Era um domingo qualquer…
Acordei cedo como de costume em dias de visita, quase madrugada se comparado a outros domingos que o sono se prolongava por mais alguns instantes.
Não era um dia qualquer, seria o dia em que usaria meu poderoso nariz vermelho, e que a partir daí, nunca mais esqueceria, e mais que isso, perderia meu coração naquele hospital.
A maquiagem, o espelho, aquele leve cheiro de óleo de amêndoas que o nariz vermelho provoca em nossos sentidos, muito mais que sentidos. Aquele nariz vermelho faz milagres, faz surgir um sorriso onde reside dor.
Quer milagre maior que esse?
Eu perderia meu coração naquele dia! Tudo ocorria na mais anormal normalidade: a canção de entrada no hospital, a visita nos quartos, os sorrisos, o cheiro, as paredes brancas e as pessoas que pediam sem qualquer palavra um pouco de atenção, com o direito de sorrir. Ali eu estava com o meu poderoso nariz vermelho!
Até que surge um carismático camarada em meu campo de visão. Ele residia em um quarto sozinho, com um curativo no peito e seu mais fiel soro, acoplado em seu braço, que o seguia por toda parte. A criança, de sorriso fácil, encheu de alegria meu coração.
Mal sabia ele do que era capaz.
Em um momento de descontração, acreditando que seria uma resposta convencional, lhe perguntei:
– O que gostaria de ganhar de presente no dia das crianças?
Então, sem hesitar, me respondeu eufórico, como se fosse um dos mais simples desejos:
– Eu quero ganhar um coração!
Naquele momento o chão se abriu perante meus pés. Aquela resposta ainda ecoa em minha memória.
E mal sabia ele que seu pedido havia sido atendido, pois havia ganhado o meu coração.
Nem todo final é feliz! Onde esteja aquele pequeno herói, espero que ele cuide bem do coração que ganhou de um humilde palhaço.
Quanto a mim, suporto apenas ver meu coração batendo em cada outro peito, que reside em qualquer lugar, trazendo um pouco mais de alegria a quem realmente precisa.
Nota: O autor faz parte do grupo de Humanização Hospitalar UTI da Alegria
Saiba mais:
O trabalho de humanização no hospital através do palhaço hospitalar começou quase que por um acidente, com Michael Christensen, que na época era diretor do Big Apple Circus de Nova York, em uma apresentação do Dia do Coração no Columbia Presbyterian Babies Hospital, onde envolvia simulações da rotina do hospital, porém agregadas a realidade lúdica do palhaço.
Michael optou por retornar ao hospital para visitar o quarto das crianças que não haviam tido oportunidade de comparecer na sua primeira apresentação, a estratégia deu uma resposta muito positiva, então o hospital resolveu investir na continuidade do projeto, nascendo assim o Clown Care Unit e posteriormente diversos outros projetos semelhantes espalhados pelo mundo.