“A minha mãe, que sinto, mesmo não estando de corpo presente,
mesmo que não saibamos onde se encontra – se não nos nossos corações –
aplaude com orgulho mais essa fase que venci”
Essa foi minha dedicatória impressa em meu trabalho de conclusão de curso. Por quê? Porque ela está em tudo, assim como tudo aquilo que conquisto é para ela.
Foi exatamente no dia 26 de agosto de 1994 que um trecho da minha história acabou. Sei dessa data porque nos últimos dezenove anos eu a escutei diversas vezes e por infinitas vezes ela é considerada a data mais triste de nossas vidas. Se caso não tivessem me falado que foi no dia 26 de agosto de 1994 não saberia, certamente iria descobrir que de repente ela não estava mais por perto. O ruim de ser criança, nessas horas, é exatamente isso; de uma hora para outra o colo sumiu e muitos outros colos (alguns até estranhos) apareceram… e que bom que apareceram.
“O que é mais chato em tudo isso?”me perguntam. O mais chato é quando alguém pergunta por ela e, quando recebem a resposta, cuidam logo de pedir desculpas. Desculpa porquê? Entendo o peso da resposta, também entendo o desconforto, mas não existe uma razão para um pedido de desculpas, porque não há culpados. Não, eu não me sinto triste quando perguntam sobre ela, pelo o contrário, a coisa mais linda entre todas as coisas é saber que ela existiu. Aceito que ela tenha partido, mas não aceito que ela seja esquecida.
“Você sente saudades?” É possível que uma criança, aos cinco anos de idade, sinta saudades? Sim, mas é uma saudade diferente. Os outros sentem saudades do que viveram ao lado dela, sinto saudades daquilo que não vivi e do que eu poderia ter vivido com ela. Penso quase todos os dias como seria se ela estivesse aqui. Às vezes, numa tentativa de suprir essa saudade, simulo situações e as possíveis reações dela, se caso ainda estivesse presente. E funciona.
É bobeira lutar contra a saudade, é travar guerra com um inimigo poderoso e invencível. Prefiro seguir o ditado: quem não pode com o inimigo, une-se a ele.
“Você chorou?” Não sei. Não lembro. Tenho poucas lembranças, tanto dela quanto da última vez que a vi, para falar a verdade. Lembro-me de pedaços de vida, lembro-me de alguns passeios, dos bolos de abacaxi que ela fazia, de ficarmos até tarde assistindo televisão, das broncas e da roupa que ela estava vestindo naquele último dia. Alguns dizem que foi meu “mecanismo de defesa” que agiu e que por isso não recordo, outros falam que por conta da pouca idade é difícil mesmo lembrar (e me apego a essa versão). Aí então,corro, pego algumas fotos dela e pronto: estou salva.
Mas eu choro, por tudo, pela saudade, pelas poucas lembranças, pela impossibilidade de um futuro ao lado dela. Imagino que ela esteja logo ali, de pé, orgulhosa e boba, igual uma mãe como todas as outras. E isso é lindo.
Ela é como uma “sombra de luz” porque está em tudo, está junto ao meu coração, que pulsa todos os dias para me fazer lembrar – e sentir – que ela está aqui, o tempo todo.
Quando vejo alguém passando pelo o que eu passei, a única coisa que aconselho é que chore. Chorar sem culpa e sem culpar. Porque as lágrimas aliviam o peso, lava a tristeza e é somente isso que nos resta, nos confortar entre uma lembrança e outra.
A saudade não passa, é inútil alguém dizer o contrário. Sinto informar, mas, ela só aumenta. Mas deixa de ser uma saudade dolorosa, que destrói o peito e os pensamentos, e se torna uma saudade bonita e, ao invés de chorar, a gente ri e agradecemos: Obrigada por ter existido e me escolhido para passar esse tempo com você.
O que penso sobre tudo isso? Que a senhora minha mãe deve estar muito orgulhosa porque os três presentes que ela deu ao mundo estão crescidos e formados, um deles até é metido a escritor e dedica versos a ela (minha mãe deve estar ‘se achando’ por ter se tornado literatura, eu diria, rs).
É isso, na verdade, não é somente isso, mas é um pedaço da experiência de um coração que, mesmo carregado de saudades, consegue pulsar tranquilamente e que se sente mais feliz ao lembrar que a mãe dele existiu.
Dos versos que dediquei a ela:
“26 de Agosto: data nenhuma parece ser tão importuna quanto essa. Acabo me rendendo às 24 horas pesadas que esse dia traz entre os minutos. Antecipo cansaço uma semana antes. Mesmo se eu fugisse para outra dimensão ainda recordaria esse dia, apesar de não lembrá-lo com clareza. Algumas pessoas chorando, correria, silêncio, questionamentos a Deus, aos santos e anjos. Desculpas esfarrapadas e orações jogadas ao vento, sem querer isso marca qualquer dia do calendário. O mês não faz tanto efeito, o que pesa mesmo é o dia. 26 de agosto, que sempre tem gosto de vazio, embrulha meu estomago, é sempre espera sem resultados. (…) Grito saudade por dentro, dou parabéns à morte por conseguir, só para ela, alguém que todos nós tínhamos. Ninguém nunca me respondeu e nem mesmo sei porque ela se foi.”