Na perspectiva psicanalítica, crise pode ser definida por uma ruptura aguda da cadeia significante. Podendo assim ser entendida como “algo que foge da realidade, desencadeando uma série de eventos estressores e conflituosos para a vida do sujeito” (BARRETO, 2004). Ancorada a esse olhar clínico, torna-se relevante observar o sujeito como um todo, ou seja: o contexto que originou tal crise e o sofrimento instalado, provedor desse adoecimento que, se não acolhido e compreendido há tempo pode vir a trazer sérias consequências ao indivíduo. Vale ressaltar que, a crise gera mudanças, podendo estas ser; tanto positiva quanto negativa. O que irá apontar para tais direções é “a elaboração que cada sujeito irá conseguir fazer da situação que o cerca.” (CANGUILHEM, 2010 apud Lima et. al 2012).
Partindo desses conceitos, elege-se um personagem para uma breve análise das situações de crise vivenciadas pelo mesmo; compreendendo algumas situações que acarretaram e desencadearam algumas crises, bem como as respostas apresentadas perante as crises e também como elas foram percebidas. Desse modo, o personagem escolhido para essa análise trata-se de um físico teórico e um dos maiores cosmólogos da atualidade: Stephen William Hawking. Popularmente conhecido como Hawking, este brilhante cientista nasceu no ano de 1942.
Ao explanar os percursos da vida deste proeminente físico nos atemos a sua biografia, intitulada: “Minha breve história”. Em seu livro, o autor relata toda sua trajetória, indo desde a infância, até sua vida adulta. Em meio a uma família “excêntrica” para os padrões vigentes de sua época, Hawking nutriu um dos grandes fortes de seus genitores: o interesse pela leitura. Apesar de o genitor almejar que o jovem optasse por Medicina, Stephen inicialmente evidenciou seu interesse pela área de exatas. Contudo, devido à impossibilidade de seguir nesta perspectiva, acabou estudando química.
Considerado um gênio preguiçoso, o interesse de Hawking pela Física não foi algo presumível, dado que; considerava física uma das matérias mais chatas, pois era óbvia. No entanto ele dizia que a física e a astronomia ofereciam a esperança de compreendermos de onde viemos e por que estamos aqui. E nesse intuito de desvendar os mistérios do universo, Steve se ateve a Física.
Hawking foi assim construindo sua carreira; estudou, viajou, participou de conferências, e em seu último ano em Oxford notou que estava ficando muito “desajeitado”; foi então que resolveu ir ao médico, após ter caído de uma escada. O médico apenas o orientou parar de beber. Após se mudar para Cambridge, teve outra surpresa desagradável: caiu de novo quando estava patinando. Porém, dessa vez não conseguiu mais se levantar sozinho. Foi então que, decidiu buscar orientação de um especialista, e aos 21 anos de idade foi diagnosticado com ELA (esclerose lateral amiotrófica).
Nesse período, a Medicina apontou que a expectativa de vida de Hawking era de aproximadamente três anos. Diante dessa triste descoberta, o jovem físico começou a se questionar, sentir-se muito mal e isolar-se, em especial de sua namorada. Entretanto, quando ainda estava no hospital, Steve relata que viu um jovem morrer de leucemia diante de sua face. Atribui a este momento o surgimento de motivação para continuar lutando: “Era óbvio que havia pessoas em situação pior do que a minha, ao menos a minha condição não me fazia sentir tão mal. Sempre que me vejo inclinado a ter pena de mim, eu me lembro daquele menino” (HAWKING, 2013 p.41).
Nessa assertiva verifica-se a ruptura do complexo encadeamento subjetivo atribuído por Steve até então. Diante da possibilidade de pouco tempo de vida, ele se viu desanimado. No entanto, após sair do hospital, Hawking começou a explorar pensamentos positivos, concebendo a ideia de que: poderia contribuir e fazer algo de bom. “Subitamente, percebi que havia um monte de coisas boas que eu poderia fazer se tivesse mais tempo. Outro sonho que tive diversas vezes foi o de que eu sacrificava a minha vida para salvar outras pessoas. Afinal, já que eu ia morrer mesmo, poderia muito bem fazer algo de bom”. (HAWKING, 2013, p.41).
Algo que o motivou a continuar com seus projetos, foi; seu noivado com Jane Wilde, uma moça pelo qual se apaixonou na época em que foi diagnosticado por ELA. Eles pensavam em se casar, e para isso Hawking, resolveu terminar seu Ph. D e começou a trabalhar. Em julho de 1965 eles se casaram.
O primeiro filho nasceu após dois anos de casados. Nesse período Hawking fazia várias viagens para encontros científicos e seu quadro se agradava progressivamente. Como consequência; ele não conseguia ajudar a esposa a cuidar das crianças, o que trouxe um desgaste excessivo para a mesma, fazendo-a a entrar em depressão. Durante esse tempo Hawking teve várias contribuições em pesquisas e realizou grandes descobertas. Em 1975, quando retornou a Inglaterra, Hawking foi eleito como professor lucasiano em matemática; posto ocupado por Isaac Newton e Paul Dirac.
O terceiro filho do casal nasceu em 1979, e nessa época a depressão de sua esposa se agravou. Ela estava preocupada que ele fosse morrer em pouco tempo e queria encontrar alguém que daria apoio a ela e às crianças e que se casaria com ela quando ele partisse. Ela encontrou Jonathan Jones, músico e organista da igreja local, e cedeu a ele um quarto no apartamento deles. Hawking teria se oposto, mas também achou que iria morrer cedo e sentia que era necessário encontrar alguém que apoiasse as crianças depois disso.
A sua saúde piorou, e um dos sintomas de sua doença progressiva eram episódios prolongados de falta de ar. Em 1985, em uma viagem para a CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear), na Suíça, ele pegou uma pneumonia. Foi levado às pressas para o hospital da região e o colocaram em um respirador artificial. Os médicos do hospital acharam que ele estava tão mal que sugeriram desligar o respirador e dar fim à sua vida, mas Jane se recusou e o levou, em uma ambulância aérea, de volta para Cambridge, para o Hospital Addenbrooke. Os médicos de lá se empenharam ao máximo para reverter seu quadro e o deixar na situação em que ele estava anteriormente, mas no final foram obrigados a realizar uma traqueostomia. Antes do procedimento, sua fala estava cada vez mais inarticulada e, por isso, apenas as pessoas que o conheciam bem, conseguiam compreendê-lo. Mas pelo menos ele era capaz de se comunicar. Porém, com a traqueostomia ele veio a perder completamente a capacidade de falar.
Por certo tempo, a única maneira que ele tinha para se comunicar era soletrar as palavras, levantando as sobrancelhas quando alguém apontava para a letra certa em um cartão com o alfabeto. Entretanto, um especialista em computação da Califórnia chamado Walt Woltosz ouviu falar do seu problema e enviou um programa de computador que ele desenvolvera, o Equalizer. O programa permitia que Hawking selecionasse as palavras, a partir de uma série de menus na tela, ao pressionar um botão em sua mão. Atualmente ele usa outro de seus programas, o Word Plus, que controla por meio de um sensor acoplado em seus óculos que reage ao movimento de sua face. Quando ele formula o que quer dizer, envia as palavras para o sintetizador de fala.
Quando Hawking saiu do hospital, precisava de cuidados de enfermagem em tempo integral. No início ele achou que sua carreira científica estivesse terminada e tudo o que restaria seria ficar em casa e ver televisão. Mas logo descobriu que poderia prosseguir com seu trabalho. Entretanto, ficou cada vez mais infeliz com a proximidade entre Jane e Jonathan. No final, não conseguiu mais suportar a situação e, em 1990, foi morar em outro apartamento com uma de suas enfermeiras, Elaine Mason. Eles se casaram em 1995. Nove meses mais tarde, Jane se casou com Jonathan Jones.
Alguns anos mais tarde, Hawking teve outra crise, porque seus níveis de oxigênio estavam caindo perigosamente durante o sono profundo. Levaram-no às pressas para o hospital, onde permaneceu por quatro meses. No final, teve alta, mas continuou com um respirador artificial, usando durante à noite. Seu médico disse a Elaine que ele voltaria para casa para morrer. Após essas crises, Elaine ficou muita afetada emocionalmente, eles então se separaram em 2007, e desde então, ele mora sozinho com uma governanta.
Diante dessa vasto bibliografia, observa-se que o personagem em questão, tem uma trajetória de superação surpreendente, e que mesmo em seus momentos de extrema dificuldade e limitações físicas, optou por explorar seu potencial da melhor forma possível, fazendo com que isso fosse sua maior motivação, acreditar que por mais difícil que fosse, ele podia fazer algo mais, ele podia ser mais forte que aquela doença. Grande exemplo disso foram os grandes números de pesquisas e reconhecimentos que obteve.
“Minha deficiência não foi um obstáculo sério no meu trabalho científico. Inclusive, acho que de certa forma foi uma vantagem: não tive de dar palestras ou aulas a estudantes de graduação, nem precisei participar de tediosos comitês que consomem muito tempo. Dessa forma, pude me dedicar por completo à pesquisa. Para os meus colegas de trabalho, sou apenas mais um físico, mas para o público em geral, me tornei possivelmente o cientista mais famoso do mundo”. (HAWKING, 2013, p.41).
Apesar de todas as lutas enfrentadas, Hawking considera que teve uma vida prazerosa, pois ele acredita que “pessoas com deficiências devem se concentrar nas coisas que a desvantagem não as impede de fazer, e não lamentar as que são incapazes de realizar. No meu caso, consegui fazer quase tudo o que queria” (HAWKING, 2013p.88).
Por fim, ele acrescenta que seus primeiros trabalhos mostraram que a relatividade geral clássica colapsava nas singularidades do Big Bang e dos buracos negros. Suas pesquisas posteriores mostraram como a teoria quântica pode prever o que acontece no começo e no fim do tempo. Conclui assim dizendo que: “Tem sido um período glorioso para se viver e fazer pesquisa no campo da física teórica. Fico feliz se acrescentei algo ao nosso conhecimento do universo” (HAWKING, 2013, p.91).
Para concluir:
[…] por mais contingente que seja a vida e suas expressões, inclusive das suas dores, e por mais aterrorizadoras que sejam as condições encontradas nas crises (por todos aqueles que as vivem – usuários, familiares e técnicos), apenas relações vinculares sólidas e estratégias de cuidado consistentes, seguras e corajosas são capazes de conter acontecimentos que indicam uma situação de desordem, de desestruturação e de caos. (LIMA, M. et al, 2012 p.10).
Nesse contexto, tendo em vista a pluralidade de significados, as formas de expressão e os domínios da existência envolvidos nessas situações, as estratégias vinculares só podem ser desenhadas em arquiteturas relacionais complexas que ponham em contato sujeitos, disciplinas, saberes, fazeres e afetos de modo a que uma auto e ao mesmo tempo inter reflexividade seja viável.
Referências:
BARRETO, Francisco Paes. A Urgência Subjetiva na Saúde Mental. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise. N.40, São Paulo: Edições Eólica, 47-51, agosto de 2004. Disponível em: <file:/C:/Users/comercial%20maraba/Documents/Documents/intervenção%20em%20crise/Francisco_Paes_Barreto_A_urgencia_subjetiva_na_saude_mental1.pdf > Acesso em: 28 de abril 2016.
HAWKING, Stephen. Stephen Hawking: Minha breve história. Rio de Janeiro: Intrínseca Ltda., 2013. 93 p. Disponível em: <http://lelivros.online/book/download-minha-breve-historia-stephen-hawking-em-epub-mobi-e-pdf/>. Acesso em: 12 abr. 2016.
LIMA, et al. Signos, significados e práticas de manejo da crise em Centros de Atenção Psicossocial. Comunicação, saúde e educação. Salvador – BA, v. 16, n. 41, p. 423- 34, abr./jun., 2012.