Tyler Durden, o terrorista, subversivo, controlador de películas de cinema, fabricador de barras sabão, aquele cara que tem o seu ego mais inflado que um Zeppelin nazista, esse cara, acredite se quiser, com todos seus defeitos e qualidades vai fazer você entender mais um pouco sobre você mesmo.
“A camisinha é o sapatinho de cristal da nossa geração. Você calça quando conhece uma pessoa. Dança a noite toda e depois joga fora. A camisinha, não a pessoa.”
Segundo um artigo escrito pelo pseudônimo “Hugo”, ao site “screamyell.com.br”, o autor Chuck Palahniuk deixa claro que mesmo com toda essa revolução pela qual o mundo vem passando, nem todos são iguais. Ele diz que existem três tipos de pessoas: há os inconscientes, que dificilmente conhecerão o livro e o filme “Clube da Luta” e, mesmo se conhecerem, não vão ser atingidos pela idéia do livro; há os “macacos espaciais” que estarão sempre esperando um Tyler Durden e não tomarão atitudes próprias nunca; e há os Tyler Durdens propriamente ditos. Mas afinal, quem são, agora no plural, esses Tyler Durdens?
Tyler Durden é uma criação esquizofrênica de Jack, protagonista do livro “Clube da Luta”. Ele é criado pela fragmentação de Jack. Desde o início do filme e do livro, é possível registrar alguns comportamentos e frases de Jack, simplesmente Jack, que antecedem o surgimento de Tyler. Jack estava sofrendo de insônia há seis meses e procura orientação médica. Quando pede ao médico para prescrever uma medicação por estar com medo de morrer de insônia e ele diz: “- Mas eu estou sofrendo.”, O médico responde: “-Se você quer saber o que é dor, vai ao grupo de apoio de câncer testicular… Isso sim é dor.” A ideologia de Tyler se faz presente no final da fala do médico: “…Isso sim é dor.”
Mas é somente quando Jack está no avião que realmente Tyler se personifica. Jack, após seu relato sobre a monotonia, desilusão e frustração da sua vida, pensa inclusive em um choque entre aviões. Esse choque idealizado revela a raiva interior de Jack, simbolizando as alterações psicológicas que colapsaram a sua vida e a mudaria radicalmente. É aí que Tyler é criado.
Antes disso tudo, antes de Tyler ser materializado, Jack segue o conselho – em forma de lição de moral – que o médico lhe dá, e visita vários grupos de apoio, porém, ao contrário dos frequentadores destes grupos, Jack não sofre de uma doença fatal ou de algum tipo esquisito de parasitismo sanguíneo ou cerebral. Jack se torna o próprio parasita dependente do sofrimento dos outros. Os seus bens materiais representam para ele tão pouco que só assistindo à dor dos outros consegue chorar e, assim, dormir como um bebê. Porém, rapidamente os grupos de apoio deixam de ser suficientes. A figura de Tyler serve para preencher esse vazio – Tyler é o que Jack sempre sonhou ser.
Pode-se então conhecer a atividade profissional de Tyler e alguns detalhes a seu respeito. Tyler fabrica e vende barras de sabão. Sabão? Porque uma pessoa idealizada, decorrente da fragmentação do ser humano aparece como fabricador de barras de sabão? Segundo o mesmo Hugo citado acima, “por um lado, o sabão se prende com o lavar, apagar o materialismo – exatamente o que Tyler prega durante toda e viagem a respeito dos malefícios do consumismo – por outro, o fato de Tyler roubar gordura humana de centros de lipoaspiração para fabricar as barras de sabão que vende a $20 cada, remete para o extremo oposto”. Há uma antítese nesta figura: o mesmo sabão que nos leva para o anti-materialismo, é, na verdade, proveniente da forma mais pura de materialismo: a busca pela perfeição do corpo. Essa mesma ideologia explica a comparação que Tyler faz entre a camisinha e um sapatinho de cristal, constante no segundo parágrafo deste trabalho, mencionada fora de contexto e até agora sem nexo.
Tyler insiste na filosofia de que a dor liberta a alma. Assim, Jack começa uma atividade de auto-destruição para melhorar sua existência entediante: Surge aí o CLUBE DA LUTA.
Os pensamentos destrutivos de Jack são evidentes, principalmente quando Tyler faz uma queimadura química na mão de Jack, com um beijo e potássio. Quando percebemos que Tyler e Jack são a mesma pessoa, essa cena atinge outra dimensão que leva à percepção da auto-mutilação que se pretende recriar. O beijo, que significa amor, assume aqui o papel de destruidor. Não há limites para Jack. O que era deixou de ser. Os conceitos alteram-se neste novo e complexo mundo que Jack descobriu.
É aí, quando Jack descobre esse novo mundo, que a figura de Tyler toma controle da situação. Quando os Tyler Durdens do mundo real tomam controle da situação é que a coisa começa a ficar boa.
Tyler Durden te faz perceber o que te incomoda e dá as armas de que você precisa. Na verdade, o Clube da Luta é um manual prático do terrorista amador. Está tudo lá: o quê, como é, por que fazer. E, assim, chegamos ao principal: O que Tyler Durden quer?
Na verdade o que o Tyler Durden quer, na forma mais genérica de se dizer, é o desapego às coisas materiais. Contudo, como, quando e onde ele quer vai depender do Tyler Durden de cada um e do quanto o Tyler Durden que existe em você – e que aparece através dos seus sonhos – está preparado para se mostrar.
Mas não se preocupe, logo depois de ensinar como fazer um silenciador caseiro ou de como preparar um monitor de computador para explodir na cara do seu chefe, ele avisa: “se furar errado, o revólver explode na sua mão”, “mas saiba que se houver uma faísca ou até mesmo eletricidade estática produzida pelo carpete, você está morto. Morre queimado e gritando” e “é aqui que você pode morrer se não usar uma chave de fenda com isolamento”. Geralmente isso é o bastante para intimidar um Tyler Durden ainda em desenvolvimento.
Ou seja, mesmo que você seja influenciado pelo livro ou pelo filme você não vai criar um maluco ou influenciar alguém de maneira destrutiva, pois não se cria artificialmente um Tyler Durden.
Certo, e agora? Onde chegamos? O que concluimos? Na verdade não há conclusões exatas assim como em trabalhos médicos usuais. Isso que é o interessante em se trabalhar com saúde mental.
O que nós queríamos saber mesmo era se uma obra somente pode representar toda um época? Nós esperamos que não. Nós preferimos acreditar que o que nos cerca e a época em que vivemos são muito mais complexos do que possamos supor. E, por isso mesmo, mais interessante. Mesmo com todas essas merdas que se dizem cultura e arte que existe por ai.
“Nossa geração não viveu uma grande guerra ou uma grande depressão, mas nós sim, nós vivemos uma grande guerra espiritual. A grande depressão é a nossa vida. Somos os filhos do meio da história e fomos ensinados pela televisão a acreditar que um dia seremos milionários, astros de cinema e do rock, mas é mentira. Tudo o que você mais ama o rejeitará ou morrerá. Tudo o que você já criou será jogado fora.Tudo de que você mais se orgulha terminará em lixo.” Tyler Durden.
FICHA TÉCNICA DO FILME
CLUBE DA LUTA (Fight Club, EUA, 1999)
Gênero:Drama
Duração: 2h20min
Roteiro: Jim Uhls, baseado em livro de Chuck Palahniuk
Elenco: Brad Pitt, Helena Borham Carter, Meat Loaf, Jared Leto, Zach Grenier
Direção: David Fincher
Produção: Ross Bell, Cean Chaffin e Art Linson
Música: The Dust Brothers
Fotografia: Jeff Cronenweth
Direção de arte: Chris Gorak
Nota: o texto é resultado de uma atividade da disciplina de Psiquiatria do curso de Medicina do ITPAC – Porto.