Inicialmente gostaria de agradecer ao Grupo de Estudos em Transtornos Afetivos, na pessoa de seu coordenador o Prof. Dr. Fábio Gomes de Matos e Souza pelo convite para estar neste curso intitulado Transtornos Afetivos ao Longo da Vida. Soube que este espaço é um projeto da Universidade Federal do Ceará, vinculado ao Departamento de Medicina Clínica e composto por estudantes de Medicina, de psicologia, residentes de psiquiatria, alem de servidores do Hospital Universitário Walter Cantídio.
Achei importante situar isso porque fiquei realmente curiosa com o convite, pois este supõe que eu possa dizer alguma coisa sobre o tema e, além disso, algo que interesse ao público envolvido nesse grupo. Claro que essa terminologia “Transtornos Afetivos” não me é propriamente desconhecida, pois cursei uma graduação em enfermagem e lá nós aprendemos, entre outras coisas, os quadros psiquiátricos. Mas como já faz um longo tempo que não me dedico a essa área, percebi que tinha que voltar nos livros e tentar perceber melhor o que se chama hoje por esse nome “transtornos afetivos”.
Descobri que, segundo o CID 10 os transtornos do humor ou afetivos são transtornos nos quais a perturbação fundamental é uma alteração do humor ou do afeto, no sentido de uma depressão (com ou sem ansiedade associada) ou de uma elação. Envolvem os Episódio maníaco, Transtorno afetivo bipolar, Episódios depressivos, Transtorno depressivo recorrente, Transtornos de humor [afetivos] persistentes e Outros transtornos do humor [afetivos]
Como isso não me pareceu dizer muita coisa, fui procurar o significado dos termos “Afetividade” e “Humor”. Descobri que a Afetividade é a atividade do psiquismo que constitui a vida emocional do ser humano.O Humor, por sua vez, é a tonalidade afetiva que acompanha os processos psíquicos.
Nesse ponto foi que encontrei um significante que começou a se articular em torno de algumas séries, que me permitiu elaborar uma fala, e vir aqui dizê-la para vocês hoje. Esse significante foitonalidade. Achei maravilhosa essa definição de afetividade e humor como relacionada àquilo que dá tonalidade à vida, que colore a vida, dando colorido a cognição, às percepções, aos conceitos, etc. É a afetividade quem atribui valor e representa nossa realidade. Atribui um colorido às nossas experiências. A Afetividade atribui valor a tudo em nossa vida, tudo aquilo que está fora de nós: como os fatos e acontecimentos presentes ou passados; bem como aquilo que está dentro de nós: nossos medos, nossos conflitos, nossos anseios, etc.A medicina chama de Transtornos afetivos às situações em que esse colorido que damos a realidade está ou mais para preto e branco ou tendendo para cores psicodélicas.
Segundo esse sistema, a explicação para isso estaria em alterações orgânicas (anatômicas – lesões cerebrais, funcionais – alterações do fluxo sanguíneo, metabolismo da glicose) neuroquímicas (alterações nos sistemas serotonérgico e dopaminérgico), etc.Não pretendo entrar nessa discussão sobre a causalidade orgânica desses fenômenos. Embora até hoje os estudos realizados tenham sido inconclusivos, nada impede que um dia encontremos uma base orgânica para os processos psíquicos. Já dizia Freud.
Aliás, sabemos que todo sujeito habita um corpo. Ninguém nunca viu um sujeito andando por ai sem corpo. O que vou falar hoje, no entanto, parte do princípio de que esse corpo que habitamos não é pura e simplesmente carne, orgânico. Ele é habitado, permeado, por algo que chamamos de psíquico, e isso extrapola a dimensão orgânica.
Voltemos ao conceito de afetividade. Dissemos que, para a medicina, ela tem a ver com esse colorido que damos a nossas experiências e que quando essa cor está “alterada, transtornada”temos um transtorno de afetividade. Para podemos falar em transtorno, déficit, alteração, precisamos necessariamente partir de um parâmetros de normalidade. Só assim saberemos se algo está alterado para mais ou para menos.Isso implica em que façamos uma pergunta: qual a cor da realidade?
Ai é que entra a questão que já nos coloca em outro plano: a realidade não tem uma cor em si. Pelo menos para nós falantes. Exatamente porque a cor que vamos dar a realidade depende da nossa faculdade de “representação”. Nós não lidamos com as coisas em si, com o mundo objetivo diretamente. Mas com uma realidade mediada pela possibilidade de representá-la. Foi a isso que Freud chamou de “realidade psíquica”. Nessa perspectiva não são os fatos objetivos que contam, mas o modo como nos apropriamos deles, como os significamos, como os vivemos e como os lembramos.Ou como diria o poeta:
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
O que eu vou abordar aqui só faz sentido dentro de um plano conceitual onde essa premissa é tomada como válida. O que não quer dizer que outras pessoas possam recusá-la.
Bom, então a cor da realidade vai depender da forma como representamos essa realidade. Ocorre que, não existe uma única maneira de representar a realidade. Precisamos acompanhar como isso se processa para podermos abordar as diferentes maneiras de fazê-lo:
Em primeiro lugar, podemos dizer que é impossível representar tudo. Em toda experiência a ser representada há sempre algo que se perde. Isso porque, para representar precisamos usar palavras, e é próprio delas não conseguir dizer tudo. Poderíamos dizer isso de outras maneiras. No texto mal-estar na civilização Freud fala da parcela de satisfação que somos obrigados a deixar de fora para nos constituirmos como humanos. Poderíamos usar também os mitos para nos referir a isso: O mito bíblico fala da perda do paraíso apos o homem provar o fruto proibido. No Banquete de Platão temos o mito dos andróginos que perdem uma de suas metades por tentarem alcançar o Olimpo. Ou ainda, a partir do mito que ficou mais famoso na psicanálise, Édipo que ao descobrir seu destino incestuoso arranca os próprios olhos.
Enfim, a perda está sempre em jogo quando se trata de representar a realidade e a castração é um dos nomes dessa perda. Além disso, vale ressaltar também que essa perda é algo que afeta o sujeito, mas que é algo que se impõe precisamente no campo do Outro. É a castração do Outro (da mãe, vai dizer Freud) que vai angustiar o sujeito, pois obriga-o a se deparar com o fato de que o Outro não é completo, logo o Outro deseja. O que esse outro quer de mim? Essa é a pergunta angustiante com que o sujeito se depara.
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?
Ocorre que Freud já mostrava que existem pelo menos duas maneiras diferentes de se lidar com essa perda.Uma delas ocorre quando o Eu, a serviço da realidade, se dispõe à afastar (reprimir ou recalcar) um elemento tido como traumático. Numa conferencia proferida nos Estados Unidos, Freud propõe uma metáfora interessante:
Imaginem que nesta sala e neste auditório, cujo silêncio e cuja atenção eu não saberia louvar suficientemente, se acha no entanto um indivíduo comportando-se de modo inconveniente, perturbando-nos com risotas, conversas e batidas de pé, desviando-me a atenção de minha incumbência. Declaro não poder continuar assim a exposição; diante disso alguns homens vigorosos dentre os presentes se levantam, e após ligeira luta põem o indivíduo fora da porta. Ele está agora `reprimido’ e posso continuar minha exposição. (Freud, Cinco lições de psicanálise, 1910)
Outra possibilidade diferente de perda desse elemento é aquela que Freud chamou Verwerfung e que Lacan traduziu como Foraclusão. Enquanto que na neurose há uma barreira (uma porta, no exemplo de Freud) que se coloca entre o elemento traumático e a consciência fundando um sujeito dividido (consciente e inconsciente); Na psicose o elemento traumático retorna invadindo a cena, embora sem possibilidade de se integrado simbolicamente a ela.
Ocorre que esse elemento negado não fica passivamente do lado de fora após ser expulso. Ele impõe sua presença, pois a força que imprime ao tentar se satisfazer não cessa nunca. O que vai se definir então é uma diferença na maneira de lidar com o retorno desse elemento excluído – isto é, na reação contra a repressão e no fracasso da repressão.
Grosso modo podemos dizer que na neurose a tentativa de retorno desse elemento envolve o processo de formação de sintomas: no corpo (na histeria), no pensamento (na neurose obsessiva) ou em elementos do mundo externo (fobia). Na psicose o que vamos ter é aquilo que Lacan chamou de um “inconsciente à céu aberto”com todos os fenômenos de invasão experimentados como alucinações, sensações de fragmentação do corpo, fuga e descarrilhamento de idéias, etc.
Mas não se trata de afirmar, como é frequente ouvirmos, que o neurótico está dentro da realidade, enquanto que na psicose, temos alguém que está fora da realidade. Há nesse processo uma perda da realidade objetiva que vai se colocar tanto para o neurótico quanto para o psicótico1. Ambos vão tentar, portanto, reconstruir essa realidade. Só que, enquanto o neurótico faz isso pela via da fantasia, o psicótico segue o caminho do delírio.
A fantasia vai se colocar para o neurótico como uma lente por onde ele vai olhar o mundo. Uma tela que ele coloca em frente a sua janela, como diz Quinet, e por onde ele vai passar a olhar a realidade como um quadro que ele mesmo pinta:
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle…
Nesse quadro, estão todas as possibilidades de relação entre esse sujeito e o objeto que causa seu desejo. Objeto esse que ele elege para substituir o vazio provocado pela perda anteriormente citada, ao mesmo tempo em que se identifica com ele. Ou seja, diante da pergunta “O que esse Outro quer de mim?” o neurótico responde com uma frase que resume a cena onde ele se oferece como objeto para reparar o furo no Outro, gozando dessa posição. É ali também que ele sustenta seu desejo, ao manter esse objeto a uma distancia manejável.
No delírio psicótico não há encenação, mas submissão. Não há a separação do objeto pelo efeito da castração. Há uma equivalência do sujeito como objeto para o Outro. Não há mediação entre sujeito e objeto e o Outro o invade. O delírio vai ser uma tentativa de reconstrução, de conter essa invasão do Outro.
Agora podemos pensar como isso acontece naqueles quadros que a medicina chama de Transtornos afetivos. Eu não vou utilizar esse termo, pois como vocês já devem ter percebido, o que desenvolvi até agora não se encaixa em termos de uma doença, nem de um transtorno. Mas de algo pelo qual todos nós passamos ao tentar dar conta do que é ser falante.
Tomarei então o significante “depressão”. Como afirma Quinet, esse significante atualmente reúne sob si uma multidão de sujeitos que assim qualificam seu estado de alma quando se encontram tristes, desanimados, frustrados, enlutados, anoréxicos, apáticos, entediados, impotentes, angustiados, etc. Virou moda dizer que se tem um diagnóstico de depressão, ou até mesmo de bipolar. (Quinet, Psicose e Laço Social, 2006)
Mas a psicanálise vai se posicionar frente a essa imprecisão diagnóstica demarcando que o que está em jogo quando se fala em depressão podem ser coisas radicalmente distintas. A primeira coisa que precisamos delimitar é que este termo não pode se aplicar da mesma maneira na neurose e na psicose, pois já vimos que se trata de mecanismos bem diferentes. Enquanto que na neurose a depressão aparece como um sinal clinico, na psicose a melancolia (como chamamos a depressão psicótica) vai ser caracterizada como um quadro clínico específico. Em segundo lugar, podemos destacar que o que vai estar em jogo naquilo que chamamos de depressão está relacionado com essas diversas facetas da relação sujeito/objeto.
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado…
Freud, no texto intitulado Luto e Melancolia afirma que o afeto característico tanto do luto quanto a melancolia é a tristeza.
O luto, ele diz, é de modo gera, uma reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante.
Pode acontecer de, nos casos de um luto extremamente penoso, haver um desânimo profundo, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade. Nisso tudo o luto pode se aproximar dos sintomas da melancolia, ou depressão psicótica.
No entanto, há nesse ultimo quadro uma coisa que não aparece nas reações de luto: uma extrema depreciação de si mesmo que culmina num delírio de ruína e uma expectativa de auto-punicão:
O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível; ele se repreende e se envilece, esperando ser expulso e punido. Degrada-se perante todos, e sente comiseração por seus próprios parentes por estarem ligados a uma pessoa tão desprezível. Não acha que uma mudança se tenha processado nele, mas estende sua autocrítica até o passado, declarando que nunca foi melhor. Esse quadro de um delírio de inferioridade (principalmente moral) é completado pela insônia e pela recusa a se alimentar, e – o que é psicologicamente notável – por uma superação do instinto que compele todo ser vivo a se apegar à vida. (Freud, Luto e Melancolia, 1917)
Segundo Freud, isso ocorre porque enquanto no luto há uma localização dessa perda em algo do mundo externo, na melancolia o que se torna pobre e vazio é o próprio Eu. A perda experienciada é equivalente a algo no próprio Eu. Ou ainda, há uma correspondência entre o próprio Eu e o objeto perdido: a sombra do objeto caiu sobre o eu.
Voltando ao quadro diferencial que traçamos entre neurose e psicose, a depressão no neurótico aponta para um abalo na fantasia que este criou para lidar com a falta no Outro. Ele acaba tendo que se deparar com a fragilidade dessa construção de alguma maneira, e um dos efeitos disso pode aparecer clinicamente como desânimo, descrença frente aos ideais, etc. Mas no caso da psicose, a depressão culmina num delírio onde a ideação suicida aparece como possibilidade de dar cabo do núcleo do problema: o próprio Eu. Freud ressalta ainda a impossibilidade de abalar essa crença psicótica, pois não adianta tentar convencer o sujeito de que ele não é esse quadro tão negro que pinta de si mesmo.
Para finalizar, gostaria de exemplificar rapidamente essa discussão partindo de dois exemplos que podem nos ajudar a compreender o que distinguimos como sintomas depressivos no neurótico e o delírio de ruína na psicose. Um deles trata-se de um caso clinico onde a pessoa chega se queixando de depressão.
Marcélia, 39 anos, procura atendimento com uma queixa de depressão e insônia e diz que faz tratamento médico (paroxetina e clonazepam). Afirma que tudo começou em 2005 quando sofreu um “assédio moral” por parte de seu patrão. Trabalhava há quatro anos numa loja de shopping como caixa e começou a apresentar uma dor nos braços que foi diagnosticada como tendinite.
Ao receber o diagnóstico Marcélia procura o patrão que sugere que ela peça demissão. Como se recusou, este começou a fazê-la passar por situações constrangedoras como sentar numa cadeira isolada e passar o dia inteiro sentada, sem falar com ninguém. Ela resolveu, então que iria processá-lo e, a partir daí, esperar que “a justiça seja feita”.
Marcélia se define como alguém que sempre foi independente e se virou sozinha, se vê agora impossibilitada de trabalhar. Ela passa a peregrinar por médicos, advogados e psicólogos relacionados à área trabalhista. Nessas suas andanças pela área trabalhista adquire muitas informações sobre “seus direitos”. No entanto, sua inquietação e seu sofrimento derivam do fato de que “as pessoas não acreditam que eu estou doente”. O patrão passa a desmenti-la nas audiências; os médicos não encontram uma lesão demonstrável e isso a incomoda: “queria encontrar um exame que mostrasse que o que sinto é real”. Tem medo de que o patrão consiga ganhar a causa e que assim consiga provar que ela não tem uma doença. Essa possibilidade a angustia terrivelmente. Foi por isso que resolveu buscar atendimento em busca de uma “palavra de médico”.
Ela diz: “pois é, eu fiz de tudo pra agradar a ele, me esforcei muito e passei a trabalhar mais ainda, pra ele não ter o que dizer. Era sempre a última a sair. Mas por mais que eu fizesse ele não reconhecia, reclamava do meu trabalho e ainda desconfiava de mim achando que meu caixa não batia. Eu sempre fazia um ‘a mais’ pra que ele reconhecesse”. Esse “a mais”que Marcélia dá ao patrão é a garantia de sustentação da fantasia que lhe permite velar a falta, colocando-se como objeto na relação com o patrão que goza dela.
Nas associações que se desenrolam ao longo da análise, Marcélia faz uma equivalência entre o lugar que o patrão ocupa e o lugar da mãe que, segundo ela, estava sempre comandando, exigindo dela um trabalho sem faltas. Comando esse a que Marcélia sempre atendia. Assim como também fazia de tudo para fazer um “a mais” pelo patrão. Em ambos os casos, era pra que eles não apontassem sua falta, não reclamassem do trabalho mal feito, pois ela nunca “gostou de ser chamada a atenção”.
Em certa sessão Marcélia chega chateada porque uma colega a chamou de autoritária e diz que não é a primeira vez que isso acontece: “eu não sou autoritária, mas minha voz sai assim. Na verdade eu quero é ajudar as pessoas. Como eu aprendi muito sobre os direitos das pessoas eu gosto de orientar, dar conselhos, pra que as pessoas se conscientizem dos seus direitos. Mas elas acham que eu estou sendo autoritária, querendo mandar.”
A fantasia de Marcélia se estrutura portanto em relação a essa voz de comando, esse ser chamada atenção. Seguindo o circuito pulsional em torno desse objeto voz, ora ela é chamada, comandada. Ora é ela quem chama, comanda. Na transferência ela também me insere nesse circuito quando passa a esperar de mim uma “palavra de médico”.
Percebemos que, no momento de deflagração dos sintomas de Marcélia, algo acontece nessa relação com o patrão que abala sua fantasia. Esse algo passa pela relação que o patrão estabelece com as outras moças que trabalham na casa (leva-as pra sair, toma cerveja com elas) enquanto Marcélia recusa-se a qualquer envolvimento com os homens (aos quarenta anos permanece virgem) e pela recusa do patrão de acreditar nela, desacreditando seu sintoma (LER), desconfiando dela: ele diz que eu estou mentindo. Só aí é que a depressão aparece como sinal ante à possibilidade de ser desmascarada na justiça por esse homem que denuncia sua falta.
Percebemos ainda que, no caso da neurose, não existe um tipo clínico depressivo, mas sujeitos deprimidos, com suas histórias para contar.
O Outro exemplo, não é propriamente um caso, mas é o excerto da carta de despedida que Virgínia Woolf deixa para seu marido Leonard Woolf antes de se suicidar.
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Meu Muito Querido:
Tenho certeza de estar ficando louca novamente. Sinto que não conseguiremos passar pornovos tempos difíceis e não quero revivê-los. Começo a escutar vozes e não consigo meconcentrar. Sei que estarei tirando um peso de suas costas, pois, sem mim, você poderátrabalhar. Você vê, não consigo sequer escrever. Nem ler. Se alguém pudesse me salvar,esse alguém seria você. Não posso atrapalhar sua vida. Não mais. Não acredito que duaspessoas poderiam ter sido tão felizes quanto nós fomos
V.
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Temos nessa carta de despedida um claro exemplo do que Freud chamou de delírio de ruína do melancólico. Virgínia ao apontar os motivos pelos quais dá cabo de sua vida aponta simplesmente o peso que ela representa na vida do marido, de como ela é um empecilho à vida dele, que ela destrói pelo simples fato de existir.
Aqui percebemos o que Freud quer dizer com “a sombra do objeto recaiu sobre o Eu”, pois a única saída possível que Virgínia encontra em se saber um peso, um fardo, é livrar-se desse peso colocando algumas pedras nos bolsos e se atirando em um rio.
1 Freud traz um exemplo interessante. Ele diz: “Permitam-me retornar, a título de exemplo, a um caso analisado há muitos anos atrás, em que a paciente, uma jovem, estava enamorada do cunhado. De pé ao lado do leito de morte da irmã, ela ficou horrorizada de ter o pensamento: ‘Agora ele está livre e pode casar comigo.’ Essa cena foi instantaneamente esquecida e assim o processo de regressão, que conduziu a seus sofrimentos histéricos, foi acionado. Exatamente nesse caso é, ademais, instrutivo aprender ao longo de que via a neurose tentou solucionar o conflito. Ela se afastou do valor da mudança que ocorrera na realidade, reprimindo a exigência instintual que havia surgido – isto é, seu amor pelo cunhado. A reação psicótica teria sido uma rejeição do fato da morte da irmã.”
Nota: O presente texto foi originalmente escrito para uma conferência realizada no dia 10 de junho de 2011 no Grupo de Estudos em Transtornos Afetivos da Universidade Federal do Ceará- UFC.