Ogum é um orixá muito popular e querido em nosso país. Orixá guerreiro, senhor da forja dos metais, da metalurgia e da tecnologia, possui caráter violento, impulsivo e arrebatado. É o senhor das estradas, não das encruzilhadas que é domínio de Exu, mas dos caminhos em si.
Ogum teria sido o mais enérgico dos filhos de Odùduà, o fundador do Ifé, e foi ele que se tornou regente do reino de Ifé quando Odùduà ficou temporariamente cego. Em algumas lendas é filho de Iemanjá e irmão mais velho de Exu e Oxossi.
No sincretismo religioso está associado a São Jorge ou Santo Antônio. São Jorge é um tradicional guerreiro dos mitos católicos, entretanto com Santo Antônio a associação é um pouco estranha, pois esse é um santo tem características de ser doce e benevolente.
Como deus do ferro e da metalurgia é, portanto, padroeiro dos ferreiros e de todos aqueles que utilizam esse material em suas ocupações. Ogum está associado ao número 7, devido a uma luta com Iansã, onde ela foi cortada em 9 pedaços e ele em 7.
Em suas lendas é retratado com uma vida amorosa bastante agitada, teve relações com Oya, Oxum, Obá, além de diversas aventuras amorosas durante as guerras, se tornando em algumas lendas pai de Oxóssi. Isso lhe confere um caráter de conquistador.
Pierre Verger aponta que a importância de Ogum vem do fato de ser ele um dos mais antigos dos deuses iorubas e, também, em virtude da sua ligação com os metais e aqueles que os utilizam. Sem sua permissão e sua proteção, nenhum dos trabalhos e atividades úteis e proveitosas seriam possíveis. Ele é, então, o primeiro. E abre o caminho para os outros orixás.
A terça feira é o dia da semana que lhe é consagrado. No xire dos orixás, o primeiro a ser saudado depois que Exú se vai. Na ocasião dos sacrifícios, quando a cabeça do animal deve ser decepada, Ogum deve ser reverenciado, pois a faca utilizada pertence a ele.
Ogum é descrito com humor mutável passando de um temperamento tranqüilo a furiosos ataques de raiva, se tornando arrogante e impetuoso. Quando apaixonado era doce e amável com sua sensualidade impetuosa que não se contenta em esperar, mas quando irado era implacável, destruidor, dramático e enérgico.
O sangue que corre no nosso corpo é regido por Ogum. Afinal ele rege o derramamento de sangue. Ogum representa a Rubedo na alquimia. Vida, libido, raiva, movimento.
Ogum como o deus do ferro e de sua forja é aquele que transforma o ferro em instrumento de luta, mas área de atuação de Ogum se expandiu para outros segmentos, além da guerra. É bem sabido, que em nossa sociedade ocidental, a maior parte das inovações tecnológicas vem justamente de pesquisas armamentistas, sendo posteriormente incorporada à produção de objetos de consumo civil, o que é particularmente notável na indústria automobilística, de computação e da aviação.
Portanto Ogum, em um nível coletivo, não simboliza apenas armas de destruição em massa, mas também o desenvolvimento tecnológico. Abrindo caminhos para o progresso com a atividade criador, levando a expansão de novas fronteiras.
Esse aspecto de operário que transforma a matéria-prima em produto acabado, o leva a ser associado a outros deuses da forja, como o grego Hefesto e o romano Vulcano.
Hefesto era o deus grego das forjas. Filho de Hera forjava armas para os deuses como Zeus e Atena. Hefesto era coxo, mas isso não o impedia de ser valente, destemido, engenhoso e de tomar parte ativa nos combates. Em sua mais famosa lenda, envolveu o próprio leito numa rede invisível, surpreendendo sua esposa Afrodite em flagrante adultério com seu irmão Ares.
O grego Ares, assim como seu equivalente romano Marte, possuem de longe a associação mais evidente com Ogum. Ambos são deuses da guerra, com caráter impulsivo e violento. Ogum, enquanto arquétipo representa a bravura, a virilidade, a impulsividade, a competição, a guerra. É a raiva, a ira, a indignação, mas também a coragem para a luta necessária e para a sobrevivência.
Ogum é a explosão de fúria e violência que cega o indivíduo. Um aspecto importante a ser analisado é a ligação de Ogum com o ferro, que nos da um importante dado sobre esse arquétipo. O ferro enrijecido simboliza uma raiva que se torna fria e enrijecida.
Ele representa uma fúria que ao atingir um patamar, um clímax, esfria e se torna gélida sensação de frio e mortal ressentimento. Esse amargo e sombrio ressentimento, mantém a fúria contida. É como uma lava vulcânica prestes a explodir. Se essa emoção é reconhecida pode ser transformada em algo criativo.
E o mito de Ogum-Hefesto nos aponta a saída. Aquilo que é aparentemente feio, desprezado, aleijado, como a raiva e a fúria, pode se transformar, sob o calor do fogo da forja, em algo criativo, útil e que leva ao desenvolvimento e ampliação dos horizontes do individuo. Uma nova tecnologia, ou seja, uma nova consciência, mais condizente com a realidade, mais útil para o individuo pode vir a tona, e assim o individuo estará munido de mais “armas” para lutar em seu dia a dia.
Referências:
BARCELLOS, M. C. Os orixás e a personalidade humana. Rio de Janeiro: Pallas, 2010.
JUNG, C. Os Arquétipos e o inconsciente coletivo. 2 ed. Petropolis, RJ, Vozes 2002.
VERGER, P. F. Orixás. Círculo do Livro.