Rupi Kaur: Traz a cura pelas palavras

Com 4,5 milhões de seguidores, Kaur fez de sua poesia sincera sobre amor, desgosto, feminilidade e traumas  uma sensação global.

A internet está saturada de fenômenos de popularidade, mas poucos são tão notáveis quanto Rupi Kaur, uma mulher de 31 anos, nascida na Índia e criada no Canadá. Rupi se destaca como escritora de conteúdos sérios em uma linguagem poética e acessível. Além disso, ela se dedica à poesia, um gênero não tão difundido na rede. 

Nascida em Punjab em 4 de outubro de 1992, é uma poetisa, escritora e artista da palavra falada contemporânea, com raízes indianas e canadenses. Reconhecida como uma “Instapoet”, ela ganhou popularidade online por meio de seus poemas compartilhados no Instagram, destacando-se como uma voz proeminente no movimento feminista. As poesias de Rupi abordam temas complexos, como abuso, violência, amor, sofrimento, maternidade, machismo e relacionamentos. Elas exploram o trauma e o desconforto de maneira direta e sem ironia, mostrando uma coragem notável, conforme observa a tradutora e poetisa Ana Guadalupe.

Rupi Kaur emergiu como um fenômeno literário, conquistando o título de autora best-seller número 1 do New York Times. Sua jornada começou com a publicação independente de sua primeira coleção de poesia, “leite e mel” (2014), seguida pelos seus irmãos artísticos, “o sol e suas flores” (2017) e “meu corpo, minha casa” (2020), ambos estreando no topo das listas de mais vendidos em todo o mundo. Essas coleções já venderam mais de 12 milhões de cópias e foram traduzidas para mais de 40 idiomas, com “leite e mel” se tornando um dos livros de poesia mais vendidos do século XXI. Além disso, Kaur foi reconhecida como a “escritora da década” pela New Republic e foi incluída na lista 30 under 30 da Forbes. Em 2022, lançou seu quarto livro, “Cura pelas palavras”.

No campo audiovisual, em 2021, Kaur produziu “Rupi Kaur Live”, um especial de poesia exclusivo para o Amazon Prime Video. Além disso, atuou como produtora executiva do filme “This Place”, que estreou no Festival Internacional de Cinema de Toronto em 2022, e do filme indicado ao Oscar de 2024, “To Kill a Tiger”. Kaur tem sido uma presença marcante nos palcos de todo o mundo, culminando na conclusão bem-sucedida de sua terceira turnê global com ingressos esgotados em 2023. Seus espetáculos oferecem uma experiência teatral poética única, complementada pelo toque de comédia stand-up próprio de Kaur. Seu trabalho aborda temas como amor, perda, trauma, cura, feminilidade e muito mais.    

Em 2015, a autora publicou em suas redes sociais um ensaio sobre menstruação, incluindo uma foto dela deitada de costas, usando um pijama manchado de sangue menstrual. Essa imagem foi removida da plataforma duas vezes, alegadamente por violar as diretrizes da rede social. Em resposta, a autora protestou no Facebook e no Instagram. A repercussão de seu protesto foi tão intensa que a plataforma reconsiderou sua decisão e pediu desculpas, reconhecendo seu erro. No entanto, a relação de Rupi Kaur com o Instagram vai além desse episódio. Ela é reconhecida como uma “instapoet”, uma marca que a define devido à sua presença e popularidade na plataforma. O termo “instapoet”, originado do inglês pela combinação de “Instagram” e “poet”, descreve poetas que ganham destaque por publicar poemas curtos e acompanhá-los com ilustrações simples, mantendo esse formato mesmo ao serem compilados em livros.

                                                                                                               Fonte: Rupikaur / Photoalbum

“Antes do meu livro, o mercado editorial achava que não havia mercado para poesia sobre trauma, abuso e cura”, afirmou Rupi ao The Guardian em agosto de 2016. O trauma, uma constante na vida de tantas mulheres, é precisamente a matéria-prima de sua obra.

Quando Rupi nasceu, seu pai não estava presente, pois precisou fugir da perseguição religiosa, indo para o Canadá.  Assim, em seus primeiros anos de infância Rupi foi criada junto a mãe e a  família materna, o que, de acordo com Rupi em uma entrevista para o Girlboss Radio, foi algo muito rebelde e incomum para a cultura indiana. Normalmente o que acontece numa família indiana é que quando um homem e uma mulher se casam, a mulher deixa a família para viver com os sogros. Somente quando Kaur tinha seus 4 anos de idade, seu pai conseguiu a cidadania para o resto da família no Canadá. Por isso, em suas criações a poetisa traz em suas obras a barreira de linguagem, o contraste entre a língua materna e o inglês, o estranhamento com o pai nos primeiros anos, a saudade da família materna e muitas outras nuances presentes na vida de uma família de imigrantes.

“Quando eu nasci, já havia sobrevivido à primeira batalha da minha vida: o feticídio de meninas [prática comum em algumas culturas indianas]. Mas nós enfrentamos tudo. Minha poesia é uma das rotas para isso”, explica ela em seu site. “Milk and honey” (“leite e mel”), título original de “Outros jeitos de usar a boca”, faz menção ao genocídio do povo sikh na Índia – etnia do Estado de Punjab, à qual pertence a poeta e sua família. Segundo ela, os sikh, especialmente suas mulheres, saíram do massacre “suaves como o leite, mas fortes como o mel”. Seguindo a lógica da superação de um grande trauma, o livro tem quatro partes: a dor, o amor, a ruptura e a cura.

Uma das dificuldades na tradução dos poemas, segundo Guadalupe, foi justamente propor soluções que respeitassem a mistura que a autora faz de elementos da linguagem. Ao falar sobre Rupi Kaur, deve-se mencionar que uma característica única de sua escrita é que seu trabalho é escrito exclusivamente em letras minúsculas, para homenagear a escrita de sua língua materna, como explica a poetisa em seu site:

Quando comecei a escrever poesia, eu conseguia ler e entender minha língua materna (punjabi), mas ainda não tinha desenvolvido as habilidades necessárias para escrever poesia nela. Punjabi é escrito na escrita Shahmukhi ou Gurmukhi. Na escrita Gurmukhi, não há letras maiúsculas ou minúsculas. As letras são tratadas da mesma forma. Gosto dessa simplicidade. É simétrico e direto. Também sinto que há um nível de igualdade que essa visualidade traz ao trabalho. Uma representação visual do que quero ver mais no mundo: igualdade. A única pontuação que existe na escrita Gurmukhi é um ponto final – representado pelo seguinte símbolo: | Então, para simbolizar e preservar esses pequenos detalhes da minha língua materna, eu os inscrevo no meu trabalho. Sem distinção de casos e apenas períodos. Uma manifestação visual e uma ode à minha identidade como mulher diaspórica Punjabi Sikh. Trata-se menos de quebrar as regras do inglês (embora isso seja muito divertido), mas mais de vincular minha própria história e herança ao meu trabalho.” (2024, Rupi Kaur)

Poema da jovem poeta canadense Rupi Kaur: “Aos pais que têm filhas”, do bestseller Outros jeitos de usar a boca (Milk and Honey)

Referências

 

KAUR, Rupi. Outros jeitos de usar a boca. Brasil : Editora Planeta, 2017.

KAUR, Rupi. O que o sol faz com as flores. Brasil : Editora Planeta, 2018.

KAUR, Rupi. Meu corpo, minha casa. Brasil : Editora Planeta, 2020.

KAUR, Rupi. Cura pelas palavras. Brasil : Editora Planeta, 2023.

KAUR, Rupi. Rupi Kaur é poetisa, artista e performer. Disponível em <: https://rupikaur.com/pages/about-me >. Acesso em 09 abril. 2024.

Guedes, Letícia. Rupi Kaur: é a resposta para as perguntas que não foram feitas. Disponível em <: https://gctinteiro.com.br/biografia-07-rupi-kaur/ >. Acesso em 09 abril. 2024.

D’Angelo. Helô. Fenômeno de vendas, Rupi Kaur faz do trauma a matéria prima de sua poesia. Disponível em <: https://revistacult.uol.com.br/home/rupi-kaur-faz-do-trauma-a-materia-prima-para-sua-poesia/ >. Acesso em 09 abril. 2024.

AMORUSO, Sophia. Rupi Kaur sobre o poder da empatia, da honestidade e da narrativa.  Disponível em <: https://girlboss.com/blogs/read/rupi-kaur >. Acesso em 09 abril. 2024.

Autor não definido. A história da famosa Rupi Kaur. Disponível em <:https://www.sikhnet.com/news/story-famous-rupi-kaur >. Acesso em 09 abril. 2024.