Dentre os obstáculos mais complexos de se enfrentar acerca das deficiências, curiosamente, pode-se destacar a falta de informação da sociedade em geral, que, mesmo nas suas melhores intenções, geralmente estão carregadas de preconceitos.
A partir dessa percepção e, estimulada pela Semana da Acessibilidade, evento ocorrido entre os dias 21 e 27 de agosto no CEULP/ULBRA, decidi compartilhar minhas experiências sobre um tema que, para mim, nunca foi muito fácil abordar.
Foto: Arquivo Pessoal
Tenho 25 anos, sou acadêmica do 10º período do curso de Psicologia. Aos 18 anos, mais especificamente no segundo dia de aula na universidade, perdi a visão. Resultado de um descolamento de retina.
Até então, a percepção visual que eu tinha, apesar de pequena (devido a um glaucoma congênito), era suficiente para que eu reconhecesse as cores e o que mais estivesse próximo, embora sem muitos detalhes.
Sempre que relato este fato, todos me questionam sobre como consegui superar tamanha mudança principalmente em uma fase tão complexa e repleta de expectativas, como é o início da vida acadêmica e da juventude.
Mas, abandonar tudo para trancar-me em casa para lamentar-me, nunca foi uma opção.
Antes de falar sobre a tecnologia que atravessa todo esse universo da acessibilidade, é fundamental, ao menos para mim, abordar outro ponto, que, quando se trata de uma pessoa com algum tipo de deficiência, muitas vezes é deixado de lado.
Estou falando do ser humano que, quase sempre, fica escondido por de trás do rótulo do “deficiente”, “coitadinho” e “incapaz”.
Somos TODOS seres humanos que: ficam tristes, choram, alegram-se, sentem, desejam, tocam, sonham, sentem fome, sono, frio, calor, raiva, tomam seus porres, mas que, principalmente, não são criaturas assexuadas como muitos imaginam. Todos nós somos capazes de amar ou não; de frequentar festas; de praticar esportes, e nas mais variadas modalidades.
Ao mesmo tempo em que a sociedade nos subestima, também nos encarrega de expectativas. O que parece um eterno julgo desigual. O portador de deficiência, comumente é comparado ao anjo puro e inocente, quando na verdade não somos e nem queremos ser nada disso. Queremos sim, errar para posteriormente acertar, e ainda, queremos o direito de poder aprender com nossos erros, como qualquer outra pessoa faz.
Esse discurso do “pobre coitado” é carregado de uma pena e dolo subjetivo que nada mais é que o mais puro e arraigado preconceito que encontra vazão de uma forma menos grotesca. Então, somos elogiados pelas “façanhas” mais triviais, e nos dizem que somos extremamente inteligentes por conseguirmos somar 2 + 2, por sabermos de cor o telefone e o endereço de nossas residências. Por subirmos e descermos escadas com agilidade, como se uma pessoa cega não pensasse e nem tivesse braços e pernas.
Foto: Arquivo Pessoal
Claro, há muitas limitações, principalmente quando você não pode contar com a visão para as tarefas mais básicas do dia a dia. Mas, falando agora um pouco sobre como a tecnologia transformou a minha vida, há muito pouco tempo atrás era quase impensável que eu pudesse usar todos os recursos que um celular oferecia.
Parece inacreditável, mas para realizar uma simples chamada, eu tinha de saber todos os números da agenda decorados, ou então, pedir que alguém os olhasse para mim. Sem contar o desafio que era enviar um SMS, que sempre tinham de ser lidos por terceiros.
Apesar de digitar mais rápido do que a maioria das pessoas – lembrando que isso não me faz uma super heroína, pois esta não é uma habilidade sobre-humana especifica da cegueira – eu ainda tinha que consultar alguém para conferir se tudo estava escrito da forma correta. O que era um problema por dois motivos: ninguém é obrigado a ficar lendo o que eu escrevo, e minha privacidade deixava de existir.
São nas coisas mais simples que a deficiência vai complicando a vida, e realizar uma tarefa ou outra, não faz de você um ser humano extraordinário, por executá-la mesmo em meio à limitação. Realizar a tal tarefa é condição básica de quem quer seguir em frente. De quem quer voltar a ter autonomia para gerir sua própria vida.
A tecnologia surge para diminuir a complexidade de todas essas limitações. Com o aplicativotalks, por exemplo, tarefas como fazer uma ligação ou enviar um SMS tornaram-se possíveis sem auxílio de outra pessoa.
Para quem não sabe, o talkes é um dos vários leitores de telas existentes para aparelhos tecnológicos como celulares, computadores etc. A dificuldade é que, além de ter que comprar um celular com sistema operacional android compatível – o que não era tão barato – você ainda precisava adquirir o aplicativo, que custava tanto ou quase quanto o celular.
Esse é o outro lado menos positivo da tecnologia: os lançamentos assim que chegam ao mercado são inacessíveis para a maioria das pessoas que realmente precisam daquele instrumento.
No meu caso, apesar de todo esse avanço que o talkes trouxe no manuseio dos aparelhos de telefone celular, eu jamais poderia imaginar que eu pudesse utilizar um celular touch scream e usufruir todas as suas facilidades pelo preço de mercado.
Com o passar do tempo, empresas como a Apple e a Samsung inovaram agregando o conceito da acessibilidade a seus produtos. Agora, aparelhos acessíveis a todos os públicos deixaram de ser uma mera vantagem de um público seleto para se tornar uma característica da fabricante, tanto quanto qualquer outra de suas funções.
O uso de aplicativos como estes foi o diferencial para a minha vida acadêmica e para que eu pudesse continuar com minha graduação. Pouco a pouco, como subir um degrau de cada vez, vou driblando cada nova adversidade que surge.
Estou prestes a me formar, nesse período tive grande apoio e ajuda da família, amigos, mestres… Pessoas a quem sou muito grata. Mas não considero minha formação uma vitória por eu ser cega, e sim porque a cada nova limitação que surgia, eu dava um jeito de continuar, nunca pensando em desistir.
Aos poucos fui criando um novo modo de aprender, de conseguir meu espaço no mundo.
Minha fórmula? Apenas não desistir!