CORRERIA: a sobrecarga de atividades e a luta contra o tempo.

Lucas Nunes Barbosa – lucasnunesbarb@rede.ulbra.br

Não imaginava que escrever sobre si mesmo fosse tão difícil. Durante toda a minha vida, a palavra “correria” sempre esteve no meu vocabulário, e eu vou explicar o porquê no decorrer deste relato. Falando um pouco sobre mim, eu sou filho caçula de uma relação com três filhos, nascido e criado em regiões periféricas, em Porto Nacional, uma cidade vizinha da capital do Tocantins. Desde moleque, minha rotina sempre foi comprometida, e eu irei apontar aqui algumas experiências vivenciadas nas minhas fases de desenvolvimento.

Aos 4 meses de vida, meu pai faleceu e então, minha mãe se tornou mãe solo, e decidiu assumir esse posto até hoje, pois tinha muito medo de ter um novo homem dentro de casa que não tratasse bem seus três filhos. Desde que me entendo por gente, minha mãe trabalhou na educação, e foi naquela educação onde o profissional tinha que fazer de tudo, já foi professora do berçário até o EJA- Educação para Jovens e Adultos, e eu acho que a correria vem de berço, porque sempre vi a minha mãe muito atarefada, e vejo  essa mesma correria nos meus irmãos. 

Desde muito novo, eu sempre fui vizinho de locais marginalizados, onde a presença de crimes era bastante comum. No meu ensino médio, tinha vários colegas que apresentavam condutas condutas criminosas. Assim, minha mãe viu a necessidade de preencher esse período que eu não estava na escola com compromissos que ocupavam o meu tempo livre, de forma que me deixasse mais distante da rua. 

Quando criança, fui colocado em um instituto rodeado de policiais (risos) o Pioneiros Mirins, um local onde recebíamos auxílio escolar, acesso ao esporte, e tinha uma doutrina militar onde os alunos deveriam seguir um padrão de comportamento, educação e por aí vai. Então minha rotina nessa época se resumia em ir de bicicleta para a escola (junto com a minha mãe que trabalhava lá), retornar para casa e no período vespertino ir para esse tal Instituto também de bicicleta, não era tão perto e isso me deixava exausto. 

Aos 12 Anos, esse Instituto que citei anteriormente já não existia, e então, minha mãe decidiu que deveria procurar outra coisa para evitar esse meu contato com má influência na rua, e dessa vez foi auxiliando em um mercadinho do bairro, da amiga dela, e então, eu ficava pela manhã na escola e ao retornar eu ficava nesse mercadinho até a hora que minha mãe chegasse em casa. É importante dizer que nunca foi para completar renda em casa, não só a minha mãe, mas tias e primos mais velhos, sempre deixaram claro os perigos da rua, e a visão que as pessoas/autoridades tinham de jovens negros que moram em região periférica. 

Com 14 anos de idade eu fiz um processo seletivo para entrar no Instituto Federal aqui da minha cidade, e cursar o Ensino Médio Integrado a um curso técnico em Meio Ambiente, felizmente eu passei, mas a correria REAL começou aí, o ensino era integral dois dos três anos de curso/ensino médio eu percorria de bicicleta acompanhado de um amigo de infância, a rotina consistia em realizar esse percurso quatro vezes por dia, era em média 10 min de percurso, que quando considerado o sol Tocantins de meio dia e das 14 horas, pareciam horas (risos). Aqui o ensino era diferente, e o nível de exigência também, nesse período eu conheci pessoas muito importantes.

Após finalizar o Ensino Médio/ Técnico eu ingressei na faculdade a cerca de 60 km de distância da minha casa, em Palmas, no curso de Sistemas de Informação, em paralelo a isso eu também comecei a trabalhar como aprendiz aos 17 anos. No começo a minha rotina se baseia  em trabalhar como aprendiz em meio período, ter a tarde para estudar e descansar,  e pegar um transporte universitário no fim da tarde  para a cidade vizinha diariamente para fazer faculdade. Então eu tinha a minha manhã, noite e algumas madrugadas comprometidas. 

A quase cinco anos atrás, eu deixei de ser aprendiz e deixei de cursar Sistemas de Informação, eu consegui uma bolsa para cursar Psicologia, um curso em que eu realmente me sentia motivado em cursar e passei a trabalhar efetivamente na empresa onde eu era aprendiz, atuando como Analista de controle de qualidade em um laboratório físico químico, em uma indústria de alimentos , esse período por mais tenha sido muito bom, foi de muito sacrifício, pois minha rotina passou a começar muito cedo, às 4:50 da manhã para ir trabalhar, retornar e me direcionar diariamente para Palmas estudar.

Afogado em livros
Fonte: Pixabay

Esse período foi marcado por muito esforço, em busca de me tornar um profissional acima da média, de me sentir útil/ relevante e poder dar orgulho para a parte da minha família que sempre torceu por mim, mas também, mostrar que sou capaz para outra parte da família e sociedade que sempre duvidou, então eu confesso que esse período foi de uma constante busca por espaço, com excessiva cobrança comigo mesmo, e alto nível de exigência. 

Atualmente eu sigo no curso de Psicologia, mas agora, na reta final do curso,  a correria é ainda maior, conciliar aulas, estágios, supervisões, e atendimentos, não é nada fácil e já não é mais somente em um período, os compromissos por vezes contemplam o dia todo, e o fato de morar em outra cidade potencializa ainda mais a dificuldade em concluir todos esses compromissos. Sigo na mesma indústria, mas agora trabalhando como  monitor de processo e auxiliando na gestão de uma equipe operacional, na linha de produção. Uma função que exige mais de mim, do meu tempo, do meu preparo físico e controle emocional. 

É importante lembrar que além de toda essa correria, ainda existem as responsabilidades sociais, com a família, os problemas pessoais, as relações no geral, hobbies e as outras coisas que permeiam uma vida normal. A luta contra o tempo sempre foi um desafio para mim, e por diversas vezes achei 24 horas tão pouco. No entanto, entendo que isso tudo foi e é importante para quem eu sou, e confesso que quando vivo fora dessa realidade de ter sempre muito o que fazer, me gera muita estranheza e inquietação.

Mesmo que eu tenha me adaptado a esse estilo de vida, com muitos compromissos, assumindo responsabilidades, e me enfiando em novas atividades, é inegável que isso resulta em algumas complicações, pois me vejo cansado por diversas vezes, com o nível de estresse elevado, dedicando poucas horas para o sono e boa alimentação, e até mesmo exagerando diversas vezes no uso de cafeína para auxiliar se manter ativo, e tudo isso tem um preço.

Andrews (2003) Trás o estresse como um dos fatores que podem trazer prejuízos para o equilíbrio do indivíduo, podendo então afetar a qualidade de vida. Selye (1936) completa dizendo que esse estresse se dá por uma reação do organismo frente a esse acúmulo de esforço, e que por mais que consigamos lidar com essas tarefas, ainda assim podemos ter dificuldade em ter uma sensação de bem-estar. E isso eu vejo em mim, eu sempre costumo cumprir metas, datas e horários, e por mais que eu consiga contemplar tudo isso, a sensação de estar estressado e agitado, é inevitável. 

Referências

ANDREWS, Susan. Stress a seu favor: como gerenciar sua vida em tempos de crise. São Paulo: Agora, 2003

SELYE, H.A. Syndrome produced by diverce nervous agents. Nature; 1936.