Marcos Antônio Silva Carneiro – jornalista
Nunca acreditei no significado tradicional, quase dogmático, de família. Papai, mamãe, filhinhos. Se fosse assim, pensava eu, quando esse grupo de pessoas se desfazia, não se chamaria mais de família?
Há pessoas que, por questões sociais, e mais profundamente por sangue, acabam por conviver para sempre ou por um determinado momento de suas vidas. Suas existências se entrelaçam ou seguem uma jornada paralelamente. Mas e o que dizer daquelas que se escolhem, sem as relações sociais ou a definições genéticas?
Eu tenho duas mães. Uma a qual estou ligado há 42 anos e nove meses e amo, e outra há 42 anos, e amo. Essa dupla maternidade, unicamente explicada pelo afeto de duas mulheres por mim desfez, pelo menos em minha jornada de autoconhecimento a ideia obrigatória de família do sentido literal, religioso ou mesmo legal.
Uma, Francisca me gerou e escolheu a maternidade. A outra, Cecília, me escolheu. E posso dizer que, entre as poucas certezas que tenho da vida, seu amor é o mais generoso que uma pessoa pode ter pela outra, porque nunca houve uma obrigação moral, genética ou legal dela para comigo. Nossa relação é do mais puro amor.
Era de se esperar, por Francisca ser a pessoa que é, que amasse todos os filhos que viesse a ter. Mas Cecília não gerou filho algum, não planejou ser mãe, não casou, não pensou em ser mãe solo. Nossas existências se encontraram em um determinado ponto, no caso, o meu nascimento, e de lá pra cá, mais de quatro décadas ela provou ter por mim, um amor daqueles raros, de tamanha generosidade e dedicação que conceito algum conhecido de família poderia definir.
Quando criança, falavam “a sua mãe e a sua tia”. Por mais novo que fosse eu dizia “não, ela não é minha tia. É minha mãe”. As pessoas tentam se enquadrar e enquadrar as situações suas e dos outros em estereótipos, arquétipos, caixinhas. Elas fazem isso porque para muitos a vida só tem sentido se explicada dentro de uma lógica social matemática, que é cruel para quem está à margem desse comportamento esperado.
Mas como explicar o amor de mãe que Cecília nutriu, mostrou e prova todos os dias por mim? Eu mesmo nunca tentei explicar porque não vou racionalizar algo que só me fez bem e, acredito, faz bem a ela. E o mais curioso de tudo isso é que meus pais nunca, em momento algum, se enciumaram, ou tentaram tolher essa relação. Muito pelo contrário. Passei a vida tendo duas casas, dois quartos, duas mães e um pai, e isso é máximo de matemática que posso lhes dar, meus caros.
No último dia das mães, liguei para Francisca para dizer que a amo. Ela terminou dizendo algo que jamais esquecerei. “Marcos, eu te amo, você é meu filho. Eu tenho três filhos e, talvez, a Cecília seja até mais mãe sua do que eu, porque eu acolheria você de qualquer forma, mas ela escolheu você unicamente por se sentir sua mãe. Jamais se esqueça disso”.
Sendo assim, eu retiro o conceito ordinário, comum, de família e adoto o de pessoas que se aceitam, se agregam sem explicar suas relações, unidas apenas pelo tipo de amor generoso que não cobra da vida nada além da felicidade do outro.