Vasalisa: Como o arquétipo da mãe-boa-demais e da sabedoria influencia a sociedade?

A história de Vasalisa envolve arquétipos de uma forma profunda e cheia de ensinamentos. Ao ler esse conto é possível perceber traços dentro da nossa psique manifestos através do inconsciente coletivo. Os arquétipos são ativados quando o indivíduo vivencia algo que tenha uma relação com as imagens herdadas dos antepassados, através de folclore, mitos, lendas e contos de fada emitindo representações de um  padrão universal.

O conto Vasalisa traz a história de uma menina que morava com a família em uma casa muito bonita, próximo da floresta, onde viviam muito felizes. Vasalisa sempre contava com a companhia de sua mãe-boa-demais. Certo dia sem nenhum aviso prévio, sua mãe foi acometida de uma doença mortal. Então a mãe pediu para chamar sua filha, e gostaria de entregar um presente muito valioso que fez com suas próprias mãos.

Ao chegar, Vasalisa ganhou de sua mãe uma boneca pequena, exatamente como ela se vestia, e isso foi primordial para um amor à primeira vista. Muito feliz agradeceu a mãe e expressou que gostaria que a mãe permanecesse viva para orientá-la quando fosse necessário. A mãe explicou a ela que dali em diante a boneca seria seu norte, ajudaria no que fosse preciso, mas teria que escondê-la de todos, e não se esquecesse de alimentá-la.

A mãe de Vasalisa morreu, o tempo foi passando a vida seguindo e seu pai casou-se novamente com uma mulher que possuía duas filhas e vinham morar junto com eles para se tornar uma nova família. O pai não observava o quanto a madrasta e suas filhas exploravam Vasalisa e desejavam o seu fim. 

O tempo passou, todas as coisas eram diferentes, mas Vasalisa permanecia com sua meiguice, doçura, e atenta a tudo que lhe pediam. Então, certo dia as três malvadas decidiram colocar um ponto final na vida de Vasalisa. Após um dia muito exaustivo, ao retornar para casa, haviam apagado todo o fogo da casa, e só permitiam o seu retorno se ela fosse ao meio da floresta na casa da Baba Yaga em busca de um fogo que não se apagasse. 

Vasalisa, mesmo com muito medo, pegou sua boneca, um pedaço de pão, e foi em busca de encontrar a casa da Baba Yaga. Quando imaginou estar totalmente perdida a boneca moveu-se em seu bolso dando a entender que estava no caminho certo. Mas adiante enxergou uma casa sobre umas pernas de galinha, movimentando de um lado para o outro.

Ao chegar acordando Baba Yaga a encontrou de muito mau humor, mas ao avistar uma doce menina em sua porta pedindo por um fogo que nunca se apaga, deixou-a entrar. Mas só poderia levá-lo após executar algumas tarefas. Então a velha assustadora deixou uma enorme lista para que ao retornar estivesse tudo organizado. 

Vasalisa dava o seu melhor, mas já estava muito cansada, então a boneca a mandava ir descansar e quando acordava estava tudo pronto. Quando Baba Yaga chegou ficou impressionada com a agilidade da menina. Passou nova lista e da mesma maneira foi feito, fazia arduamente até as suas últimas forças e ao ponto de desistir a boneca assumia as tarefas e falava para ela ir dormir. 

Ao perceber que estava tudo como foi pedido, Baba Yaga ficou impressionada, em meio às suas conversas Vasalisa fez algumas perguntas, após calando-se. Ao ser questionada, ela fala da bênção que possui da sua mãe-boa-demais, e a Baba Yaga mudou no mesmo instante seu humor, entregando o fogo em uma caveira e mandando de volta para sua casa. 

Vasalisa, a boneca e o fogo que nunca se apaga caminham durante a noite pela floresta. Ela se pergunta: será que devo mesmo levar esse fogo que jamais se apagará para dentro da minha casa? A boneca movimentou-se mais uma vez no bolso e uma voz saiu da caveira dizendo para não ficar preocupada e seguir a caminho de casa. 

Ao chegar em casa encontra sua madrasta e suas irmãs malvadas, apreensivas quando avistaram a chegada da Vasalisa com o fogo em suas mãos. Acendeu o fogo e se retirou, e na medida em que o fogo aquecia a lareira, queimava as três por dentro tornando-as carvão. Então os dias de Vasalisa foram leves, passeando pela floresta todos os dias, sem ter ninguém para importuná-la e desejar a sua destruição. 

Fonte: Vecteezy.com

Reflexão

Através do conto de Vasalisa, é possível destacar diversos arquétipos, que são vividos ao longo da trajetória humana, percebendo as dificuldades e lições que as metáforas ensinam. 

A autora Clarissa Pinkola Estés do livro “Mulheres que correm com os lobos”, trás de uma forma simples e bastante útil reflexões de arquétipos vivenciados pela sociedade no dia a dia. No conto de Vasalisa, podem-se notar dois arquétipos bastante comuns. 

Arquétipo mãe-boa-demais

A imagem arquetípica da grande Mãe traz uma representatividade de cuidado, amor, alimento e produtividade, apresentando um símbolo de prosperidade, onde tem a responsabilidade de trazer ao mundo os frutos. Mãe significa proteção, sinônimo de defesa dos seus filhos. 

O arquétipo da grande mãe traz uma representação saudável, pois mãe é aconchegante, acolhedora e o bebê precisa disso para sobreviver à fase inicial. A criança vai se desenvolvendo, e ao chegar à fase adulta precisa aprender a buscar a sua luz, ou seu caminho. Mas a partir da imagem da grande mãe, surgem novas facetas desse arquétipo que contribuem de forma negativa, surgindo a mãe devoradora, mãe extremamente boa, mãe super nutridora, mãe-boa-demais, que então começa desenvolver uma sociedade muitas vezes com a prevalência do arquétipo puer aeternus. De acordo Monteiro, (2010) o arquétipo puer aeternus representa a criança eterna, que não busca entrar na vida adulta, independente da idade que o indivíduo possa ter, deseja viver no aconchego materno. Portanto existem mães que  não permitem que o filho cresça sem o seu comando, longe dos seus olhos, vai formando filhos sufocados, sem grandes responsabilidades, cheio de privilégios e medrosos.

No conto de Vasalisa, quando a mãe-boa-demais morre, a autora Clarissa Pinkola Estés mostra a necessidade que essa mãe do bebê finalize seu ciclo e comece a nascer uma nova realidade. A criança não pode viver todas as fases no aconchego, no leite materno, sem responsabilidade, sem buscar uma direção para sua vida. Ao passar de fase, não tem muito sentido estar viva essa mãe-boa-demais. 

No desenvolvimento de uma pessoa, é necessário que essa mãe seja menos protetora, cuidadosa, provedora. Se o indivíduo nasce, cresce, alguns se reproduzem e não deixa essa mãe-boa-demais, não consegue se desenvolver, algumas vezes até possuem uma estabilidade financeira, mas não possui um desenvolvimento emocional. No conto onde a mãe deixa a boneca, significa que a mãe deixa uma herança, um legado, uma intuição a ser seguida, mas com livre arbítrio, onde a pessoa busca viver uma vida responsável pelas suas escolhas, lembrando sempre dos ensinamentos de sua mãe. 

O Arquétipo da Sabedoria 

A psicologia analítica, conhecida também como psicologia junguiana, apresenta o Velho Sábio, Senex ou apenas sábio, o arquétipo que está inserido no inconsciente coletivo desde os antepassados, representando a sabedoria. 

De acordo com Jung, (2018) a imagem arquetípica do velho sábio é representada por pessoas que exercem algum poder ou autoridade, como o professor, avô, mago apresentado em sonhos. Quando uma pessoa expressa uma sabedoria a imagem arquetípica que representa é a sabedoria. 

No conto da Vasalisa, quando se depara com Baba Yaga, ela retrata uma simbologia de uma mãe não tão boa, mas que ensina o filho a exercer suas atividades, e fazendo o máximo que consegue em busca dos seus objetivos. Apesar da moradora da casa em cima das pernas de galinha possuir uma idade avançada, ela é uma senhora inteligente, e tem muito a ensinar.

Quando Baba Yaga faz uma lista de afazeres para Vasalisa, ela não está sendo uma malvada, mas sim, trazendo um ensinamento, representando essa mãe quando a criança cresce. Mostrando ali coisas que podem ser feitas por ela. Lavar a roupa, cuidar da casa, varrer o quintal e separar o milho, tudo isso pode trazer uma representação, mostrando a importância do cuidado com a psique, saúde mental e a organização interior.

E quando Vasalisa estava no limite a boneca mandava deitar-se para descansar. Com isso a autora mostra a importância do repouso, de que não é necessário fazer tudo de uma só vez, mas buscar compreender algumas situações vivenciadas naquele dia que não deu ainda para digerir, não tem a resposta desejada, acalma, espere, dê tempo ao tempo, e busque descansar e ao retornar tenha um olhar diferente sobre aquela situação. 

Fonte: Vecteezy.com

Referências

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro: Rocco, 2014.

JUNG, Carl Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo Vol. 9/1. Editora Vozes Limitada, 2018.

MONTEIRO, Dulcinéia Da Mata Ribeiro (Org.). Puer-Senex: dinâmicas relacionais. 2ª edição, Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.