Geni Núñez nasceu em 6 de março de 1991, na cidade de Dourados, no estado de Mato Grosso do Sul. É psicóloga, escritora e ativista indígena pertencente ao povo guarani. Recentemente, concluiu uma pesquisa de pós-doutorado no Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), onde desenvolveu trabalhos interdisciplinares que articulam saberes tradicionais indígenas e produções acadêmicas contemporâneas.

Formou-se em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), instituição na qual também concluiu o mestrado em Psicologia Social. Posteriormente, obteve o título de doutora pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, também na UFSC.
Sua trajetória está marcada pelo engajamento em pautas sociais, territoriais e culturais, nas quais atua como uma importante referência indígena na luta por justiça social — compreendida como um compromisso com a equidade de direitos, a solidariedade coletiva e a articulação entre dimensões econômicas e sociais. Núñez é adepta do feminismo indígena, uma vertente interseccional que integra perspectivas decoloniais, a soberania dos povos originários e os direitos das mulheres indígenas e de suas comunidades.
Defensora da não monogamia política — proposta relacional que questiona normas de exclusividade afetiva e sexual —, Geni também milita pela descolonização dos afetos e pelo enfrentamento de sistemas normativos como o monossexismo (a valorização da atração exclusiva por um único gênero em detrimento da bissexualidade), o binarismo de gênero (visão que reconhece apenas os gêneros masculino e feminino, atrelando-os ao sexo designado ao nascimento) e o cissexismo (estrutura que invalida ou patologiza identidades de gênero não alinhadas ao sexo atribuído ao nascimento).
Além de sua produção acadêmica e ativista, ela participa da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CDH/CFP) e da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), integrando também a Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos/as (ABIPSI). É autora de obras que transitam entre literatura, crítica social e epistemologias indígenas, como Jaxy Jaterê, o saci guarani; Descolonizando afetos: experimentações sobre outras formas de amar e Felizes por enquanto: escritos sobre outros mundos possíveis. Nessas publicações, explora temas como ancestralidade, psicologia, resistência e descolonização, utilizando a escrita como instrumento de transformação social, valorização da diversidade cultural e afirmação de outras formas de existência e saber.
Em suas teorizações em Descolonizando afetos: experimentações sobre outras formas de amar, Geni ilustra de forma fantástica o quanto a invasão colonial, incutida da moral cristã, foi responsável por (tentar) destruir tantas vivências múltiplas e instituir uma forma de se relacionar e de ver os afetos. As principais violências acontecem em nome do amor, e é aí que a gente se questiona que, não fossem as invasões, provavelmente cultivaríamos afetos múltiplos. Teríamos autonomia sobre nossos corpos e não seria um desrespeito quando colocássemos esta em primeiro lugar.
Quando colocamos em pauta que a realidade é, de fato, construída e dita por alguém, podemos começar a questionar as formas como escolhemos nos relacionar. Fomos ensinados de que somos proprietários de uma outra existência. Fomos ensinados a condenar a nudez, porque ela poderia – no discurso colonizatório dominante e opressor – abrir portas para outras relações (o que, inclusive, ainda hoje, fundamenta discursos de culpabilização de violências praticadas contra mulheres, principalmente da natureza do estupro). Fomos ensinados sobre a indissolubilidade do vínculo, mais tarde intrincado na ideia de amor romântico (felizes para sempre, até que a morte nos separe). Fomos ensinados que o adultério é pecado, o que foi, inclusive, criminalizado (mas o estado é laico!).
Aliás, a noção de adultério veio primeiramente da religião cristã, visto que trata-se de um deus que só aceita ser amado em caráter único, para depois ser uma questão transpassada as relações interpessoais (e isso diz muito!). A ideia de que só se prova que ama alguém se não amar outras pessoas em concomitância é o que fundamenta a monogamia, que é central para o cristianismo, configurando-se como alimento ideológico para violências, já que 90% das vítimas de feminicídio foram assassinadas por companheiros ou ex-companheiros. Fosse só o machismo, seriam homens aleatórios cometendo esses assassínios, mas são aqueles com quem as vítimas tiveram um vínculo romântico, monogâmico e heteronormativo.
As interpretações e dados supracitados são frutos da leitura das obras da autora, explicitando a imprescindibilidade de autores que dissertam, em uma linguagem acessível, sobre as realidades criadas a partir da colonização, baseadas, principalmente, na anulação de outras formas de ser e estar no mundo. Justamente através da explicação do processo histórico da instauração de algumas formas de pensar, Geni cria terrenos férteis para propor reflexões de como podemos nos relacionar e estar no mundo de formas diferentes, ao distinguir que tudo não passa de uma construção cultural há anos mantida e imposta, de tal forma que parece natural e, portanto, permanece não questionada.
Geni propõe a existência no lugar desafiador e reconfortante de habitar um contexto que não está baseado nas imposições do que o amor romântico prega, pincelando os paradigmas de instabilidade, complexidade e intersubjetividade, distinguindo a não linearidade e concomitância de vínculos e afetos. Usando formas alternativas de falar e interpretar os fenômenos, ela constrói outras realidades e as apresenta para os leitores, considerando que, apesar de ser difícil pensar diferente ao que foi e é imposto de forma generalizada pela sociedade, ao espiar pelo canto da porta, vemos que existem muitas outras possibilidades e formas de exercitar a vivência de afetos de forma mais respeitosa e menos violenta.
Por fim, Geni é ativa na rede social Instagram (@genipapos), onde compartilha seus escritos de forma poética, refletindo sobre outros mundos possíveis e formas de amar, bem como tecendo críticas a diversas formas de violências simbólicas que perpassam nosso cotidiano. Particularmente, é um sentimento de honra existir em um espaço tempo em que é possível me confrontar com os estudos de uma mulher tão sensível e inteligente, que tanto me inspira e orienta dentro do contexto da prática clínica, visto que demandas embasadas no ideal romântico de constituição de vínculos – para as quais ela propõe formas alternativas de construção – tanto aparecem dentro desse cenário.
REFERÊNCIAS
WIKIPÉDIA. Geni Núñez. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Geni_N%C3%BA%C3%B1ez. Acesso em: 2 jun. 2025.
NÚÑEZ, Geni. Descolonizando afetos: experimentações sobre outras formas de amar. São Paulo: n-1 edições, 2023.
NÚÑEZ, Geni. Felizes por enquanto: escritos sobre outros mundos possíveis. São Paulo: n-1 edições, 2023.