Caso Humberto: uma proposta comportamental

Descrição da Realidade de Humberto
Humberto é um garoto de dez anos de idade que, há muito, passa por uma difícil situação, sendo considerado por todos à sua volta um “bobão” com atraso mental. Todos os nomes utilizados neste estudo de caso são fictícios. Segue abaixo a descrição de Humberto e de algumas pessoas atuantes em sua vida:

Humberto: Já foi retido quatro vezes na escola, copia bem, às vezes omite letra. Na fala também omite letra e troca o R pelo I. Repete bem historinhas, mas é péssimo em matemática. Possui boa aparência (quando bebê, todos queriam vê-lo e pegá-lo no colo), bem cuidado, atento e colaborador. Em casa, todos o veem como o doente da família, fazendo-o internalizar esse discurso. É visto como um “bobão, com problema na cabeça, um caso perdido”. Ele ouve tudo isso sempre cabisbaixo.

Fonte: http://zip.net/bntDGd
Fonte: http://zip.net/bntDGd

Grace: Professora do ano anterior, que se encarregou de passar uma péssima imagem de Humberto para a nova professora no início do ano. Ela que o descreveu como um “caso perdido” e como alguém que há muito precisava de um encaminhamento. Ela relata que no início do ano agradava muito ele, mas quando agradou outro, ele chorou muito. Em sua fala, ela diz: “Olhando parece inteligente, é bonito (…) é um bobão, já repetiu várias vezes. Mas quando fala, você percebe que tem problemas”.

Marta: Orientadora educacional da escola que encaminhou Humberto para uma classe especial em outra escola. “Munida de uma visão muito pobre do processo de aprendizagem escolar, distribui diagnósticos de deficiência mental sem qualquer rigor e critério”.

Psicólogo(a): A psicóloga disse que Humberto tem raciocínio lento e para ele ficar em classe mais lenta. Na nova escola, um outro psicólogo fez um laudo psicológico, tentando justificar a inclusão de Humberto numa “classe especial preparatória”. Este laudo apresenta má qualidade em sua linguagem, colocando Humberto como “deficiente educável”, desorientado quanto a compreender claramente as instruções e as entrevistas, entre outros aspectos. Colocou também que há sinais de comprometimento neurológico e distúrbios psicomotores, sugerindo fonoaudiologia, oftalmologia, psicomotricidade, EEG e orientação do responsável.

Zélia: Esta é a mãe de Humberto que, inicialmente não aceitou seu encaminhamento para uma classe especial, relatando que ela e seu marido não são loucos e que seu filho era normal, apenas preguiçoso. Mas hoje agradece Marta por tê-la alertado. A partir dessa aceitação, começa um processo de estigmatização de Humberto junto à família, em que o discurso técnico passa a fazer parte da linguagem de Zélia. Zélia expressa tendências controladoras e é o principal elemento da vida familiar, decidindo sobre os negócios do marido, impondo seus desejos relativos às prioridades de gastos com a casa. Além desse papel poderoso no grupo familiar, arca com o trabalho doméstico, mostrando insatisfação com a vida de casada. Quando Humberto nasceu, ela não o queria dividir com ninguém, tendo ciúmes dele e cerceando o seu desenvolvimento, por medo de contaminação do ambiente, tornando-o totalmente dependente dos seus cuidados. Ela declara que os problemas de Humberto só podem existir por causa do seu “excesso de zelo”. Ela está sempre vigilante com o que o filho faz, sempre à espera do erro e de corrigi-lo.

Aurício: Pai de Humberto que se mostra ausente no estudo, sendo coerente com seu lugar ocupado no grupo familiar. É o provedor da casa, porém se comporta como um filho de Zélia e como um irmão dos filhos. Durante a pesquisa, prefere falar sobre as suas coisas (como uma criança), mostrando desinteresse pelo caso de Humberto, como se o assunto não lhe dissesse respeito.

Areta e Rogério: São os irmãos de Humberto, com oito e sete anos, respectivamente. Relatam divertidos as dificuldades do irmão em casa e na escola. Areta refere-se insistentemente ao Humberto como um “burro” que não consegue passar de ano. Quando brincam de escola, Areta coloca-o de castigo e o reprova. Quando brincam de casinha, Areta é a mãe, Rogério o pai e Humberto o bebê, que está sempre doente e é muito chorão.

Pontos-Chaves (Problematização)

  1. É correto enquadrar uma criança de apenas dez anos de idade como um “caso perdido”? Quais critérios foram utilizados para diagnosticá-lo?
  2. Quais fatores influenciam na não aceitação do encaminhamento por parte da mãe?
  3. Se os comportamentos apresentados pela criança não forem condizentes ao que se espera dela em determinada fase, é argumento suficiente para afirmar que esta não é normal?
  4. A dinâmica familiar de Humberto interfere nos problemas de aprendizagem por ele apresentados?
  5. O fato da professora Grace ter agradado Humberto no início pode ter o reforçado de forma inadequada e influenciado no seu aprendizado?
Fonte: http://zip.net/bctDCg
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Teorização (B. F. Skinner)

  1. B. F. Skinner foi o expositor mais influente da teoria da aprendizagem. Ele concordava com Watson que a psicologia devia focalizar o estudo científico do comportamento (BERGER, 2003). Segundo Watson, tudo pode ser aprendido. Em suas palavras: “Deem-me algumas crianças saudáveis, bem formadas, e meu próprio mundo especificado para educá-las, e garanto eleger qualquer uma delas aleatoriamente e treiná-las para que se torne qualquer tipo de especialista que eu possa escolher (…)” (Watson, 1928 apud Berger, 2003). Os teóricos da aprendizagem ressaltam que a vida é um contínuo processo de aprendizagem (BERGER, 2003). Portanto, a partir do que foi exposto, depreende-se que para Skinner e Watson, não é correto enquadrar uma criança de apenas dez anos de idade como uma “caso perdido” (aliás, nenhum ser vivo), pois eles acreditavam que enquanto há vida, há aprendizagem. Provavelmente, Humberto tenha sido assim estigmatizado devido à falta de estrutura no ensino que uma criança com dificuldades em aprender se depara, em que é mais fácil, principalmente para o professor, rotulá-lo como alguém com problemas do que usar métodos diferentes para ensinar.
  2. Segundo Skinner, o ser humano é ativo perante o meio e sensível às consequências de suas ações. E ainda, tem seu estudo pautado na interação das variáveis e de que maneira essas afetam o comportamento de um indivíduo. Diante o exposto, podemos ressaltar alguns fatores que influenciam na não aceitação da mãe ao seu encaminhamento para um profissional psicólogo. A mãe foi criada na periferia de uma grande cidade. Segundo ela, frequentou a escola somente até a 3ª série ginasial; desempenha o papel de principal elemento organizador da vida familiar, mas não está dispensada dos afazeres domésticos, o que faz com que ela se sinta insatisfeita com a vida de casada e decepcionada com o papel social que está destinada como mulher, além de afirmar que já desistiu de ser feliz nesta vida e que na próxima não quer ter marido e filhos; prefere acreditar na ideia de que os problemas de aprendizado de Humberto são pelo excesso de cuidado por sua parte ou por preguiça da parte dele; e ainda descreve o psicólogo como “alguém que é capaz de adivinhar tudo o que o outro pensa e também que este é um especialista que trata de doenças.”
  3. Os teóricos da aprendizagem formularam leis do comportamento que se aplicam a todos os indivíduos de todas as idades. Essas leis oferecem visões sobre como habilitações amadurecidas são modeladas a partir de ações simples e sobre como as influências do ambiente moldam o desenvolvimento do indivíduo. Segundo a visão dos teóricos da aprendizagem, todo desenvolvimento envolve um processo de aprendizagem e, portanto, não ocorre só em determinadas fases que dependem da idade e do amadurecimento (Bijou & Baer, 1978 apud Berger, 2003). Portanto, fica claro que, se uma criança não apresenta comportamentos compatíveis com a fase em que se encontra, não é argumento suficiente para dizer que ela não é normal. No caso de Humberto, parece que o ambiente em que ele se encontra, principalmente a família, não está colaborando para seu desenvolvimento e aprendizagem.

    Fonte: http://zip.net/bltC6H
    Fonte: http://zip.net/bltC6H
  4. As atitudes da mãe de Humberto, tal como do restante da família e das pessoas na escola reforçam a ideia de que ele é um caso perdido, que precisa de atenção. Além da superproteção da mãe e das palavras negativas utilizadas pela família, percebe-se que Humberto sempre é colocado como indefeso ou incapaz. Nesse caso, a família está reforçando as atitudes de Humberto em agir como tal. Humberto ouve essas provocações cabisbaixo, deixando claro que as atitudes familiares não estão cooperando para seu desenvolvimento e estão afetando seu lado emocional, colaborando para um complexo de inferioridade que o torna incapaz de se adaptar ao meio social e escolar.
  5. Segundo Skinner, existem formas de controle para o processo de aprendizagem bastante eficazes, baseadas no arranjo das contingências do reforçamento. Trata-se de arranjar situações com o objetivo de possibilitar ou aumentar a ocorrência de determinados comportamentos desejados. Nesse contexto, Skinner destaca que o professor deve se utilizar dos reforços existentes no dia a dia do aluno e organizar suas contingencias para reforçar as respostas desejadas. Porém, reforçar exige atenção e cuidado, para que comportamentos inadequados não sejam fortalecidos. Segundo Henklain e Carmo (2013), “o reforço deve ser condicionado à apresentação, pelo aluno, de comportamentos que se aproximem dos comportamentos-objetivo estabelecidos pelo professor, ou que efetivamente sejam demonstrações desses comportamentos-objetivo. ” O professor deve ter critérios confiáveis de reforçamento para que as respostas evidentes de real aprendizagem sejam fortalecidas. Com isso, pode-se entender que “agradar” o aluno sem um critério preciso e sem um objetivo claro sobre os resultados de tal agrado podem sim reforçar comportamentos contrários e/ou distantes daqueles que devem ser aprendidos na escola.

Proposta de Intervenção

O valor das técnicas de modificação de comportamento para aprimorar uma grande variedade de comportamentos foi amplamente demonstrado em milhares de relatos de pesquisa. Foram documentadas aplicações bem-sucedidas com populações que variam desde pessoas com severas deficiências de aprendizagem até as altamente inteligentes (BERGER, 2003).

Desde o início dos anos 1960, aplicações de modificação de comportamento em salas de aula progrediram em várias áreas. Muitas aplicações, nas séries iniciais do ensino fundamental, foram desenvolvidas para modificar comportamentos de disrupção ou incompatíveis com a aprendizagem acadêmica (…) Outras aplicações se voltaram para a modificação direta do comportamento acadêmico, incluindo leitura oral, compreensão de leitura, soletrar, caligrafia, matemática, redação, criatividade e domínio de conceitos de ciências. Também se alcançou considerável sucesso em aplicações com indivíduos com problemas especiais, como crianças com déficits de aprendizagem e crianças hiperativas (Barkley, 1998 apud Berger, 2003).

Dentre as técnicas de modificação de comportamento, há a modelagem, um processo que pode ser utilizado para instalar um comportamento que o indivíduo nunca emitiu. O modificador de comportamento começa por reforçar uma resposta que ocorre com frequência superior a zero e que se pareça, pelo menos remotamente, com a resposta final desejada. Quando tal resposta inicial está ocorrendo numa frequência elevada, o modificador para de reforçá-la e começa a reforçar uma resposta ligeiramente mais próxima à resposta final desejada (BERGER, 2003).

Às vezes, um comportamento novo se desenvolve quando o indivíduo emite algum comportamento inicial e o ambiente (seja o físico, sejam outras pessoas) reforça variações pequenas de tal comportamento, durante uma série de ocorrências. Eventualmente, o comportamento inicial pode ser modelado de maneira que a forma final não se pareça mais com ele. A modelagem é tão comum na vida diária, que a maioria das pessoas nem tem consciência dela. Ela pode ser aplicada sistematicamente, quando há um plano de ensino ou não sistematicamente, que é o que ocorre comumente na vida diária. Isso serve para ilustrar a importância que os pais ou cuidadores representam na vida de uma criança (BERGER, 2003).

Fonte: http://zip.net/bdtD46
Fonte: http://zip.net/bdtD46

A modelagem pode apresentar algumas ciladas, quando mal utilizadas por pessoas que não tem conhecimento sobre ela. Um comportamento prejudicial, que talvez não tivesse ocorrido sem modelagem, é desenvolvido gradualmente como resultado dessa. Outro tipo de cilada é quando uma pessoa, inadvertidamente, deixa de aplicar uma modelagem quando ela deveria ser aplicada. Alguns pais, por exemplo, não são muito sensíveis aos comportamentos de seu filho, ou seus problemas pessoais os impedem de devotar a atenção necessária à criança, ou, ao invés de não apresentar suficiente reforço para o comportamento correto, alguns pais dão à criança bastante reforço de maneira não contingente. Assim, muitas variáveis podem impedir que uma criança fisicamente normal receba a modelagem necessária para estabelecer comportamentos normais (BERGER, 2003).

Considerando o exposto, depreende-se que o caso de Humberto se encaixa perfeitamente em uma cilada de modelagem. Na descrição de seu caso, há três evidências que comprovam isso: a falta de um diagnóstico concreto de alguma deficiência física ou mental como causa de seus problemas de aprendizagem; a surpresa relatada pela nova professora em ele estar em uma classe especial, pois ela não acredita que ele necessita disso; e a declaração de que a sua mãe cerceou seu desenvolvimento por medo do ambiente estar contaminado. Para Skinner, a interação com o ambiente é essencial para a aprendizagem. Percebe-se que essa interação de Humberto não se dá de forma proveitosa, e mesmo sendo ele uma criança saudável, não se desenvolveu plenamente, sendo estigmatizado por todos à sua volta.

Portanto, propõe-se que a técnica de modelagem seja utilizada para intervir no caso de Humberto. Esse processo deve ocorrer em cadeia, ou seja, em casa e na escola Humberto precisa receber a atenção necessária para os objetivos corretos. Para tanto, a família e os educadores necessitam de uma orientação quanto à esse processo e às necessidades de Humberto. É preciso planejar esse processo, e para tal, existem diretrizes para aplicação eficaz da modelagem. São elas:

  • Especificar o comportamento final desejado: Consiste em identificar o comportamento que se deseja ao final do processo, de modo a aumentar as chances de reforçamento consistente das aproximações sucessivas de tal comportamento. No caso de Humberto, o comportamento final desejado é a sua adequação ao meio social e escolar, tal como sua plena aprendizagem acadêmica;
  • Escolher um comportamento inicial: Consiste em identificar um ponto de partida, um comportamento que ocorra com frequência suficiente para ser reforçado durante a sessão e deve se assemelhar ao comportamento final desejado. No caso de Humberto, esse ponto de partida seria a sua habilidade em repetir historinhas;
  • Escolher as etapas de modelagem: Consiste em planejar as aproximações sucessivas por meio das quais a pessoa será conduzida, a fim de alcançar o comportamento final desejado. No caso de Humberto, reforçaria a sua habilidade em repetir historinhas, depois sua criatividade em inventar as próprias historinhas, depois em contá-las para os seus colegas, de modo a socializar e também aprender com eles;
  • Avançar no ritmo certo: Consiste em reforçar a aproximação várias vezes antes de passar para o passo seguinte, evitar reforçar um número excessivo de vezes quaisquer dos passos e caso perder um comportamento porque está indo rápido demais, voltar a uma aproximação anterior.

Ao final do processo, espera-se que Humberto tenha superado com sucesso não somente suas dificuldades em aprendizagem, mas também de adequação ao meio social e escolar, melhorando até mesmo seu lado afetivo-emocional.

Fonte: http://zip.net/bstDT8
Fonte: http://zip.net/bstDT8

REFERÊNCIAS:

HENKLAIN, M. H. O.; DOS SANTOS CARMO, J. Contribuições da análise do comportamento à educação: um convite ao diálogo. Cadernos de Pesquisa, 2013.

MARTIN, G.; PEAR, J. Modificação de Comportamento: O que é e como fazer. 8ª ed. Universidade de Manitoba. São Paulo, 2003.

CATANIA, A.C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, Linguagem e Cognição. Porto Alegre: Artmed.

BAUM, W. M. (2007). Compreender o Behaviorismo: Comportamento, Cultura e Evolução. Porto Alegre: Artmed.