O presente relato de experiência tem como objetivo descrever o processo de intervenção em grupo realizado com idosos, no contexto do Projeto Crescer, promovido pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), campus Palmas. A proposta foi desenvolvida no Centro de Convivência dos Idosos (CCI), buscando promover a saúde mental e emocional da população idosa por meio da arteterapia, ferramenta terapêutica que estimula a criatividade, a expressão de sentimentos e o resgate da história de vida dos participantes.
A escolha pela utilização da arteterapia como eixo da intervenção fundamenta-se na compreensão de que a arte é um meio sensível e acessível de expressão subjetiva, especialmente eficaz no trabalho com idosos, pois favorece a revivência de memórias, o fortalecimento da autoestima e a construção de vínculos sociais. A proposta intitulada “Entre Passos e Lembranças” foi estruturada em encontros semanais, com foco na escuta, no acolhimento e na produção artística a partir das diferentes fases da vida.
Esta intervenção também se propôs a proporcionar aos estudantes uma vivência prática significativa, ampliando suas competências em condução de grupos, escuta ativa, manejo de situações adversas e adaptação de estratégias conforme as necessidades dos participantes. A experiência aqui relatada evidencia os aprendizados mútuos que emergem da troca entre gerações e da atuação interdisciplinar no campo da saúde mental.
APRESENTAÇÃO DO PROJETO
O Projeto Crescer é uma iniciativa de extensão universitária vinculada à Universidade Luterana do Brasil – ULBRA Palmas, que visa promover a integração entre os conhecimentos teóricos adquiridos na graduação e a prática profissional, por meio de intervenções sociais voltadas a diferentes públicos. No semestre em questão, o foco do projeto foi direcionado à população idosa atendida pelo Centro de Convivência dos Idosos (CCI), espaço que oferece atividades recreativas, educativas e de promoção da saúde voltadas à terceira idade.
A proposta de intervenção desenvolvida pelo grupo de acadêmicos da disciplina de Intervenção em Grupo baseou-se no uso da arteterapia como instrumento facilitador de expressão, socialização e resgate de memórias. As atividades foram planejadas considerando as especificidades dessa faixa etária, respeitando limitações físicas, emocionais e cognitivas, bem como valorizando as experiências de vida dos participantes.
Durante o período de março a maio de 2025, foram realizados encontros semanais com duração aproximada de 1h30, envolvendo dinâmicas em grupo, atividades artísticas e rodas de conversa. A cada encontro, buscou-se criar um ambiente acolhedor, seguro e estimulante, no qual os idosos se sentissem motivados a participar e compartilhar suas vivências.
DESCRIÇÃO DOS ENCONTROS
1º Encontro – Conhecendo o campo (27/03/2025)
O primeiro encontro teve como objetivo principal estabelecer contato com o campo de atuação e a equipe administrativa responsável pelo local. Duas alunas do projeto deslocaram-se até o espaço para conhecer a profissional encarregada de fornecer o suporte necessário durante as futuras intervenções. A recepção foi bastante positiva, as estudantes foram acolhidas com cordialidade e demonstraram satisfação com a atmosfera receptiva e animada por parte da gestão. Durante a conversa, foram discutidos aspectos logísticos essenciais para o bom andamento das atividades, como a definição do dia da semana mais adequado para os encontros, os horários disponíveis e o número ideal de participantes envolvidos.
Além disso, a responsável pelo local compartilhou informações relevantes sobre a dinâmica do espaço, as necessidades da comunidade atendida e as expectativas em relação à parceria. Esse diálogo inicial permitiu que as alunas compreendessem melhor o contexto em que atuariam, alinhando as ações do projeto às demandas reais do campo.
Ao final do encontro, ambas as partes manifestaram otimismo em relação à colaboração, reforçando o compromisso com um trabalho conjunto e produtivo. Os próximos passos incluem a organização detalhada das intervenções, com base nos combinados estabelecidos nesta primeira reunião.
2º Encontro – Apresentação e quebra-gelo (31/03/2025)
O encontro iniciou-se com uma dinâmica de apresentação e quebra-gelo, com o objetivo de promover a integração entre os participantes e criar um ambiente mais descontraído. Cada pessoa presente (incluindo os alunos responsáveis pela mediação) foi convidada a se apresentar, compartilhando seu nome, local de origem, duas qualidades e dois defeitos.
A atividade revelou-se produtiva, pois, além de permitir que todos se conhecessem melhor, trouxe leveza e humor ao grupo. Alguns idosos mencionaram qualidades como “paciente”, “trabalhador” ou “alegre”, enquanto outros brincaram com seus próprios defeitos, citando, por exemplo, a teimosia ou a impaciência. Os alunos também participaram ativamente, compartilhando características pessoais e aproximando-se ainda mais dos participantes.
O formato da dinâmica cumpriu seu papel como quebra-gelo, desinibindo o grupo e facilitando a interação. A escolha de incluir tanto qualidades quanto defeitos gerou identificação e risadas, mostrando que todos têm aspectos positivos e pontos a melhorar, algo que humanizou a troca e fortaleceu a conexão entre os presentes.
Imagem do dia 31/03/2025, no CCI, com lanche durante as apresentações.
Imagem do dia 31/03/2025 no CCI, usando de dinâmicas de quebra-gelo e para apresentações.
3º Encontro – Infância (07/04/2025)
O terceiro encontro teve como tema central a infância, buscando resgatar as memórias e experiências marcantes dessa fase da vida. Os idosos participantes foram convidados a compartilhar histórias e desenhar algo que simbolizasse um momento significativo dessa fase que vivenciaram. No entanto, a atividade revelou um aspecto emocional profundo: muitos deles não guardavam lembranças positivas dessa época, já que, devido às circunstâncias de vida, tiveram que começar a trabalhar muito cedo, assumindo responsabilidades desde a infância.
Mesmo com as narrativas menos felizes, o diálogo foi enriquecedor, permitindo que os participantes refletissem sobre suas trajetórias e como essas experiências moldaram quem são hoje. Os alunos mediadores acolheram os relatos com empatia, reforçando a importância de valorizar cada história, mesmo aquelas permeadas por dificuldades.
Para amenizar a atmosfera e promover um momento de descontração, foi servido um lanche simples, com bolo e suco, oferecido aos participantes. Esse pequeno gesto contribuiu para estreitar os laços e criar um ambiente mais descontraído, incentivando a interação entre todos.
Ao final, percebeu-se que, mesmo diante de memórias difíceis, o espaço de escuta e partilha foi valorizado pelos idosos, que demonstraram interesse em continuar participando das atividades. O encontro reforçou a importância de abordar temas sensíveis com cuidado, sempre buscando equilibrar reflexão e acolhimento.
Imagem do dia 07/04/2025, no CCI, usando da Arteterapia para tratar sobre a Infância
Imagem do dia 07/04/2025, no CCI, usando da Arteterapia para tratar sobre a Infância
4º Encontro – Adolescência (05/05/2025)
O quarto encontro teve como proposta abordar as fases da adolescência e adultez, contudo, devido à limitação de tempo e à profundidade das discussões, foi possível explorar apenas a temática da adolescência. Estiveram presentes quatro idosas, com as quais foi iniciado o encontro por meio de uma proposta de atividade artística em que as participantes foram convidadas a desenhar e pintar algo que remetesse à fase da adolescência. Inicialmente, observou-se resistência significativa por parte delas em executar o que foi pedido, sob a justificativa de que não possuíam boas lembranças desse período, marcado por vivências de sofrimento, privações e dificuldades econômicas. A maioria das participantes relataram que não havia nada de positivo a ser representado graficamente, evidenciando uma carga emocional significativa associada àquela fase da vida.
Contudo, à medida que o grupo foi conversando e compartilhando suas histórias, o clima foi se tornando mais acolhedor, e decidiram realizar seus desenhos. Os relatos trouxeram memórias sobre a estrutura familiar da época, a precariedade financeira enfrentada, os casamentos precoces, a imposição de papéis de gênero e a vivência do machismo, especialmente na relação com os maridos. Muitas revelaram episódios de submissão e infidelidade, mas também expressaram formas de resistência e força diante disso, destacando que embora houvesse pressão para se submeterem, não abaixavam a cabeça e buscavam preservar sua autonomia.
Apesar das dificuldades lembradas, o momento de partilha foi potente e significativo. As participantes demonstraram orgulho pela superação de tantas dificuldades e, ao final, ofereceram conselhos valiosos. Ainda que nem todas tenham participado da atividade artística, todas compartilharam suas histórias, o que enriqueceu profundamente a experiência do encontro. Por fim, expressaram satisfação com a atividade e demonstraram interesse em comparecer no próximo encontro, evidenciando o valor atribuído ao espaço de escuta e acolhimento.
Imagem do dia 05/05/2025, no CCI, usando da Arteterapia para trabalhar sobre a Adolescência
5º Encontro – Adultez e Velhice (12/05/2025)
No quinto encontro, o foco foi trabalhar os temas da adultez e da velhice. Iniciamos a atividade com as idosas que já estavam presentes, a fim de não comprometer o andamento do encontro. Explicamos que cada papel seria destinado à representação de uma fase da vida, a adulta e a atual, e que elas teriam liberdade para se expressar da forma que desejassem, utilizando cores, elementos, símbolos ou qualquer outra forma de linguagem visual. Para facilitar a produção, foram apresentadas perguntas disparadoras, como: Com o que você trabalhava? Como se sentia naquela época? O que gostava de fazer? Que mensagem ou conselho gostaria de deixar para as próximas gerações?
Durante o processo criativo, algumas participantes demonstraram resistência, alegando não saber desenhar ou sentirem vergonha. Essa reação nos permitiu ampliar a proposta, incluindo a escrita como forma complementar de expressão, o que foi bem aceito pelo grupo.
Ao final, houve um momento de compartilhamento das produções e das vivências evocadas. Foi possível perceber, ao longo deste e dos encontros anteriores, algumas características marcantes do grupo: uma forte verborragia (desejo de falar e contar histórias) e um sentimento recorrente de revolta pelas adversidades vividas, frequentemente acompanhado de superação, como por exemplo, uma idosa que tornou-se mãe solo aos 35 anos e, com muito trabalho, criou sua filha, e hoje tem orgulho de ver suas vitórias alcançadas ao longo do caminho, apesar das dificuldades.
Durante a roda de conversa, que, como de costume, ocorreu após as participantes concluírem as atividades, ao serem indagadas sobre que ensinamento/conselho gostariam de deixar para as próximas gerações, disseram muitas coisas significativas, como: ter uma boa relação familiar, permeada por respeito mútuo e companheirismo; procurar estar envolvida em ciclos sociais, com amizades e grupos, para conversar e usufruir de uma boa companhia; procurar ser independente, principalmente as mulheres, para não correrem o risco de sofrerem violência financeira ou manter-se em um casamento por não terem condições suficientes de se desvincular do parceiro. Tais conselhos são baseados na história de vida de cada uma, com suas próprias experiências e, devido a isso, os estudantes legitimaram cada uma das falas emitidas neste momento valioso.
Imagem do dia 12/05/2025, no CCI, usando da Arteterapia para trabalhar sobre a Adultez e Velhice
6º Encontro – Encerramento festivo (19/05/2025)
Tendo em vista o encontro de encerramento, foi levado o produto final, com uma capa identificada pelo nome de cada participante, e também um lanche para compartilharmos durante a roda de conversa. Inicialmente, foi necessária uma breve apresentação e retomada, visto que havia a presença de duas idosas que não participaram de nenhum dos encontros anteriores. Em seguida, retomamos o objetivo do projeto e agradecemos pela disponibilidade e engajamento de todas, ressaltando que foi excelente a troca de experiências e partilhas, e que nos sentíamos privilegiados pela oportunidade de vivenciar esse momento com elas.
Além disso, foi perguntado para as participantes suas considerações acerca do projeto, salientando inclusive os pontos que acreditavam que poderiam ter sido melhores, a fim de receber o feedback sobre o nosso trabalho, um dos objetivos desse encontro de encerramento. Nesse contexto, as participantes agradeceram nossa presença e comentaram que o espaço para conversar era muito bom, destacando o quanto era interessante a identificação entre as histórias compartilhadas.
Entretanto, diante da ausência de algumas participantes, foi demonstrada frustração por parte das presentes. Os produtos finais referentes às participantes ausentes foram deixados na secretaria do local, e os materiais restantes da oficina foram ofertados para o campo.
Por fim, abrimos um momento de conversa, acompanhado do lanche e de fotos. Fomos convidados a participar de uma festa com bingo, que acontecerá em junho, e recebemos um feedback positivo tanto das organizadoras quanto da diretora acerca dos temas que foram trabalhados ao decorrer dos encontros, denotando que cada uma das atividades foram válidas para proporcionar momentos significativos para as idosas que frequentam o Centro de Convivência.
Imagem do dia 19/05/2025, no CCI, para encerramento das atividades e entrega do produto final
RESULTADOS E IMPACTOS
A intervenção realizada no CCI trouxe impactos significativos tanto para os participantes idosos quanto para os acadêmicos envolvidos. Para os idosos, observou-se aumento da autoestima, fortalecimento dos vínculos interpessoais, resgate de memórias e maior motivação para participar das atividades do centro. As produções artísticas serviram como veículos de expressão emocional e facilitadores da comunicação, revelando sentimentos muitas vezes difíceis de verbalizar.
Para os estudantes, a vivência proporcionou um importante aprendizado prático, ampliando a capacidade de escuta, sensibilidade clínica e adaptação às demandas do grupo. A experiência contribuiu para a formação de uma postura ética, empática e reflexiva no exercício da psicologia. Entre os desafios enfrentados estavam o manejo do tempo e a diversidade de perfis dos participantes.
CONCLUSÃO
A experiência de intervenção em grupo com idosos, por meio da arteterapia, revelou-se profundamente significativa tanto para os participantes quanto para nós, acadêmicos envolvidos na sua condução. Ao longo dos encontros realizados no Centro de Convivência dos Idosos (CCI), por meio da proposta “Entre Passos e Lembranças”, evidenciou-se a complexidade e a riqueza das vivências da velhice, sobretudo quando articuladas à escuta sensível, à expressão simbólica e ao reconhecimento das histórias de vida como espaços legítimos de produção de sentido.
As idosas que compareceram aos encontros demonstraram, desde o início, disposição para o diálogo e interesse pela convivência em grupo, ainda que, em diversos momentos, apresentassem resistência quanto à realização das produções artísticas propostas. Tal resistência, entretanto, não impediu a participação ativa nas rodas de conversa e no compartilhamento de memórias, sentimentos e reflexões sobre as fases da vida abordadas — infância, adolescência, adultez e velhice. A fala emergiu como principal recurso expressivo, e revelou, com intensidade, marcas de dor, superação e resiliência. Foi possível perceber que, embora os temas revisitassem experiências difíceis, o espaço de escuta mútua proporcionado pela intervenção foi vivenciado de forma acolhedora e significativa pelas participantes.
No encontro de encerramento, os relatos das idosas apontaram para a valorização da troca estabelecida ao longo do processo, destacando o quanto foi importante poder falar, ser ouvida e também conhecer as histórias das colegas. Essa dimensão relacional, de partilha e reconhecimento, mostrou-se como um dos elementos mais potentes da proposta. Para nós, a intervenção constituiu uma oportunidade formativa essencial, permitindo o exercício da escuta empática, da adaptação diante das resistências do grupo, e da condução ética e afetiva do trabalho com essa população.
Em síntese, a proposta “Entre Passos e Lembranças” cumpriu sua finalidade de promover saúde mental, bem-estar e expressão criativa na terceira idade, fortalecendo assim os vínculos e reconhecendo o valor das histórias de vida na construção de um envelhecimento mais digno.
Reafirma-se, portanto, a relevância de práticas interdisciplinares e humanizadas no campo da Psicologia, para um campo de atuação comprometido com a escuta, a valorização da memória e a dignidade dos sujeitos em todas as etapas da existência.
AUTORES
Alex Rocha Ribeiro (alexrocharr@rede.ulbra.br)
Ana Karoliny da Silva Cavalcante (anasilva@rede.ulbra.br)
Emilly Letícia Bertamoni Silva (emillybertamoni@rede.ulbra.br)
Gabriela Botelho Guimarães (gabrielabotelho252@rede.ulbra.br)
Vanusa Freire Rasia (rasiavanusa18@rede.ulbra.br)