Murray Bowen e a Terapia Familiar Sistêmica

Por Karen Keller Barra De Oliveira

O psiquiatra americano Lucius Murray Bowen (1913-1990) foi um dos fundadores da Terapia Sistêmica e um dos teóricos pioneiros da Terapia Familiar. Bowen era professor de psiquiatria da Universidade de Georgetown e desenvolveu a teoria dos sistemas familiares no início dos anos 1950, com sua primeira publicação em 1966 fundamentada em suas pesquisas com evidências científicas.

O autor iniciou seu projeto de pesquisa observacional sobre as interações familiares na enfermaria da National Institute of Mental Health, onde conseguiu que famílias vivessem por períodos longos. Na pesquisa, Bowen reconheceu famílias como sistemas complexos e descreveu o pensamento de sistemas naturais como essencial para retratar as interações de relacionamento, fugindo da ideia de pensamento de causa e efeito.

Murray Bowen, em 1993, apresenta a teoria do desenvolvimento humano que considera o contexto familiar, multigeracional, social, cultural e histórico e, além disso, a evolução da espécie humana. Para o autor, o funcionalismo humano é determinado pelos princípios naturais que regem outras formas de vida, essencialmente os processos emocionais. Para tal, a teoria boweniana destaca três sistemas de funcionamento: o emocional, afetivo e o cognitivo, que se inter-relacionam e influenciam um ao outro. Bowen (1993; KERR; BOWEN, 1988, apud OTTO; RIBEIRO, 2020, p. 82) afirma que o sistema com maior influência no comportamento de uma pessoa é o emocional, que influencia no funcionamento biológico, psicológico e social do indivíduo, portanto, para o autor, ele é o ponto de partida dos problemas psíquicos mais graves.

A teoria boweniana foi elaborada com oito conceitos que estão inter-relacionados: diferenciação do self; triângulos; processo emocional da família nuclear; processo de projeção familiar; processo de transmissão multigeracional; corte emocional; posição entre irmãos e processo emocional na sociedade.

Entre os conceitos importantes que foram desenvolvidos por Bowen está o de nível de diferenciação, o qual ele descreve como o funcionamento geral da vida de cada pessoa que reflete no nível de maturidade emocional. Para o autor, cada indivíduo reage de uma forma e, desta maneira, pode alcançar a diferenciação do self ou não. Bowen defende que a diferenciação do self é um processo com o objetivo de alcance da individualidade, autonomia, identidade e maturidade e afastamento de impulsos emocionais e reatividades.

Bowen (apud NICHOLS; SCHWARTZ, 2007, p. 131) propõe que o processo de diferenciação ocorre dentro das relações e defende que quando há maior reação, menos diferenciado o indivíduo é, pois a proposta da diferenciação é fundamentada na capacidade de resposta às situações da vida e uma pessoa indiferenciada é reativa a essas situações. Desta maneira, o autor explica que uma pessoa que é diferenciada sofre emoções e não reage aos impulsos emocionais, enquanto as indiferenciadas são mais emotivas e reativas, sentindo dificuldade em promover sua autonomia, como em situações que geram ansiedade. Outro aspecto importante destacado na teoria é o nível de diferenciação do self do terapeuta, que deve ter uma postura diferenciada e consciente do seu funcionamento emocional para evitar que isso interfira no processo terapêutico. (Bowen, 1993; Bowen et al., 1991; Kerr & Bowen, 1988).

Conforme Bowen (NICHOLS; SCHWARTZ, 2007, p. 129), os relacionamentos são motivados pelas forças da individualidade e da proximidade, que devem equilibrar-se, pois é necessário que os indivíduos se relacionem, mas devem ter sua autonomia e independência dentro dos sistemas. É importante destacar que o processo psicoterapêutico desenvolvido por Murray Bowen considera o histórico geracional da família de origem e objetiva a redução de tensões familiares. Desta maneira, a terapia deve atuar nos padrões familiares com o objetivo de neutralizar a ansiedade, entendida como um processo de resposta a ameaças reais ou imaginárias que podem existir de forma aguda ou crônica. (Kerr, 2019; Kerr & Bowen, 1988).

No modelo de terapia boweniano, as sessões iniciais são focadas na coleta de informações sobre o sistema familiar através de genogramas. Nesse sentido, o terapeuta busca pistas sobre o processo emocional da família, como padrões de proximidade e distanciamento, como a ansiedade é tratada, quais triângulos são ativados, o grau de adaptabilidade a mudanças e eventos estressantes e quaisquer sinais de corte emocional (Bowen, 1993; Kerr, 2019; Kerr & Bowen, 1988). Já a segunda etapa é focada na realização de perguntas para os clientes adultos em questões pessoais com o objetivo de aumentar os níveis de diferenciação a fim de que façam declarações sobre pensamentos e sentimentos para conscientização da responsabilidade na relação, movimento considerado fundamental na teoria para a diminuição da ansiedade e de triangulação. (Bowen, 1993; Kerr & Bowen, 1988).

Outra fase importante é a que os clientes adultos são treinados a se diferenciarem de sua família de origem. Segundo Bowen (1993); Kerr & Bowen (1988), os ganhos na diferenciação auxiliam para a diminuição da ansiedade e uma maior autorresponsabilidade dentro do sistema da família nuclear. Desta forma, o autor instrui os terapeutas a saírem de uma posição de ajuda, na qual as famílias aguardam passivamente por uma melhora e sejam colocadas como responsáveis pela sua própria mudança (Bowen, 1993; Kerr & Bowen, 1988).

Com inúmeras contribuições na Terapia Familiar Sistêmica, é importante destacar que Murray Bowen propõe o atendimento de casal e família, atendimento multifamiliar e a terapia apenas com um membro da família. Apesar de preferir o trabalho com casais, Bowen acreditava que os esforços de um adulto para ser mais diferenciado são possíveis, desde que ele esteja bastante motivado. (Bowen, 1993; Kerr & Bowen, 1988).

REFERÊNCIAS

NICHOLS, M. P.; SCHWARTZ, R. C. Terapia familiar – conceitos e métodos. Tradução: Maria Adriana Veríssimo Veronese. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

Oliveira, Leonardo Ferreira de; Lara, Consuelo Dias Chula; Sousa, Angélica Mendonça de. A família e o processo de diferenciação: um estudo da atuação do psicólogo em Murray Bowen. Ânima educação, dez. 2021.

Kerr, M. E. & Bowen, M. (1988). Family evaluation. In family evaluation. W. W. Norton & Company (Digital edition).

OTTO, Ana Flávia Nascimento; RIBEIRO, Maria Alexina. Contribuições de Murray Bowen à terapia familiar sistêmica. Pensando fam.,  Porto Alegre ,  v. 24, n. 1, p. 79-95, jun.  2020 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2020000100007&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  12  maio  2023.