Ilha dos Cachorros: o nazifascismo através do stop motion

Concorre com 2 indicações ao OSCAR:

Melhor Animação, Melhor Trilha Sonora

Wes Anderson metaforiza os cães com humanos e a Ilha do Lixo com os campos de concentração dos regimes ditatoriais nazifascistas

Ilha dos Cachorros (2018), dirigido por Wes Anderson, é uma animação stop motion que conta com uma produção que harmoniza o futurismo com recordações de guerra em uma grande e bela homenagem ao Japão. O enredo apresenta uma estória tocante protagonizada por Atari, um garoto japonês de 12 anos de idade, sobrinho órfão do prefeito, que reside em Megasaki, no Japão.

A cidade fictícia é governada por Kobayashi, um prefeito corrupto que aprova uma lei que bane todos os cachorros da cidade e os manda para a Ilha do Lixo, por espalharem uma suposta febre canina que assola cães de raça e vira-latas. Atari não aceita a separação de Spots, seu animal de estimação, rouba um pequeno jato e vai para a Ilha. Lá encontra um grupo de cães que o ajudam na busca de seu fiel amigo.

Fonte: encurtador.com.br/loAF4

Wes Anderson metaforiza os cães com humanos e a Ilha do Lixo com os campos de concentração dos regimes ditatoriais nazifascistas, tema que deve ser retratado para nunca nos esquecermos de que a democracia, governo do povo, pelo povo e para o povo, como dizia o ex-presidente estadunidense Abraham Lincoln, é o caminho para a paz.

O filme representa estas ideologias extremistas através do autoritário governante de Megasaki, que faz uso intenso do marketing para convencer que os cachorros são perigosos, prejudiciais aos humanos e precisam ser excluídos da civilização, como, por exemplo, nos governos de Hitler e Stalin, que possuíam um ministério voltado exclusivamente à propaganda. Estes liderantes totalitários enfeitam as verdades e ocultam as mentiras para se promoverem e penetrarem na cabeça da população. Os governos autoritários possuem táticas repressivas contra opositores e proibição de atividades anti-regime, conforme ocorre na animação: embora a ciência provasse que havia cura para a suposta epidemia e que não havia nenhuma ameaça, o prefeito Kobayashi “plantou’’ essa ideia na cabeça de grande parte da população por intermédio do discurso de ódio, usufruindo da lavagem cerebral em massa para alcançar seu objetivo de exterminar os cães de Megasaki e assim conquistar a mente de inocentes. Logo, a execução do professor Watanabe, cientista que descobriu a cura para a febre canina demonstra a eliminação da oposição presente no autoritarismo.

Fonte: encurtador.com.br/fmQZ4

A personificação dos cães causa cenas humorísticas que não produziriam os mesmos efeitos se fosse feita com humanos, de fato, em um campo de concentração. A expressão dos animais é bastante acentuada, utilizando closes e uma produção impecável que os concede personalidades e subjetividade que permite um aprofundamento na relação de Atari com Chief, um vira-lata que vivia na rua que apresenta, no início, certa resistência ao humano. No decorrer do filme, a convivência entre os dois aumenta, gerando um afeto que é demonstrado em pequenos atos como quando o garoto dá metade do biscoitinho que iria dar para Spots, seu cão, quando o encontrasse.

O convívio com animais é uma ferramenta de aprendizado e aperfeiçoamento das relações emocionais, podendo ter consequências bastante positivas e reforçadoras e podendo até mesmo preencher vazios existenciais, não apenas físicos, mas funcionais, àqueles que vivenciam alguma fragilidade no suporte social em seu cotidiano ou a sua ineficiência em suprir suas demandas afetivas. Eles nos trazem uma realidade tangível no que diz respeito a lealdade e companheirismo incondicional, porém, mesmo assumindo os mais variados papéis, não consegue suprir, por completo a ausência de outro humano.

Fonte: encurtador.com.br/wxN04

Um ponto que se sobressai na trama é a criação de uma figura feminina de atitude: a aluna de intercâmbio Tracy, que, com ajuda dos colegas, lidera a campanha pró-libertação dos cachorros que estão exilados na Ilha do Lixo, mesmo que sem o conhecimento de que o prefeito Kobayashi pretendia exterminá-los. Nesse viés, é notável a preocupação de Wes Anderson em introduzir o feminismo, assunto histórico, porém atual e que vem sendo retratado com cada vez mais frequência nos últimos anos, uma vez que vem garantindo cada vez mais o espaço da mulher na sociedade . Na animação não poderia ser diferente: o delírio de Wes Anderson nunca sai da realidade, abordando temas atuais e de peso que precisam de tal reconhecimento.

Ilha dos Cachorros é um filme adorável, capaz de emocionar com os personagens e criticar politicamente os governos ditatoriais de forma bem humorada e divertida. Pode ser visto como uma metáfora contra a sociedade autoritária que é capaz de eleger uma minoria e fazer de tudo para alcançar seus objetivos através da repressão e violência. É uma experiência única que abre feridas que doem até os dias atuais através do stop motion e da cultura japonesa.

FICHA TÉCNICA:

ILHA DOS CACHORROS

Título original: Isle Of Dogs
Direção: Wes Anderson
Elenco: Bryan Cranston, Liev Schreiber, Edward Norton
Ano: 2018
Países
:
Alemanha, EUA
Gênero: Animação, Aventura

REFERÊNCIAS:

GRIFFIN, James A.; MCCARDLE, ‎ Peggy. Os Animais em Nossa Vida. Família, Comunidade e Ambientes Terapêuticos. São Paulo: Papirus, 2013.

LINCOLN, Abraham. Discursos de Lincoln. São Paulo: Penguin Companhia, 2013.

TIBURI, Márcia. Feminismo em comum: para todas, todas e todos. Rio de Janeiro: Editora Rosa dos Tempos, 2018.