Albert Camus: o Filósofo do absurdo e da revolta

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“Nós nos revoltamos, logo existimos” – Albert Camus, em O Homem Revoltado

Em tempos marcados por incertezas e tensões existenciais, poucos pensadores foram tão sensíveis às contradições da condição humana quanto Albert Camus. Escritor, filósofo e jornalista franco-argelino, Camus se destacou por enfrentar de forma direta o absurdo da existência e por defender, diante da falta de sentido, uma ética da revolta — não no sentido violento, mas como um gesto afirmativo de liberdade e responsabilidade. Sua obra convida, ainda hoje, a refletir sobre os limites da moralidade, a solidão do indivíduo moderno e o papel da escolha diante do silêncio do mundo.

Nascido em 7 de novembro de 1913, na cidade de Mondovi (atualmente Dréan), na então colônia francesa da Argélia, Camus cresceu em um contexto de pobreza e exclusão. Filho de um trabalhador rural morto na Primeira Guerra Mundial e de uma mãe surda e analfabeta, passou a infância no bairro operário de Belcourt, em Argel. Apesar das dificuldades materiais, destacou-se academicamente e ingressou na Universidade de Argel, onde estudou filosofia. Durante a Segunda Guerra Mundial, atuou na Resistência Francesa como editor do jornal clandestino Combat, posicionando-se contra o totalitarismo com a mesma lucidez com que escreveria suas obras. Em 1957, aos 44 anos, tornou-se o segundo mais jovem autor a receber o Prêmio Nobel de Literatura.

A principal contribuição de Camus para o pensamento contemporâneo talvez esteja em sua elaboração do conceito de “absurdo” — entendido como o conflito entre o desejo humano por sentido e a aparente indiferença do universo. Em livros como O Estrangeiro (1942), A Peste (1947) e O Mito de Sísifo (1942), Camus articulou uma ética do enfrentamento: se o mundo não oferece respostas definitivas, cabe ao sujeito afirmar-se em liberdade, criando significado na própria ação. Ainda que frequentemente associado ao existencialismo, ele rejeitava essa classificação, preferindo ser reconhecido como um humanista comprometido com a dignidade humana.

Sua obra, enraizada tanto na experiência colonial quanto nos dramas do século XX, continua a suscitar debates relevantes sobre a liberdade, a resistência ética e os dilemas da vida em sociedade. Ler Camus, portanto, é também perguntar-se: como viver com lucidez diante do absurdo? E o que significa escolher, todos os dias, um modo de existir com responsabilidade?

Albert Camus (ao centro) em visita à Agência Nacional, no Rio de Janeiro, em julho de 1949 Fonte: memorialdademocracia.com.br

Albert Camus e Jean-Paul Sartre, embora tenham sido contemporâneos e frequentemente associados ao existencialismo, apresentavam divergências fundamentais em suas abordagens filosóficas. Camus desenvolveu o conceito de “absurdismo”, centrado na constatação de que a busca humana por sentido esbarra em um universo indiferente e irracional. Para ele, reconhecer essa condição absurda não conduz ao desespero, mas sim à liberdade de criar significado próprio por meio da revolta e da afirmação da vida.

Sartre, em contrapartida, enfatizava a liberdade radical do indivíduo, colocando a responsabilidade sobre o próprio sujeito para construir sua essência através das escolhas. Enquanto Camus via a aceitação do absurdo como ponto de partida para a liberdade, Sartre considerava a liberdade como uma condição inerente à existência humana, que exige engajamento constante e responsabilidade ética.

A proposta camusiana da revolta pode ser compreendida como uma forma de enfrentamento diante das adversidades e do vazio existencial. Ao invés de sucumbir ao desespero, Camus propõe que o indivíduo abrace a vida com paixão e integridade, mesmo ciente da ausência de sentido intrínseco. Essa postura, que estimula resiliência e autenticidade, tem implicações diretas para o bem-estar psicológico e a construção de uma vida significativa.

É possível observar como a filosofia de Camus dialoga com diferentes abordagens psicológicas que valorizam o autoconhecimento e a autenticidade. Na Abordagem Centrada na Pessoa, de Carl Rogers, destaca-se a importância de “ser o que se é”, promovendo a congruência entre o self real e o ideal. Nesse sentido, a revolta camusiana pode funcionar como um instrumento para abandonar a falsa identidade construída socialmente e abraçar uma autenticidade libertadora. De modo semelhante, o conceito junguiano de “individuação” incorpora a revolta como parte do processo de integração dos aspectos conscientes e inconscientes da personalidade, conduzindo à realização do self.

Adicionalmente, as Terapias Sistêmicas valorizam a “individualização” ao romper contextos transgeracionais adoecedores. Ainda que essas terapias conheçam o peso das histórias familiares, sugerem que a revolta contra tais contextos possibilita a construção de novas narrativas de vida. Dessa forma, a ética da revolta proposta por Camus alinha-se a práticas terapêuticas que promovem resiliência, autoconhecimento e responsabilidade.

Albert Camus convida a encarar a vida com coragem e autenticidade, reconhecendo o absurdo da existência sem, contudo, ceder ao desespero. Sua filosofia nos lembra que, mesmo diante da indiferença do universo, é possível encontrar sentido por meio da revolta consciente, da liberdade e da paixão pela vida. Essa postura ressoa com abordagens psicológicas que valorizam a autenticidade, o autoconhecimento e a integração do self, favorecendo a saúde mental e o bem-estar.

Em última análise, Camus convida o indivíduo a viver com paixão e integridade, mesmo diante do silêncio do universo. Sua filosofia, ao reafirmar que a criação de sentido é um gesto de liberdade, ressoa com abordagens psicológicas comprometidas com a autenticidade e o bem-estar mental. Ler Camus, portanto, é questionar-se: como afirmar-se diante do absurdo e transformar a revolta em uma força vital para a existência?

Referências Bibliográficas

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