Venho através deste relatar um pouco das experiências que vivi nos encontros semanais com algumas mães de filhos autistas, na Associação Anjo Azul, situada em Palmas. Esses encontros ocorreram nos meses de março e abril de 2024, sob a supervisão do professor Sonielson Luciano de Sousa, discente da disciplina Intervenção em Grupos. Atuando como organizadores dessa ação, formamos uma equipe acadêmica composta por Cícera Pereira Dos Santos Cavalcante, Luiz Gustavo Oliveira Vilardo, Nívia Fernandes Kruger, Vanusa Vera Coelho De Sousa, Victória Ribeiro Garcia de Aragão e eu, Leydiane Bezerra de Sousa Silva. Nosso objetivo foi fomentar um espaço de escuta e acolhimento para essas mães.
Falar sobre o autismo nos últimos anos tem sido desafiador para mim. Uma mistura de sensações aflora toda vez que eu ou alguém à minha volta toca nesse tema. Interesso-me pelo assunto e busco conhecer cada vez mais sobre as nuances e peculiaridades dessa condição comportamental humana. Mas ao mesmo tempo, evito falar sobre, não por vergonha, mas por receio de passar a imagem de uma mãe que busca validação para o comportamento “diferente” do meu filho mais novo.
Sim, tenho um filho autista, de 08 anos, o qual me lembra todos os dias que preciso ser mais paciente com ele, comigo mesma e com os demais à minha volta. Ele forjou de muitas maneiras, o meu caráter e do pai dele. Hoje, somos pais mais tolerantes, do que éramos há 18 anos, quando tivemos nosso primeiro filho. Tem sido uma caminhada difícil, mas cheia de aprendizado. Nosso filho caçula nos ensina muitas coisas, dentre elas, a celebrar pequenas conquistas, como sua recente estreia com direito a gol numa partida de futebol de uma escolinha da cidade, visto que antes ele não socializava com as outras crianças, apesar de ele amar futebol. Sua primeira apresentação semana passada, na escola bíblica, onde ele usou o microfone pela primeira vez, mesmo diante da incredulidade das professoras e coleguinhas. Ele nos leva a perceber que uma garrafa pet pode ter o potencial de uma bola de futebol. Sim ele ama jogar futebol com garrafa pet, sabe o nome de quase todos os jogadores e clubes nacionais e internacionais e conhece as regras do esporte. Ele joga todos os dias e nos ensinou a montar um time com miniaturas colecionáveis de carros. O brincar, assim como os outros aspectos da vida humana, é como um matiz: possui nuances diversas, só ainda pouco exploradas. E nós temos a oportunidade de acessar um pouquinho desse mundo novo, através do prisma singular do nosso filho.
Essas experiências são vividas por mães de filhos autistas, mas busco trazer à memória, o fato de que esses filhos são pessoas diferentes, vivendo mundos, realidades diferentes, no âmbito interno e externo. As famílias constroem suas histórias, suas regras, seus legados. Seria leviano da minha parte, achar que por ser mãe de uma criança autista, eu poderia assumir e reter o lugar de fala, ser porta voz de todas as demais. Eis aqui o primeiro motivo para o meu receio quando a minha equipe decidiu atuar na Associação Anjo Azul. Confesso que o primeiro encontro foi tenso.
Quando iniciamos o atendimento, mantive-me quieta, apática até, apenas como mediadora, por medo de ultrapassar a barreira do lugar de fala, que deve ser priorizada em especial na fase de acolhimento, às pessoas assistidas. Estava confiante que as falas das outras mães não iriam me atravessar, mas para minha surpresa, não tão agradável naquele momento, a cada relato, vinha uma enxurrada de sensações, e foi doloroso conter o choro. Senti-me impotente naquele momento, por não conseguir manejar minhas próprias emoções, percebi que precisava compartilhar o que estava acontecendo com os colegas da equipe, e assim o fiz algumas horas após o atendimento.
No decorrer dos encontros seguintes, mantive a postura de mais ouvir do que falar. O receio de assumir o papel da mãe assistida sobre a pessoa que estava ali para acolher, ainda me consumia. Percebi que conhecer técnicas de manejos, estudos, pesquisas, relatos de mães fragilizadas não são suficientes para eu lidar com as minhas próprias fragilidades.
Após uma conversa com os colegas e o professor Sonielson, entendi que poderia compartilhar no grupo, um pouco das minhas vivências. Confesso que foi libertador. Agradeço aos colegas e ao professor pelo acolhimento e pelas palavras de encorajamento.
No penúltimo encontro abordamos sobre a importância da rede de apoio, e naquele momento, naquele espaço, pude discorrer um pouco sobre minha trajetória, no papel de uma mãe, que têm seus medos, dúvidas, e limitações, mas muita vontade e garra para evoluir nesse processo. Foram momentos de acolhimento, descontração, choro e muitas risadas. Compartilhamos a vivência de situações cômicas, engraçadas, constrangedoras, onde muitas pessoas e até profissionais despreparados, ainda não sabem lidar com o que foge do padrão. Sim, o mundo ainda engatinha no lidar com os desafios do TEA. Mas está tentando. O que nos deixa esperançosos. É como um grande quebra cabeça. Vamos seguir encaixando as peças, uma a uma.
Reafirmo, portanto, que essa intervenção me marcou de muitas maneiras, especialmente no quesito “tenho que elaborar minhas próprias questões para pensar em intervir sobre o outro”. Tal situação corrobora com a orientação de alguns professores no decorrer do curso de Psicologia: “a psicoterapia de vocês acadêmicos, precisa estar em dia”. Mais cedo ou mais tarde, vamos ter que lidar com essa verdade. Negligenciá-la não é o caminho mais assertivo.