalham de maneira inadequada. Por não saber onde ir, o usuário atravessa o fluxo do serviço, atrasando o processo. Uma estratégia para otimização do serviço seria a disseminação de informação de maneira mais direta, fazendo com que serviço e comunidade se ajudem em cooperação mutua para o bem geral.
Infelizmente é um programa também limitado e o que os participantes conseguem repassar para os colegas de curso que não participam é um conhecimento mínimo, mas com certeza não é em vão, uma vez que se mostra um grandioso passo na construção de graduações mais próximas da realidade profissional.
Hoje sou uma graduanda privilegiada por ter vivido, aprendido e participado de experiências tão valiosas. Saio do curso com uma consciência diferenciada e mínima propriedade sobre o SUS, o que já se mostra vantajoso na minha constituição como acadêmica, profissional e cidadã. Me dispus a sair da zona de conforto e embora tenha sido muito corrido, por vezes angustiante e até mesmo doloroso abraçar esse programa, com certeza me foi positivo. Hoje sou mais do que imaginei. Me refiz e sou uma versão melhor de mim mesma, nas mais variadas perspectivas. A resiliência me abraçou, me fez crescer e eu tenho imensa gratidão pela oportunidade de fazer parte desse programa e de viver tantas surpresas.