“Passeava com dois amigos ao pôr do sol quando
o céu ficou de súbito vermelho-sangue.
Eu parei, exausto, e inclinei-me sobre a vedação.
Havia sangue e línguas de fogo
sobre o azul-escuro do fiorde e sobre a cidade.
Os meus amigos continuaram,
mas eu fiquei ali a tremer de ansiedade
e senti o grito infinito da Natureza.”
Edvard Munch
Vampire, 1895. Óleo sobre tela, 91 x 109 cm
Tristezas, obsessões e frustrações pessoais ganham formas e cores, em angustiantes representações, nas telas do pintor norueguês Edvard Munch (1863 – 1944). Sua obra abriu caminhos para o desenvolvimento do Expressionismo, movimento artístico concentrado na Alemanha entre os anos de 1905 e 1930, que é conhecido como a arte do instinto. No Expressionismo, a subjetividade ganha contornos dramáticos nas pinceladas, os sentimentos ganham nova plasticidade. O amor, o medo, a solidão, o abandono, entre outros flagelos da humanidade são (re)signifcados sob a estética da dor e dão a noção exata de que, nesse movimento, os valores emocionais se sobrepõe aos intelectuais.
As telas de Munch eram o espaço para manifestação de suas dores, de suas emoções. Era a sua forma de se comunicar com o mundo. O artista buscou transmitir com a sua arte suas mazelas psicológicas que aparecem em cores vibrantes, fundidas ou separadas. Próprio do Expressionismo, as técnicas e os materiais utilizados: pasta grossa, áspera, cores fortes, o movimento do pincel num vai e vem violento provoca “explosões” onde o patético, o trágico e o sombrio se desvelam criando uma atmosfera de vitalidade, de dor, de realidade. O seu modo de pintar era pessoal, intenso… Apaixonado.
A perturbação mental marcou a vida do artista. No início da década de 1890, Laura, sua irmã, foi diagnosticada uma doença bipolar, sendo internada num asilo psiquiátrico. Na mesma época, Munch esteve internado por dois meses em um hospital da França para “tratamento nervoso”. Chegou a ser diagnosticado como portador de grave neurastenia. As telas do artista são reflexos de seus traumas e relações mal resolvidas: presenciou aos 5 anos a morte da mãe e de uma irmã, que morreram de tuberculose; teve uma relação conflituosa com o pai, que rompeu quando decidiu se dedicar à pintura; se envolveu com uma mulher casada que só lhe trouxe mágoa e desespero.
A criança doente, 1885-86. Óleo sobre tela. 119,5 x 118,5 cm.
O Grito, de 1893, é uma das obras mais importante do movimento expressionista. Ele expressou o seu inferno interior e o mal-estar que a loucura representava em seu cotidiano. O quadro representa uma pessoa num momento de profunda angústia e desespero existencial. O cenário de fundo é a doca de Oslofjord, em Oslo, ao pôr do sol.
O Grito, 1893, óleo sobre tela, 91 x 73 cm
A tela apresenta uma figura humana com linhas sinuosas, que nos dá a dimensão exata do desespero de um sujeito que se contorce sob o efeito de sua dor, de suas emoções. As linhas sinuosas também estão presentes no céu, na água. A linha diagonal da ponte direciona o olhar do espectador para a boca da figura que se abre num grito perturbador. A sensação é de querer extravasar a nossa dor junto com esse sujeito que sofre, que sente, que se desespera. Gritamos com ele.
O que espantou os críticos alemães do fim do século XIX foi que o pintor norueguês não pintava o que via, mas “exprimia o que atormentava sua alma”. O próprio Munch revelou que pintava os traços e as cores que afetavam o seu olhar interior. Ele pintava de memória sem nada acrescentar, sem os pormenores que já não via à sua frente. Talvez seja essa a razão da simplicidade das suas telas, do seu óbvio vazio. Ele pintava as impressões da sua infância, trazia as cores de um dia esquecido.
Edvard Munch não foi reconhecido na França como um grande pintor. Na verdade, era considerado, inclusive pelos demais artistas, resultado de uma arte alemã de má qualidade. Como não foi aceito no berço impressionista, Munch retornou para a Noruega. Lá também não foi bem recebido. Decidiu ir para a Alemanha, em 1901. Lá suas obras tiveram um impacto positivo e, em Berlim, ele preparou a famosa série “O Friso da Vida”, definida por ele como “um poema de vida, amor e morte.”
Dança da Vida, da série O Friso da Vida
Dança da Vida, da série O Friso da Vida
Em 1908 sofreu uma depressão nervosa e foi para Copenhague, capital da Dinamarca. No ano seguinte, retornou à Noruega, onde residiu até morrer, em 1944. Tempos depois, alguns críticos compreenderam a originalidade de sua obra que estava, sobretudo, construída na experiência psicológica.
É fato que pouco compreendemos das suas pinturas, mas muito sentimos.
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