Edwin G. Boring

Edwin G. Boring: pesquisador e cobaia

A história da Psicologia é um assunto vasto, rico e peculiar.

Sua vastidão é vista já a partir da tentativa de situar um nascimento científico da Psicologia. Tal tentativa se trata da organização textual que resuma (numa infeliz tentativa de representar) o processamento dos discursos e das técnicas que compõem uma determinada evolução social, cultural, econômica, política, biológica, temporal, espacial e tecnológica.

Sua riqueza deve-se ao fato de que a história da Psicologia é feita por pessoas e suas relações: ou seja, compõem-se por orientações diversas, afetos singulares, ideias divergentes e convergentes, comunicáveis e comunicantes; domínios e submissões, crises e trevas, revoluções e gozos, compreensões e censuras; enfim, compõem-se por vetores relacionais das pessoas para as coisas, das coisas para as pessoas, das pessoas para as pessoas e das coisas para as coisas, coisas todos nós; pessoas, nós apenas. Por isso, mistura-se com a história de muitas outras coisas como, por exemplo: a história dos jesuítas, a história de filósofos, de fisiólogos, de alemães, ingleses, irlandeses, franceses, norte-americanos, asiáticos, brasileiros e pessoas do mundo todo. As descobertas e criações no campo da Psicologia, como em qualquer outro, maturam-se socialmente; a elas são necessárias condições de possibilidade. Se pensarmos, por exemplo, nas descobertas e criações dos tempos dos séculos XVIII e XIX, cuja capacidade de comunicação entre países era precária (se compararmos com os dias de hoje), mas não ineficaz, entendemos que ao mesmo tempo em que surgiam descobertas e criações de tempos em tempos, isoladamente e personificadas em intelectuais, elas também surgiam ao mesmo tempo, em dois contextos diferentes, como no caso da relação estabelecida entre a sensação e as raízes posteriores da medula, elaborada tanto pelo francês Francois Magendie quanto pelo inglês Sir Charles Bell: de acordo com Goodwin (2010), Bell escrevera sobre as suas descobertas em 1811, submetendo-a, contudo, a poucos amigos. Em 1822, Magendie publicou as suas, sem ter tido acesso às de Bell. A publicação de Magendie reverberou no outro lado do Canal da Mancha e fez com que Sir Bell praguejasse aos céus ultramarinos e reivindicasse a paternidade da lei. A contenda foi resolvida com a oficialização da lei Bell-Magendie (mais detalhes do caso, ver o capítulo 3 do livro “História da Psicologia Moderna”, Goodwin, 2010).

A peculiaridade da história da Psicologia define-se do mesmo modo como sua riqueza que é a forma como o homem conta sua história. O conhecimento por si só é já peculiar, a escrita também.

Tendo em vista a vastidão, a riqueza e a peculiaridade da história da Psicologia, pretendo, nesse texto, apresentar iniciar uma série sobre personagens da Psicologia e inicio com:

1- Edwin G. Boring (1886 – 1968):

Edwin Boring é um dos mais citados historiadores da Psicologia. Tem lugar consagrado como um dos primeiros a escarafunchar a história da Psicologia e um dos poucos a realmente propor uma história. Lançou o livro “História da Psicologia Experimental”, em 1929 e o relançou, revisado, em 1950. (Massimi, 1998). Boring viveu numa época de efervescência conceitual e paradigmática da Psicologia como foi a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX, contribuído para tal efervescência.

Cursou engenharia na Cornell University. Foi estudar os fundamentos da Psicologia somente em 1905 com Edward Bradford Titchener (outro personagem consagrado na história da psicologia). De acordo com o próprio Boring, de acordo com Goodwin (2010), Boring achavam as aulas de Titchener mágicas. Até os anos de 1910 desenvolveu-se como engenheiro siderúrgico, voltando à Cornell onde, em 1914, recebeu o título de Phd em Psicologia.

Em sua permanência na Cornell, Boring estudou:

A-  A aprendizagem humana de labirintos, pesquisa em que conheceu Lucy May, colega de doutoramento, sujeito de suas pesquisas e com quem se casou;

B- A regeneração nervosa, pesquisa na qual cortou o nervo do próprio braço e rastreou a regeneração;

C- Os processos de aprendizagem de esquizofrênicos;

• A sensibilidade visceral como tema de sua tese. Para tanto, ele aprendeu a engolir um tubo que lhe permitia experimentar diferentes substâncias diretamente pelo estômago e anotar seus efeitos sensoriais (muitos textos e trabalhos de Edwin Boring estão digitalizados e disponibilizados pela monopolizadora e inlogável Associação Americana de Psicologia).

Boring trabalhou durante a I Guerra Mundial com testagem de inteligência. Juntamente com Stanley Hall, Mckeen Cattel, Edward Thorndike, Jonh Watson, dentre outros, criou os testes “Army Alpha” e “Army Beta” aplicados em mais ou menos um milhão e meio de recrutas americanos (Baumgartl e Primi, 2006), talvez o empreendimento mais controverso empreendido pela Psicologia que teve como ação o marcar do soldado-gado que foi abatido nos campos de guerra. A papelada que isso consumiu deve ter sido imensa, além da inerente destruição de biomas e espécies de seres vivos a eventos como guerras de tamanho das mundiais. Com isso não quero cair no erro do presentismo, pensando com a minha cabeça no tempo de outras pessoas, e lhes simplificando a capacidade crítica, intelectual e criativa. Como disse, trata-se de um assunto controverso.

Em 1917, o Tio Sam fazia seus 105 anos de vida e precisava de gente para realmente ir à guerra ao invés de a ela se contrariar ou se tornar neutra. O recrutamento ficou sob a responsabilidade dos psicólogos que desenvolviam a psicologia de maneira experimental. Uso o experimental no sentido usado pelo próprio Boring que resumo em duas características: 1- não era considerada a única forma de se desenvolver a Psicologia, mais uma apenas; 2- era uma ciência “pura”, ou seja, aquela em que as condições externas são controladas como variáveis com o intuito de provar alguma hipótese, ou seja, não fazia sentido aplicar a psicologia em esforços de guerra, nem em qualquer outro lugar que não fosse o laboratório a não ser que tal ciência produzisse um produto que pudesse, por regulações éticas, ser disponibilizado para o bem da sociedade, como são as descobertas sobre a memória, inteligência e desenvolvimento humano, feitas, também, pela Psicologia Experimental. Goodwin (2010) afirma que o programa de testagem para o recrutamento na Primeira Guerra Mundial testou mais de um milhão e meio de soldados, mas que, o alto escalão do exército não deu muito crédito ao programa. Além disso, as condições de aplicação dos testes não eram adequadas, condição essencial para gerar dúvida quanto à fidedignidade da aplicação de qualquer teste. Mesmo assim, a Psicologia ganhou terreno fértil para se desenvolver no exército: não tinha feita algo realmente ético e revolucionário para a humanidade, mas conseguiu escolher milhares de soldados para a IGM. Isso foi o suficiente para, na década de 20, ocorrer uma explosão do uso dos testes nas escolas, no comércio e na indústria americana.

Em 1922 foi trabalhar na Universidade de Harvard onde, em 1934, conseguiu separar o Departamento de Psicologia do Departamento de Filosofia.

No ano de 1939, fez parte, juntamente com Carl Rogers, do subcomitê de Pesquisa e Planejamento do Comitê Emergencial em Psicologia coordenado pelo Conselho Nacional de Recursos que havia se organizado com o intuito de apoiar os esforços de guerra com a criação da Comissão de Seleção e treinamento de pessoal militar, sob a coordenação de John Yerkes (Rosa, 2006). Tal movimentação foi acompanhada por diversas associações de Psicologia americanas e acabou por promover a unificação de todas na APA. Atualmente, a APA é composta por Divisões, reconhecidas por números, sendo que a Divisão da Psicologia Militar é a 19.

Curiosidades:

1- A Divisão da APA que trabalha com a história da Psicologia é a de número 26 e foi fundada em 1965, tendo como primeiro presidente Robert Watson. De acordo com as pesquisas de Goodwin (2010), o presidente dessa divisão seria Boring se o mesmo não tivesse recusado a sua candidatura por problemas de saúde.

2- Boring defendia a semana de 84 horas e o ano de 50 semanas e criticava “os acadêmicos de quarenta horas, que tiram longas férias do trabalho no verão” (Boring citado por Goodwin, 2010).

3- Robert Yerkes (diferente de John Yerkes), reconhecido psicólogo coordenador dos projetos militares que, em 1917, criaram os testes Alfa e Beta de recrutamento, chamava ao colega Boring, de acordo com a New World Encyclopedia (2008), de Mr Psychology.

4- Boring apresentava, em programa de televisão, lições de psicologia experimental. Criou 38 programas de 30 minutos cada, no canal educativo da cidade de Boston.

5- O teste Alfa era direcionado para recrutas que sabiam ler; o Beta, aos analfabetos. De acordo com Goodwin (2010), 30% dos recrutas não sabiam ler. Portanto pouco sabiam sobre a guerra além do que o próprio governo americano contava. Os soldados que faziam a versão Alfa eram orientados a “ver o quanto você é capaz de lembrar, pensar e executar o que lhe mandaram fazer. Não estamos procurando loucos. O objetivo é ajudar a descobrir aquilo que você pode fazer melhor no exército” (Yoakum e Yerkes citados por Goodwin, 2010, p. 281). Os que recebiam o teste beta recebiam ordens para seguir as instruções e “não fazer perguntas” (idem).

Referências:

BAUMGARTI, V. O., & Primi, R. Evidências de Validade da Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5) para Seleção de Pessoal. In: Psicologia: Reflexão e Crítica, 19 (2), 246-251, 2006.

BROZEK, Josef e Massimi, Marina. Historiografia da Psicologia Moderna – A versão brasileira. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1998.

GOODWIN, C. James. História da Psicologia Moderna; tradução Marta Ross; – 4° ed. – São Paulo: Cultrix, 2010.

New World Encyclopedia (2008) – acessível no endereço eletrônico: http://www.newworldencyclopedia.org/entry/Edwin_G._Boring; 2008 foi o ano de atualização das informações referentes a Edwin Boring.

ROSA, Francisco Heitor. Satisfação de vida, estilos parentais em militares e universitários.Tese, 2006.