Numa manhã bastante quente e ensolarada na cidade palmense tudo estava de acordo com o esperado. Carros buzinando, pessoas de manhã já bem cedo nas paradas de ônibus e os fatídicos alunos, de todas as idades, gêneros e jeitos se direcionando ou para as universidades ou para a escola. Em um dia comum na rotina de aulas em uma universidade em Palmas Tocantins, no segundo semestre de 2019, um professor pediu aos alunos uma demanda: solucionar um problema de modo criativo.
Isso aconteceu na metade da aula. No primeiro momento dela foi apresentado o que seria a criatividade, que é usar os recursos necessários em seu contexto para enfim solucionar o problema, mas de modo espontâneo e natural. Além disso, demonstrou que essa faculdade humana era muito necessário para nós, futuros psicólogos, pois haverá contextos fora dali que não irão nos favorecer, o que implicaria em fazermos algum “jogo de cintura” e acionar ou trabalhar a criatividade.
Contudo, um aluno muito atento à aula e empenhado na demanda, interrogou o professor dizendo:
– Ô fessor, como é que vou fazer isso se já estou sendo pressionado a ser criativo? Não era pra ser algo espontâneo, como a própria criatividade demanda?
O professor ouvindo isso riu junto aos demais da classe, demonstrando coerência com a pergunta do aluno, e disse:
– De fato! Tem razão. Para ser criativo precisaria sim de um contexto no qual você sinta a necessidade de ser criativo e que algo natural flua até achar uma solução. Já que você pontuou muito bem, o que sugere para solucionar este problema?
– Ué, não faço a mínima ideia professor! Hahaha. E em seguida o aluno soltou uma gaiatada, mas foi de nervoso com a demanda inusitada.
O professor, que já tinha calculado tudo antes, pois esperava que alguém notasse esse detalhe, se direcionou a toda a classe e os interrogou:
– Então, o que acham de nós, neste momento, entrarmos agora na atmosfera da imaginação e criarmos um contexto no qual precisaríamos, como psicólogos, sermos criativos?
A sala ouvindo cada passo e palavras do professor atentamente continuou em total silêncio, pois estavam esperançosos de receber alguma demanda individual. Contudo, o professor continuou.
– Bom, trouxe uma caixa de som e vou colocar uma música relaxante. E quero que todos vocês fechem seus olhos. Em seguida, acompanhem com a imaginação de vocês o que vou narrar e depois vocês me respondam.
Todos obedeceram. Cerraram os olhos firmemente e o professor em seguida colocou uma música instrumental muito tranquila. Assim que iniciou, começou uma narração de um contexto bem pacífico, dizendo:
– Digamos que todos vocês estão em um local aonde há uma equipe multidisciplinar. Há dentistas, médicos, nutricionistas, fisioterapeutas etc. E vocês, psicólogos. Contudo, todos foram abandonados em uma ilha carente com a comunidade local. E só poderiam sair de lá até resolver as demandas daquela comunidade. E então, o que fariam? E por favor, podem abrir os olhos.
Uma moça que estava na primeira fileira, levantou sua mão. O professor deu a oportunidade a ela para falar. E então disse:
– Bom, eu particularmente não usaria a criatividade no primeiro momento e sim o desespero. Com certeza entraria em pânico, mas uma hora eu iria aceitar e iria ver como sairia dali.
Em seguida, outra moça levantou sua mão e já disse em disparada:
– Poxa, só fato de não sair de lá te deu desespero? Mas e quando você não conseguir de fato resolver um problema de uma comunidade e mesmo assim voltar pra casa? Não iria dormir com peso na consciência? Ou não iria duvidar das suas competências?
A moça que foi questionada rebateu logo em seguida.
– Nada a ver! E por acaso eu sou Deus? Como que vou resolver as demandas sem o serviço depender só de mim? E a psicologia é ampla, não precisa atuar só nas comunidades. Disse a moça com desdém.
O professor interrompeu as duas dizendo:
-Bom, obrigado pela participação de ambas, mas primeiro quero pontuar alguns detalhes. A situação de fato é um tanto desesperadora, mas geralmente são nestes contextos que a criatividade surge. Além disso, é importante a gente considerar que a psicologia, mesmo que não atue só em comunidade, preza pelo bem estar integral do ser humano. E em qualquer contexto pode surgir imprevistos nos quais não estamos preparados, sendo em comunidade ou não. Por isso é importante exercitarmos a criatividade pessoal.
Outro colega, inusitadamente, exclamou:
– Bom, no fritar dos ovos a criatividade só vai rolar mesmo quando você tiver sozinho, sem nenhuma ajuda e tendo que se virar nos 30. Mas valeu a tentativa prof.
Todos riram, inclusive o professor. De modo geral, a criatividade imposta não acontece de modo espontâneo, mas é importante lembrar que ela pode ser amadurecida, resolvendo o mesmo problema criando várias soluções e saindo da zona de conforto.