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A Liberdade de Caqui

Antes de sair para o trabalho percebo que realizo algumas ações rotineiras e diárias. Acordo e procuro rapidamente o primeiro par de chinelos, evitando assim tocar os pés quentes no piso frio. Dirijo-me ao banheiro e realizo algumas práticas de higiene e estética. Logo após isso, me arrumo , tomo café e saio para o trabalho.

No momento em que piso os pés na rua, minha preocupação não é mais o choque térmico entre o frio e o quente, mas uma inquietação incorporada inconscientemente de andar socialmente na rua. Cabelos penteados, tênis amarrado, postura correta, entre outras condutas guiadas por normas sociais impostas em meu contrato social.

Então rapidamente me surpreendo com uma situação inesperada. Um cidadão anda pela rua muito rapidamente e chama a atenção de todos, inclusive a minha. Além da rapidez, os trajes encontram-se amarrotados, sendo uma camisa social posta para dentro do short e meias marrons, na altura mediana das canelas. Para ampliar a esquisitice visual, ele agacha-se no meio da calçada de uma das principais avenidas da cidade e começa a mostrar para os apressados trabalhadores que cruzam por ele, uma fita cassete da dupla sertaneja Milionário e José Rico. Seu nome? Ninguém sabe! Muitos o chamam pelo apelido: Caqui.

Caqui é portador de transtornos mentais e é popularmente conhecido na cidade de Paraíso por sua extravagância, pelas “maluquices” e por possuir um enorme vestuário de camisetas de times brasileiros de futebol. Um dia é Vasco, no outro é Flamengo, depois Corinthians, no outro Santos e por aí vai. Mas por que ele chama tanto a atenção? Que conduta ou comportamento frente a nossos olhos faz a gente se focar nele? Talvez seja porque ele não possui, ou não dá tanta importância às normais sociais.

Enquanto uns se preocupam com a aparência e a boa conduta frente à comunidade, Caqui parece não se importar. Ele grita, corre, pula, se agacha, isso tudo no meio da rua e das pessoas. Mas confesso que em alguns instantes eu o invejo. Há algo libertador nele. É como se ele fosse protegido dos olhares e dedos indicadores. Ele não abana o rabo para demonstrar afeto, ele pula logo em cima do dono e põe-se a lamber. Seu comportamento é autêntico e controverso ao mesmo tempo.

Mas olhando para tudo isso, recai a dúvida: Quem no fim das contas é doido? Ele, que anda por aí guiado sabe se lá pelo quê? Ou nós, que ficamos presos em normas sociais, com medo de sujarmos nossa reputação, ou de sermos confundidos com algum maluco?

Talvez seja pelo fato de levarmos tão a sério essas regras, que não entendemos o comportamento de Caqui . Ele não se importa com as diretrizes e, aparentemente, não sofre conseqüências com isso. Contudo, a falta de implicações não justifica uma idéia de revolução contra as normas existentes. Por isso, continuarei penteando os cabelos, amarrando os sapatos e, quem sabe em outro momento, vestir uma camiseta do Corinthians, meu arqui-rival, e sentir a liberdade de Caqui.