O jantar estava marcado para as19h30min, mas é incrível como nunca consigo chegar no horário definido. A razão vem do fato de eu trabalhar manhã, tarde e noite. Para quem está escandalizado com essa informação, informo que amo o que faço e não sou a única no planeta nessa situação. Embora eu considere que, para algumas pessoas, às vezes pareço um ser de outra galáxia.
A respeito dessa afirmativa, para quem julga que sou exagerada, tirem suas próprias conclusões com a narrativa acerca desse jantar.
Recebi a mensagem no celular “Amiga, vc não vem?”. Então, constatei que já eram 21 horas. Respondi à mensagem, imediatamente, com o clichê “Estou chegando”. Quando uma mulher envia uma mensagem com essa informação, imagine que ela chegará daqui a uma hora, no mínimo. No nosso dicionário, os significados das expressões são um pouco diferentes do convencional.
Assim, cheguei,ao apartamento de minha amiga, 65 minutos depois. E ela me recebeu com aquele sorriso de compreensão pela “minha pontualidade”.
Então, imaginem que o jantar já ocorrera há séculos, que todo mundo já conversou e se enturmou. Ou seja, você chega exatamente nesse momento de plena harmonia entre os presentes. Ah! Eu falei que nesse jantar havia só mulheres? Não?! Acrescentem essa informação, por gentileza. Ela é primordial para o entendimento desta narrativa.
Seguiram-se as apresentações de praxe, sorrisos, apertos de mãos, abraços, elogios. Tudo tipicamente e maravilhosamente habitual nas relações gentilmente femininas.
Sentei à mesa, e passei a observar o assunto em questão. Percebi logo que todas falavam sobre filhos. Filhos na escola, filhos e o plano de saúde, filhos e os problemas do dia a dia, filhos, filhos, filhos… Enfim, o prazer de ter filhos. Foi o veredicto final.
Enquanto ouvia a tudo com uma atenção distante, permaneci em silêncio, sorrindo de vez em quando. Senti-me como alguém lendo um livro em japonês. Eu sabia que o assunto era interessante, mas, por não saber japonês, não entedia muita coisa do que estava escrito naquele livro. Por isso, eu sorria quando todas sorriam e ficava pensativa e preocupada quando todas assim se comportavam. É como seguir um trio elétrico fazendo as coreografias, sem entender, algumas vezes, o porquê de você estar fazendo aquilo.
Na realidade, eu torcia para que virassem logo a página daquele livro para falarmos de outro assunto. Quando a página do livro ia sendo virada. Eis a pergunta inevitável a mim direcionada:
– Você tem filhos?
Todas se voltam para mim abruptamente.
– Não! Respondo com um sorriso tranquilo nos lábios.
Sempre admiro as pessoas corajosas e foi a mais corajosa delas que me questionou:
– É casada?
– Também não! Respondi como o mesmo sorriso tranquilo.
– Mas já foi casada? Perguntaram com um certo desespero.
– Tive um relacionamento de 8 anos. E outros também bem longos – respondi com ar de justificativa.
– Ah! – responderam todas aliviadas.
Entendi esse “Ah!” como uma aceitação. Eu tive um relacionamento, logo eu era uma mulher solteira, sem filhos, mas que teve um relacionamento. Esse é um critério obrigatório a ser cumprido. Como um silogismo vital impregnado nas mentes femininas.Confesso que, diante desta constatação,tive vontade de ligar para o meu ex-namorado e agradecer: “Obrigada por termos tido um relacionamento. Sou aceita na sociedade por sua causa”. Mas foi uma ideia passageira, admito.
– Você não pensa em ter filhos? Insistiram com olhar de desafio.
– Estou tentando. Comecei criando uma planta. Depois crio um peixe. Em seguida, o cachorro. Se todos sobreviverem, começo a pensar na criança– respondi sem poder me conter. Foi automático. Mereço felicitações pela minha sinceridade.
– Nossa! Que diferente pensar assim– comentou-se com um ar de sutil descaso.
– Mas, a planta está viva ainda?- perguntaram com um ar de sincera curiosidade.
– Não, infelizmente! Morreu há dez dias. Viajei e a esqueci na sacada. Foram 15 dias de férias. Acho que ela morreu de saudades.
Espero que acreditem que, realmente, considero que a causa mortis da planta foi SAUDADES.
– Hum! Que triste! Suspiraram todas.
Minha amigaresolveu fazer uma intervenção naquele diálogo que caminhava para as lágrimas e sugeriu mudarmos de assunto. Então, começamos a falar sobre carros.
– Vamos trocar de carro. Meu marido está pensando em comprar um sedã com um mega porta-malas para acomodar melhor nossa bagagem quando formos viajar, principalmente agora que as crianças cresceram. Mas, estamos em dúvida entre tantos modelos de carro–informou uma das mulheres mais simpáticas, dentre todas as simpáticas que estavam no jantar.
– Também quero trocar de carro e confesso que é uma tarefa muito estressante mesmo–contribui com a conversa.
– Por qual modelo você quer trocar? –perguntaram com ar agradável.
– Estou em dúvida entre um Troller, Pajero ou um Jipe– respondi com entusiasmo.
– Nossa! Que exótico! – comentaram meio assustadas.
– Quero conhecer o Jalapão. Fazer trilhas. Conhecer o Brasil estilo OFF ROAD. Carpe Diem!!!! – sentenciei a máxima da minha vida.
Fez-se o silêncio das horas tardias, como citou Stanislaw Ponte Preta. Parecia que não falávamos a mesma língua. Porém, quem disse que a diversidade não tem seus encantos?
Despedimo-nos com alegria. Eu desejei a elas que seus filhos fossem muito felizes na escola, em casa, para toda a vida. Até dei dicas de bons colégios e excelentes cursos (disso, eu entendo!). Ah! E trocamos telefone para nos ajudarmos a escolher o melhor carro.
Em troca, todas desejaram que eu me saia melhor na segunda etapa da preparação para os filhos. Disseram que o melhor é criar um beta por conviverem melhor com a solidão. Fiquei pensativa com essa palavra “Solidão”.
Cada uma entrou no seu carro e fomos continuar vivendo nossas vidas. Elas com seus maridos, filhos, escola e carros sedã. Eu, com meus planos de conhecer a Europa como mochileira e pensando se realmente quero criar um peixe. Ou seja, cada qual feliz a sua maneira, vivendo seu Carpe Diem de forma particular.
Nós somos adoráveis por sermos assim, diversas na unidade múltipla enigmática e fascinante de ser MULHER.