Produzido por Glauber Rocha e lançado em uma época de difícil realidade no Brasil (entre 1963-1964), Deus e o Diabo na Terra do Sol é um filme que, com excelência, aborda temáticas espinhosas acerca do país e, sobretudo, da cultura sertaneja e nordestina, compondo o segundo período do Cinema Novo Brasileiro, em que
“Com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, essa nova geração de cineastas propôs deixar os obstáculos causados pela falta de recursos técnicos e financeiros em segundo plano. A partir de então, seus interesses centrais eram realizar um cinema de apelo popular, capaz de discutir os problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e o uso de uma linguagem inspirada em traços da nossa própria cultura (SOUSA, Brasil Escola, 2017).
O longa conta a saga do casal Manuel (Geraldo Del Rey) e Rosa (Yoná Magalhães), vitimados pela pobreza e pela seca do sertão da época. Em uma tentativa de mudar de vida, Manuel oferece a venda do seu gado para o coronel Morais (Mílton Roda). No caminho de ida para a fazenda do coronel, alguns animais morrem, devido à seca do local. Esse último, dizendo que a sua palavra é lei, fala que os animais mortos faziam parte do gado de Manuel, portanto o prejuízo seria dele. Manuel, revoltado com isso, acaba por matar Morais, dando fim à exploração e coronelismo desse.
Perseguidos pelos jagunços de Morais, Manuel e Rosa adentram em uma jornada interminável de fuga da morte, da seca, da pobreza, da exploração. Pelo caminho, deparam-se com um grupo religioso, seguidor de São Sebastião (Lídio Silva) que promete que “o sertão vai virar mar, e o mar vai virar sertão”, e que todos os envolvidos no grupo alcançariam glória e sairiam da miséria atual. Isso é marca forte dos movimentos messiânicos, em que
Se organizam com seguidores que se consideram ‘eleitos’ para combaterem o mal que os aflige, contra o Anticristo que os persegue, e encontram entre si o refúgio para essa luta contra o mal. Existe harmonia e sintonia com o contexto deste povo ou comunidade e a mensagem messiânica os transforma em movimentos organizados (SILVESTRE, Info Escola, 2006).
Manuel se alia ao grupo, acreditando que ali encontraria saída para todos os seus problemas. Fica clara a forma como ele e as outras pessoas se agarram ao misticismo, no afã e no desespero de não mais sofrerem em suas miseráveis vidas, de modo a executarem qualquer coisa que lhes é pedido por seu líder, inclusive sacrifícios humanos. Porém, Rosa não se contenta com o grupo e, tomando a mesma atitude de seu marido, ela esfaqueia o líder quando esse mata um bebê em sua frente. O casal retoma a sua jornada de fuga, agora dos messiânicos revoltados e sem líder.
Logo, Manuel e Rosa passam a fazer parte de outro grupo que surge em seus caminhos: o do cangaceiro Corisco (Othon Bastos), amigo de Lampião. Diferente do grupo anterior, Corisco e seus parceiros não aguardavam uma intervenção divina para apaziguar seus problemas. Eles buscavam a sua glória pelas próprias mãos. A política fundiária, somada aos inúmeros problemas sociais vigentes neste contexto, principalmente a má qualidade de vida da população, contribuiu para o nascimento do cangaço. Grupos violentos surgiam aqui e ali, matando, roubando, destruindo, raptando os proprietários dos latifúndios, quando não se encontravam percorrendo o sertão e se refugiando dos executores da lei; eram nômades, pois não podiam permanecer em um único lugar (SANTANA, Info Escola, 2006).
Com um grupo messiânico e com um grupo cangaceiro, em uma terra marcada pela seca e pela miséria, o nome do filme começa a fazer sentido. O longa mostra claramente dois extremos em que pode chegar um povo sofrido e sem esperanças, seja se agarrando à uma religiosidade ou à “lei da selva”, em que o mais forte vence, no caso do cangaço, o que mais saqueia e mata à sangue frio. Produzido na época da ditadura militar brasileira, o filme não aborda diretamente o tema, mas há um aspecto que, analogicamente falando, pode-se dizer que o retratou. Como a censura era característica forte do regime, tudo era produzido de forma camuflada, e o filme em questão não foi diferente.
Contratado pela Igreja Católica, Antônio das Mortes (Maurício do Valle) tem a missão de matar e acabar tanto com o grupo messiânico quanto com o grupo cangaceiro. Esse personagem representa o próprio regime militar, uma vez que esse último tinha como características: repressão aos movimentos sociais e manifestações de oposição, uso de métodos violentos, inclusive tortura, contra os opositores ao regime e apoio da Igreja Católica (SILVA, 2005).
Dessa forma, “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, Glauber Rocha produziu um filme que retratou um Brasil duro e difícil de se viver, mostrando a vida de seu povo na profundeza de seu sofrimento. Lançado em meio à ditadura militar, o filme precisou sair escondido do Brasil. Foi indicado a Palma de Ouro do Festival de Cannes de 1964 e seu emblemático cartaz, criado por Rogério Duarte, saiu na capa da revista francesa de cinema “Positif (Uol, 2014). Enfim, um roteiro instigante e que desnuda o Brasil, mostrando características por muito veladas e até mesmo ignoradas. Ainda bem que Glauber Rocha não queria esconder a realidade.
REFERÊNCIAS:
Portal Uol, 09/07/2014. 50 anos de Deus e o Diabo: Glauber Rocha adorava polêmica, diz Othon Bastos. Disponível em: <https://goo.gl/LH3C3D>. Acesso em: 13 mar. 17.
SANTANA, A. L. Cangaceiros. Info Escola. Disponível em: <https://goo.gl/HefsIJ>. Acesso em: 13 mar. 17.
Portal História do Brasil.Net. Ditadura Militar no Brasil – Resumo. Disponível em: <https://goo.gl/ieOpFt>. Acesso em: 13 mar. 17.
SOUSA, R. G. Cinema Novo. Brasil Escola. Disponível em < https://goo.gl/cWSCnd >. Acesso em: 13 mar. 17.
SILVESTE, A. A. Messianismo. Info Escola. Disponível em: <https://goo.gl/HFvWAw>. Acesso em: 13 mar. 17.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL
Diretor: Glauber Rocha
Elenco: Geraldo Del Rey, Yoná Magalhães, Othon Bastos
País: Brasil
Ano: 1964
Classificação: 14