Há algum tempo atrás, enquanto fazia mais uma das longas viagens rumo ao meu estágio em campo, dividi o espaço com um senhor de pouco mais que quarenta anos de sorrisos e lágrimas. Vestido com roupas coloridas, calçado com uma bota de cowboy, portando uma mochila que parecia guardar todos os segredos do mundo.
Aproximei-me dele, pedi que se afastasse um pouco, porque viagens longas requerem repouso. Ele se afastou num passo rápido e protegeu sua mochila, olhou para frente depois voltou a olhar em minha direção. Por um instante cheguei a pensar que ele falaria algo ou responderia o meu sorriso de agradecimento, mas fez o contrário, olhou para moça que estava em pé, alheia a ele, voltou a proteger seu mundo, olhou outra vez em minha direção e soltou: “Demorei muito pra te encontrar, agora quero só você”. Confesso que meu estômago dava gargalhadas, minhas bochechas tremiam, mas fiquei na dúvida se ele se sentiria ofendido ou se sorriria junto com meu sorriso. Ao contrário da moça que sentava na poltrona da frente que sorria largamente e dava um ar de “coitada dessa menina”, eu continuava com um sorriso meia boca.
– Tu me acha doido, né? – Indagou ele.
Confesso outro crime: por dentro me rendia ao senso comum, aquela mania nossa de que tudo que não faz parte da nossa “realidade” não é “normal”, mas, como se fosse um reflexo, respondi a pergunta com uma outra pergunta.
– Por quê? Tu se acha doido?
– Minha filha, no meu mundo eu sou o rei. (pausa). Demorei muito pra te encontrar, agora eu quero só você.
Confesso, mais uma vez, que ganhei um mundo de experiências. Reforcei alguns conceitos e renovei outros. Fotografei mais um universo de belezas. Naquela mochila, provavelmente, exista as leis daquele homem. A felicidade do seu mundo. Nesse mundo ninguém é ninguém. Bonito mesmo é o nosso “segundo” mundo, aquele outro mundo que ninguém conhece, a não ser nós mesmos.
Desculpem, mas no mundo que criei recebi a serenata de um rei.