Durante o estágio institucional em Psicologia, realizado no Parque Municipal da Pessoa Idosa Francisco Xavier de Oliveira, em Palmas-TO, as estagiárias tiveram a oportunidade de vivenciar de perto as riquezas e desafios do trabalho com a população idosa em um espaço de convivência. A experiência se deu ao longo de encontros grupais, nos quais a comunicação, a escuta ativa e a partilha de histórias de vida se tornaram os principais instrumentos de cuidado.
Ao iniciarmos as atividades, percebemos que a comunicação ocupa um papel central no envelhecimento, não apenas como transmissão de informações, mas como vínculo, afeto e reconhecimento de si e do outro. Essa percepção está alinhada com o que Rosenberg (2003) aponta sobre a Comunicação Não Violenta: “a escuta empática e a expressão autêntica são pontes que favorecem relações significativas”. Foi nessa perspectiva que estruturamos o grupo, acreditando que falar e ser ouvido poderia abrir caminhos de pertencimento e de ressignificação de trajetórias.
Os encontros semanais foram organizados em dinâmicas lúdicas e reflexivas, cada uma trazendo à tona uma faceta da comunicação. No primeiro encontro, com a atividade “Mosaico das Histórias”, pudemos ver os olhos dos participantes brilhando ao compartilhar hobbies, lembranças e qualidades pessoais. Pequenos papéis coloridos, colados em uma folha maior, formaram um mosaico simbólico da diversidade de histórias presentes naquele espaço. O clima de acolhimento e pertencimento se estabeleceu desde o início.
No segundo encontro, a “Caixa das Emoções” revelou-se um convite profundo à expressão afetiva. Ao sortearem cartas com diferentes sentimentos, os idosos compartilharam experiências de dor, injustiça, medo, mas também lembranças de superação e alegria. Cada relato carregava marcas de um passado vivido e ressignificado. Para nós, estagiárias, foi um momento de compreender como a velhice carrega tanto a fragilidade quanto a potência da experiência humana.
Já no encontro com a dinâmica “Fale Sem Palavras”, a comunicação não verbal mostrou suas possibilidades e limites. Gestos, expressões e mímicas despertaram risos, mas também reflexões: quantas vezes, no cotidiano, uma mensagem não chega clara ao outro? Quantos conflitos surgem daquilo que não foi dito ou não foi bem compreendido? Essa vivência trouxe à tona o valor da clareza e da escuta atenta nas relações interpessoais.
Um dos momentos mais intensos ocorreu no quarto encontro, quando foi trabalhado a autoempatia e a reflexão sobre situações de violência verbal e desrespeito. As idosas presentes compartilharam histórias delicadas de suas juventudes e, ao revisitá-las, refletiram sobre os aprendizados que carregam hoje a partir de suas vivências. Foi um espaço de coragem, no qual a dor se transformou em narrativa, e a narrativa em resistência. Simone de Beauvoir (1970) já alertava para os estigmas e silenciamentos impostos à velhice; ali, naquele grupo, pudemos vivenciar o contrário: a velhice como lugar de fala e de ressignificação.
Apesar dos desafios, como a oscilação na frequência dos participantes e o tempo reduzido do estágio, cada encontro se tornou uma oportunidade de fortalecimento de vínculos, de resgate da autoestima e de reconhecimento da singularidade de cada idoso. Muitos relataram sentir-se mais conectados consigo mesmos e com os outros, reconhecendo no grupo um espaço de cuidado e pertencimento.
Enquanto estagiárias, fomos tocadas pela força simbólica e afetiva dessas vivências. Rogers (1977) lembra que ambientes de aceitação e empatia favorecem o florescimento humano; e foi exatamente isso que buscamos proporcionar. Mais do que aplicar técnicas, aprendemos que o trabalho com idosos exige presença ética, escuta sensível e valorização da história de cada sujeito. Essa experiência nos marcou profundamente, pois percebemos que o envelhecimento, muitas vezes visto apenas pela lente da fragilidade, também pode ser espaço de potência, criatividade e transformação. O grupo de convivência se revelou não apenas como intervenção psicológica, mas como um território de encontros verdadeiros, onde o tempo de vida se faz memória, vínculo e aprendizado.
Além disso, para nós, estagiárias, essa experiência representou um espaço de crescimento pessoal e coletivo: o enfrentamento dos desafios, especialmente aqueles que abalaram o emocional e, por vezes, dificultaram o maior empenho e aprofundamento do trabalho, fortaleceu nossos vínculos como equipe, favoreceu a construção de suporte mútuo e nos ensinou sobre resiliência. Ao compartilharmos dificuldades e conquistas, descobrimos que o cuidado começa também entre nós, e que a prática profissional se nutre das relações que criamos no percurso.
REFERÊNCIAS
COELHO, Francileide S. S.; CAVALCANTE, Geovanna M.; NUNES, Sara L. F.; MARQUEZAN, Ana L. C. O.. Palavras que cuidam: o grupo como escuta e expressão na velhice., 2025. Relato de experiência (Estágio Institucional em Psicologia – Ulbra Palmas).
BEAUVOIR, Simone de. A velhice. Tradução: Maria Helena Franco Martins. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970.
ROGERS, Carl R. Tornar-se pessoa: um terapeuta descobre sua função. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. 2. ed. São Paulo: Ágora, 2006.
