Arte de Maheswari Janarthanan
Ana, desde criança, se interessava por pessoas (in)comuns. Tinha medo do doido, um velhinho mudo que sempre passava em sua rua, ele jogava pedras nos moleques que o atazanavam. Tinha medo também de uma mulher deficiente muito rabugenta, que morava ali perto e que vivia a xingar. Figuras que assustavam, ao menos na imaginação, os infantes de sua época. No caminho da igreja, morava uma menina com síndrome de down, tinha o tarado da pracinha… Todos pareciam caricatos demais para uma criança entender e, apesar do medo, todos eles despertavam a curiosidade de Ana. Ela, que pensava: “por que eles são assim?”
Aos onze anos, Ana chegava da escola e ia correndo para a porta da APAE, que era pertinho de sua casa, pra ver as crianças saírem. Ficava ali, do lado de fora… E quando abriam o portão, olhava, observava o que podia ver lá dentro. As crianças iam saindo, umas em cadeiras de rodas ou com muletas, outras carregadas para dentro da Perua escolar. Ela queria saber o que elas tinham, queria aproximar, conversar, entender.
Essa vontade era tão grande que um dia Ana entrou escondida lá dentro. Sentindo um misto de várias emoções por sua aventura, pois temia que não a deixariam entrar, aliada à satisfação da curiosidade, estava com mais coragem do que medo. Não viu ninguém fora das salas, então ela foi passando de porta em porta olhando. Logo, uma mulher a viu e perguntou quem ela era e o que fazia por ali. Respondeu a verdade, que queria ver como era ali dentro, queria ver as crianças. A mulher comunicou a responsável e esta, generosa, permitiu que Ana entrasse quando quisesse e ainda lhe mostrou cada canto da escola. Depois disso, muitas e muitas vezes ela foi à APAE, saciou toda sua curiosidade. Acompanhou por alguns anos uma menininha de quem nunca se esquecerá.
Muitos anos se passaram…
O sétimo e o oitavo período da faculdade foram momentos turbulentos, de intensas vivências. O curso de Psicologia estava transformando todo o interior de Ana. Foi nessa época, que as circunstâncias lhe colocara diante da pessoa que ela acharia a mais interessante do planeta, cujo apelido é “Sig”. Ele era um homem de alma. Já havia algum tempo que Ana percebera a esquizofrenia no ápice de seu interesse. Sig era um homem de alma e com diagnóstico de esquizofrenia, uma combinação rara. Além disso, inteligente, vivaz, bonito e um grande artista. Claro que anos de remédios fortes afetam potencialmente o corpo, principalmente os dentes. Conte também com a palidez de quem há anos não sai de casa e não se exercita. Sig, fumava demais. Contava uns quarenta anos de idade, muita leitura, poesia e criatividade. O indescritível era a interação das duas mentes, a dele e a dela. Ele a elegera uma boa companhia, alguém com quem adorava trocar idéias, ver a forma como ela racionava e a única capaz de atendê-lo como psicóloga. Conviveram por alguns dias prazerosamente. Eram um para o outro raridades do caminho. Assuntos sobre a psicanálise se misturavam a delírios e voltavam em brincadeiras sobre os óculos antiquados de Sig. Ela admirava o ser de Sig e queria conhecer cada continente daquele espírito incomum.
Mas as mesmas circunstâncias que a levou até ele um dia, abruptamente a impediu de vê-lo. Assim, sem saber a importância que ambos se davam, sem despedidas, sem explicações, simplesmente proibiram esse encontro.
Ana sabe que dificilmente encontrará alguém, na vida pessoal ou profissional, como Sig.
Ela amou com facilidade o (in)comum.
Ela tem forte inclinação a interessar-se verdadeiramente por cada um destes seres, pois neles encontra coerência, verdade e sorrisos.