Epidemias, hanseníase, AIDS, varíola. Vacinação obrigatória. Saúde ao alcance apenas dos trabalhadores de carteira assinada, assegurados pela previdência social. Custos altíssimos de tratamentos. Pessoas morrendo por falta assistência em saúde. Movimentos sociais, constantes lutas pela ampliação de direitos e cidadania. Fatores que influenciaram estreitamente para surgimento do SUS. E a concepção do que hoje é saúde como um direito de todos e dever do Estado. O relato aqui apresentado trata-se de uma vivência de estágio e o contato concomitante com a disciplina de Saúde, Bioética e Sociedade.
Meu contato com o SUS de modo geral é comum aos jovens do século XXI que pouco sabem e se interessam pelo sistema. Como usuária, ao procurar tratamento de saúde e alívio para dores, recebia atendimento e solução para o problema. Porém na minha perspectiva de leiga o SUS era apenas isso, a certeza de ter um lugar falho, que eu poderia recorrer quando a “dor apertasse” ou a doença se instalasse. De modo que, se antes dessas vivências eu fosse falar ou avaliar o programa provavelmente traria muito mais coisas negativas do que relevantes. Remetendo ao caos na saúde brasileira, as grandes filas de espera para receber qualquer atendimento, a escassez de materiais, a superlotação, aos relatos de outros usuários, reportagens de jornais, a situação dos Hospitais Gerais, etc.
Apossando-me daquele velho discurso, “SUS não muda, e nem adianta esperar muita coisa, afinal é público”. A falta de informação e conhecimento sobre o serviço gera pessoas alienadas, que acreditam e percebem apenas de acordo com experiências ruins passadas ou ouvidas e segue reproduzindo discursos do senso comum. De maneira que ao invés de atuar como agentes de mudanças, estão constantemente em busca de atribuir culpas e falhas a outros. Tencionando percorrer caminhos cada vez mais fáceis. Situações essas que começam de nós usuários, profissionais, povo que possuem direitos, mas esquece também dos deveres e compromisso com o SUS.
Espaço que se encontra lotado de especialistas no apontar problemas, mas escasso de pessoas que apresentam soluções, assumem responsabilidades com a visão de sociedade e cidadania. Aspirando unir forças para formação de um sistema melhor. Prova disso são as rivalidades presenciadas nos estádios entre torcedores, nas redes sociais pela divergência de opiniões, em tempos de política nas escolhas de representantes, na intolerância religiosa. Literalmente coisas simples de lidar, mas que tornou sinônimo de caos, guerras e até mortes nos dias atuais. Não conseguimos exercer de forma madura nem a democracia e a liberdade de expressão, imagina as demais coisas.
Vivemos em uma sociedade enraizada na cultura egoísta que não pensa no coletivo, mas obriga este a concordar com ele, não segue regras e assume compromissos, pois sempre tem um “jeitinho brasileiro” pra tudo. Corrupções são justamente produto de pensamentos e atitudes egoístas. Atitudes essas que começam por atos pequenos, inofensivos até chegar em congressos, políticos e refletir em toda uma sociedade, pois são parte de um povo, da cultura de um país. Daí eu te pergunto será mesmo que o problema é do SUS? E digo o problema não é do SUS. Mas está nele diariamente, pois somos nós, são os representantes que escolhemos, sendo então dilemas e responsabilidades que devem ser assumida por todos.
A experiência que tive como estagiária de psicologia no SUS me obrigou a enxergar diferente, e a trocar minhas lentes por essas que trago no presente. Por tempos me encontrei focada apenas nas falhas e opiniões do senso comum, e claro na revolta de usuária que como todos, espera por um serviço eficaz, humano e completo. Pois sim, para esta troca eu precisei passar para o outro lado, e comprovar quantas falhas e faltas há, como o SUS caminha em meio a grandes dificuldades. Contudo o mais bonito de ver é que apesar das grandes dificuldades e burocracias ele ainda acontece.
Foi em meio a tantos problemas que encontrei também pessoas fazendo a diferença sem medir esforços para o sistema funcionar. Na competência de promover saúde, prevenir doenças e se comprometer com um povo, com um país. Nem que para isso seja preciso levar toda equipe até casa de quem necessita ainda que essa casa seja a rua, o indivíduo precisa e é alcançado. Como é possível encontrar hoje profissionais excelentes em um trabalho conjunto aos consultórios de ruas, UBS fluviais, agentes comunitários de saúde, equipes domiciliares (NASF) fazendo cumprir o dever: “…um direito de todos”.
Quando há pessoas que se comprometem e assumem responsabilidades sendo capazes de enxergar a riqueza que é levar saúde a quem precisa. Independente do político corrupto que desviou a verba do SUS, os materiais que faltaram, ele vai funcionar, e isso faz valer a pena cada centavo que continua sendo pago. Porque não depende apenas desses políticos para que aconteça, mas depende de usuários e profissionais capacitados que lutam por aquilo que é de todos, entendendo o valor do que foi conquistado com muito esforço e hoje é oferecido de forma universal. Pois é assim que o sistema em sua grande maioria é percebido por profissionais que o compõem, dando a assistência adequada ou não a população.
Por fim, concluo esclarecendo que o SUS não é imutável, não é serviço de graça e nem apenas para pobres. É para pessoas que o procuram independente de raça, condição financeira, pois ele é universal de direito para todos. Integral que considera o ser humano como um todo. Regional organizado de forma articulada com outros serviços. Descentralizado que divide seu poder em 3 níveis de governo. Atua com a equidade de acordo com as necessidades distintas de cada um. E conta com a participação popular no seu dia-a-dia para construção de um sistema melhor.